domingo, 22 de julho de 2018


FALA BAIXO
SENÃO EU GRITO

(O QUE É CLÁSSICO SE TORNA ETERNO.
ou
“MARIAZINHAS” SOMOS TODOS NÓS?)





            Os clássicos são eternos. E essa frase já se tornou “clássica”. O espetáculo que acabou de entrar em cartaz (17 de julho de 2018), no Teatro Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro) (VER SERVIÇO.), “FALA BAIXO SENÃO EU GRITO”, texto premiadíssimo, escrito há quase cinco décadas, por LEILAH ASSUMPÇÃO, é um clássico da dramaturgia brasileira e, portanto, merece ser aplaudido sempre. “FALA BAIXO...” foi a peça de estreia da brilhante carreira de uma grande dramaturga, concebida em pleno auge da ditadura militar.

            LEILAH ASSUMPÇÃO é o nome artístico de Maria de Lourdes Torres Assunção, certamente “uma das personalidades mais fortes da geração de autores que veio à tona no fim dos anos 60 e, também, uma das mais censuradas, nos anos do regime autoritário”, na visão do saudoso e grande crítico teatral Yan Michalski, com o que concordo plenamente, por ter vivido aquela "época de chumbo".

            LEILAH é uma grande pioneira, ao tratar, em suas peças, como assunto de maior destaque, da mulher e sua situação de “inferioridade”, numa sociedade, declarada e majoritariamente, machista e opressora. Em seus textos, a figura feminina aparece, sempre, como uma questionadora do papel da mulher na arquitetura de uma sociedade plural, além de, também, não poupar críticas a um modelo de sociedade moderna e capitalista, na qual predominam o dinheiro e as aparências.

            Levado à cena, pela primeira vez, em 1969, tendo Marília Pêra e Paulo Villaça no elenco, esse texto já foi encenado, profissional ou amadoristicamente, dezenas de vezes e, sempre que é apresentado, faz um enorme sucesso, porque é atemporal e trata de uma temática que merece a atenção e o respeito de todos: a solidão humana nos grandes centros urbanos, potencializada por estar concentrada numa figura feminina, ainda que atinja, de forma “estranha”, a figura do personagem masculino (Se é que ele existe de verdade. Dando nó na cabeça? Entenderão adiante.).

            A montagem, dirigida por GEORGENES ISAAC, ganhou uma adaptação, do diretor, sobre a qual posso afirmar que, a despeito de eu não guardar tanta lembrança da encenação original, manteve todas as intenções da autora e, portanto, não fugiu às cores do texto, que conheço bem e estudei na Faculdade de Letras da UFRJ, durante minha formação acadêmica.
    









       

SINOPSE:

            O texto conta a história de MARIAZINHA MENDONÇA DE MORAES (PATRÍCIA OLIVEIRA), uma funcionária pública, solteirona virgem e infantilizada, que é surpreendida, durante o sono, pela entrada de um LADRÃO (BRUNO DE SOUSA), anônimo, em seu quarto, em um pensionato para mulheres. A própria autora, durante muito tempo, morou em pensionatos.

Após a entrada desse homem, MARIAZINHA é levada para um lugar onírico, onde experimenta o gosto da liberdade e dos desejos jamais vividos.


  






A protagonista da peça, MARIAZINHA, revela-se uma pessoa que pode ser considerada a materialização da solidão, o eu solitário por excelência, uma mulher, aparentemente, sem grandes pretensões, sem um projeto de vida, cujo mundo cabe entre as quatro paredes de um minúsculo quarto do pensionato em que mora. Ali, ela vive, única e exclusivamente, das lembranças de seu passado insosso. A partir do momento em que um ladrão invade seu “universo”, inicia-se, entre os dois, um “duelo” entre o “ser’ e o “vir a ser”.

Há, entre os dois, uma explícita oposição de valores, uma vez que, enquanto ela se revela uma pessoa fechada, arraigada a seu passado, porém com desejos de libertação, guardados nas profundezas do seu coração, ele se mostra uma pessoa totalmente livre, com o estranho hábito de assaltar casas, durante a noite, com o único objetivo de buscar companhias. No encontro dos dois, dá-se o casamento de duas solidões, talvez prometendo um “casamento” entre iguais.

            Transcrevo um trecho do “release” desta montagem, enviado pela assessoria de imprensa, mais propriamente, por CARLOS GILBERTO (MINAS DE IDEIAS): “Representando o início de uma conscientização feminina coletiva brasileira, em meados da década de 70, o texto aborda, de forma poética, temas como machismo, emancipação feminina, solidão, tédio e todas as amarras imposta à figura feminina na sociedade brasileira, através de metáforas e signos. A forma divertida e dinâmica utilizada pela direção e pelos atores, para tratar dessas temáticas contemporâneas, causadoras de patologias psicossociais, é o principal pilar do espetáculo. Através dessa abordagem, a peça busca a atenção do espectador, para gerar debates sobre a condição feminina na sociedade”.

