sábado, 6 de maio de 2017


THE PRIDE

 

(UM TEMA SEMPRE INSTIGANTE E OPORTUNO, MUITO BEM DESENVOLVIDO.

ou

UM GRANDE MOTIVO DE ORGULHO!)


 
 
 

            No ano passado (2016), no final de setembro, assisti a um espetáculo, já em fase de término de temporada. Agradou-me muito, o que seria um passaporte para escrever sobre ele, entretanto motivos alheios à minha vontade, que incluíam outros trabalhos e uma viagem, fizeram com que eu abortasse a pretensão, ficando, porém, na expectativa e no desejo de que voltasse ao cartaz.

            Assim ocorreu e “THE PRIDE” (literalmente, “O ORGULHO”), voltou à cena, no Teatro Ipanema, já nos derradeiros dias desta segunda temporada, infelizmente (VER SERVIÇO.). E, apenas agora, consegui rever a peça e não poderia deixar de comentá-la.

            Partindo do princípio que defendo, de que a boa qualidade de uma montagem teatral depende, principalmente, da grandeza do texto, “THE PRIDE” já contava com meio caminho aberto para o sucesso. Não bastasse isso, ARTHUR BRANDÃO, idealizador do projeto, acertou em cheio na escolha do time que, com ele, defenderia as cores do arco-íris, a começar pela escolha de quem faria a brilhante tradução e adaptação do texto, de ALEXI KAYE CAMPBELL, para o português. Para tal tarefa, ninguém melhor do que RICARDO VENTURA, o qual teve a preocupação de manter todas as intenções do autor, abrindo mão de alguns mínimos detalhes, que só seriam bem entendidos pelos espectadores britânicos. RICARDO, em consenso com ARTHUR e o diretor, VICTOR GARCIA PERALTA, manteve o título original, “THE PRIDE”, pois é com ele que a peça foi, e é, ainda, montada nos países que não são de língua inglesa, em função de o termo “pride” ser universal, dentro do nicho LGBT, mas nos mostrou, dentro da nossa capacidade cultural de percepção, “O ORGULHO”. Trata-se de um “orgulho próprio.

ALEXI KAYE CAMPBELL é um dramaturgo grego, radicado na Inglaterra. Já ganhou muitos prêmios, com “THE PRIDE”, escrita em 2008 e encenada, pela primeira vez, no mesmo ano, em Londres, produzida para o Royal Court Theatre Upstairs , iniciando-se, então, a sua coleção de prêmios pela peça. “THE PRIDE” é seu segundo texto e já foi montado em vários países, como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia do Sul, Brasil, Itália, Suécia, Bélgica, Grécia e Alemanha.

Antes de se dedicar à dramaturgia, CAMPBELL foi ator. Ainda que não o tenha visto atuando, creio que a opção de deixar de ser ator para escrever para o TEATRO foi muito acertada. Sua arquitetura textual é digna de elogios, quer na construção da trama, quer no desenvolvimento dela, por meio de diálogos vivos, inteligentes, com bastante humor, ainda que, por vezes, possa este nos levar a profundas reflexões, vizinhas do sentimento da dor. 
 
 


“THE PRIDE” é um drama atual e universal, porque trata de um tema que, infelizmente, ainda é tabu, em quase todo o mundo, a despeito dos avanços observados nos últimos anos. A homossexualidade e o que ela carrega, consigo, de bom e de ruim (dependendo do ângulo de quem a enxerga ou a vivencia), de prazeroso e de perverso, de acusações e culpas, tudo está presente no texto em discussão. É claro que, à garupa, vem a questão da autoaceitação, da autocondenação, dos dramas de consciência, ligados a tantos fatores, como perdão, fidelidade, lealdade, amizade, amor, atração carnal, promiscuidade e o questionamento acerca da possibilidade de alguém gostar de se relacionar, sexualmente, com outro(a) do mesmo sexo ser uma “opção” de cada indivíduo ou um traço patológico. CAMPBELL joga todas as cartas sobre a mesa e nos permite pegar as que acharmos mais acertadas ou convenientes.

A questão da identidade de gênero é apenas, na peça, um degrau inferior, para se atingir uma discussão mais elevada, que é a da identidade do ser humano como indivíduo. Como e quem ser? Como alcançar a felicidade e por quais caminhos? A minha felicidade depende só de mim ou está na dependência de outrem?