            Fiz questão de fazer a transcrição supra, com o objetivo de despertar o interesse do meu leitor, para a peça, e realçar a importância desse texto, tão atual e que nos convida a uma reflexão. Se o espectador prestar bastante atenção a ele, com quase toda a certeza, chegará à conclusão de que podemos todos ser “mariazinhas” na vida. E isso pode, e deve, nos causar um grande incômodo, ao mesmo tempo que também poderá representar aquele botão que deverá ser acionado para uma mudança de posicionamento no mundo em que vivemos, aquele sinal de que temos de tomar uma atitude de transformação, sejamos homens ou mulheres, para assumir a felicidade; não a dos filmes e romances de TV, mas a verdadeira, a palpável, a que nos convida a viver, cada vez mais intensamente.






            Numa leitura mais atenta da sinopse da peça, pode-se notar que, em dois momentos, utilizei, intencionalmente, o negrito como grifo: “durante o sono” e “onírico”. Não foi por acaso. O que me chama a atenção, nesta peça, é a possibilidade de tudo não passar de um sonho, de um personagem externo invadir aquele quarto apenas no delírio onírico da protagonista, o que, em nada, invalida a sua reação. Quem sabe ela mesma não descobre, por si só, em função de um sonho, que há um mundo exterior para ser explorado e uma profusão de possibilidades de libertação e felicidade a serem vividas? É uma leitura que sempre me permiti fazer acerca desse texto. E, até hoje, insisto nela: o ladrão só existira num sonho, sendo um simples vetor.

Durante toda a trama, o espectador poderá perceber, facilmente, quão solitária é a personagem MARIAZINHA e o quanto ela pode utilizar, do seu poder de imaginação, para dar sentido a uma vida (Vida?) marcada por uma monotonia, por uma mesmice, que, aparentemente, lhe basta..

A montagem aqui analisada não é um primor de encenação, mas não deve ser desprezada, de forma alguma, tanto que me dispus a escrever sobre ela. Vale a pena assistir ao espetáculo. Nunca é recomendável, principalmente a um crítico de TEATRO, o qual assiste às peças com valores e propósitos diferentes dos que vão ao Teatro apenas à busca de entretenimento ou algo parecido, assistir a uma montagem na sua estreia. Todos sabemos que o natural é qualquer espetáculo ir “ficando mais azeitado” aos poucos. Este, certamente, há de crescer muito mais, tornando-se menos monocórdio.

            Recomendo-o, porém, pelo bom trabalho da dupla de atores, PATRÍCIA DE OLIVEIRA e BRUNO DE SOUSA) e, obviamente, pelo conteúdo do texto e a mensagem que ele procura passar.

            Louvo o grande esforço de todos os envolvidos no projeto, pela coragem da fazer TEATRO nos dias atuais, sem contar com patrocínios e grandes espaços na mídia, gerando um espetáculo simples, em termos orçamentais, mas que atinge o seu objetivo, contando com uma cenografia modesta (SABRINA TRAVENÇOLO), mas que se encaixa na proposta, bem como os figurinos (CAROL PINHEIRO) e a iluminação (RODRIGO MENEZES).  










FICHA TÉCNICA:

Autora: Leilah Assumpção
Elenco: Patrícia Oliveira e Bruno de Sousa
Direção: Georgenes Isaac
Produção: Jorge Alves
Designer Gráfico/ Fotografia: Samuel Kobayashi
Figurino: Carol Pinheiro
Direção de Arte: Sabrina Travençolo
Assistente de Arte: Fernando Reis
Assistente de Arte: Rafael Freitas
Iluminação: Rodrigo Menezes
Diretor Musical: Gabriel Carneiro
Maquiador: Sócrates Coelho
Iluminação: Rodrigo Menezes
Assessoria de Imprensa: Carlos Gilberto
Realização: DeSá Realizações Artísticas e Cia Sino




]




SERVIÇO:

Temporada: De 17/07 a 08/08 de 2018.
Local: Teatro Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço: Avenida Vieira Souto, 176 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: Às 3ªs e 4ªs feiras, às 19 horas.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) / R$20,00 (meia entrada) -  Lista Amiga: R$20,00 (producaofalabaixo@gmail.com).
Duração: 60 minutos.
Classificação etária: 12 anos.
Gênero : Tragicomédia.







              


Procurem assistir à peça, colocando-se no lugar da protagonista. Isso, com certeza, não deixará que saiam do Teatro com apenas a sensação de terem assistido a uma peça. Deixem-se mover pelos diálogos curtos e pelas falas mais alongados, procurando refletir sobre as reações que eles provocam, um no outro personagem. E em vocês também.



Os atores, com o diretor, ao centro.



E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O BOM TEATRO BRASILEIRO!!!







(FOTOS: SAMUEL KOBAYASHY)




















Nenhum comentário:

Postar um comentário