Por se passar em duas épocas distantes em 50 anos, o texto tenta nos mostrar os avanços e os retrocessos da sociedade em relação ao tema e, principalmente, quanto aos direitos da população LGBT e ao respeito devido a ela.

 
 


 
SINOPSE:
 
Em “THE PRIDE”, temos dois tempos: no passado (1958), somos confrontados por um triângulo emocional tortuoso: PHILIP (ARTHUR BRANDÃO) é um agente imobiliário, que está apaixonado por OLIVER (MICHEL BLOIS), um autor de livros infantis, mas é casado com SYLVIA (LISA EIRAS), uma ex-atriz, que trabalha com OLIVER, ilustrando o seu novo livro.
 
No presente (2008), os nomes são os mesmos, mas os personagens são diferentes, o que pode confundir um pouco o espectador menos avisado e atento: o OLIVER do século 21 é um jornalista, viciado em sexo com estranhos, praticado de forma promíscua, que vê seu relacionamento com PHILIP, um fotógrafo, à beira do fim, por conta do seu vício.
 
SYLVIA, sua melhor amiga, é uma atriz, heterossexual, ainda que grande militante da causa “gay”, com quem OLIVER vai desabafar constantemente; ela ama os dois.
 
O passado é um fantasma no presente, assim como o presente é um fantasma previsto no passado.
 
A alternância entre agudas cenas repressivas da década de 1950 e dos dias atuais revela como esses personagens vivem situações parecidas, em que a culpa e a repressão aparecem de maneira contrastante. É uma tentativa de o autor mostrar as mudanças do olhar da sociedade sobre a sexualidade.
 

 

 


Extraído do “release” da peça, enviado pela assessoria de imprensa do espetáculo (MÔNICA RIANI): “Em meados do século XX, a homossexualidade era crime previsto em lei (Acrescento: hoje, infeliz, inexplicável e inaceitavelmente, ainda o é, em alguns países.). Mas, e no século XXI, o que muda? ‘Hoje a liberdade sexual põe em xeque assuntos, como fidelidade, sexo virtual e passageiro. ‘THE PRIDE’ examina as mudanças comportamentais da sociedade pelo viés da sexualidade, ao focalizar a intimidade, a identidade e a coragem que é necessária para ser quem você, realmente, é. A peça nos lembra que, apesar dessas mudanças, o preconceito ainda está conosco”, destaca ARTHUR BRANDÃO, produtor, idealizador e ator da montagem.

            Um dos maiores méritos do espetáculo é “contribuir com a discussão, proposta na peça, sobre o preconceito e intolerância sofrida pela comunidade LGBT, estimulando um diálogo/debate artístico e social, através do TEATRO”. (Também extraído do “release”.)

            Já bastante comentada a qualidade do texto, devo tecer créditos elogiosos à direção, precisa, de VICTOR GARCIA PERALTA, voltada para projetar foco em cada um dos personagens, todos de excelente construção, principalmente PHILIP, OLIVER e SYLVIA, e tirando partido das excelentes marcações, que giram em torno de um elemento do cenário, sobre o qual falarei adiante.
 
           Ressalto que estava receoso, quanto à adaptação de arena, como o espetáculo foi originalmente apresentado, na Caixa Cultural, para palco italiano, porém, as alterações de marcas permaneceram excelentes, como antes.
 
 
 
 
 
 
 


            Confesso que estou diante de uma difícil tarefa, que seria a de apontar algum destaque no elenco, uma vez que o quarteto prima por uma excelente atuação. Não consigo estabelecer comparações.

MICHEL BLOIS (OLIVER) consegue, nos dois personagens que representa, passar tudo o que o texto pede e cria uma grande empatia com o público. Apesar do sofrimento interior, faz dois personagens assumidamente “gays” (alegres), provocando risos, com o humor inteligente e cáustico dos dois.

ARTHUR BRANDÃO (PHILIP), por sua vez, faz um brilhante trabalho, também nos dois personagens, conseguindo impor, a cada um, características próprias e diferentes deles. É um grande ator, de pouca penetração na mídia, conhecido e admirado, porém, por quem frequenta teatros, por seu rendimento impecável em cena, mormente neste espetáculo.

CIRILLO LUNA, outro ótimo ator, de uma safra mais nova, se desdobra em três personagens, completamente diferentes, o que lhe permite mostrar seus apreciáveis dons de representação. Ótimo como o “RAPAZ DE ALUGUEL” (escolhi, de propósito, o termo, sinônimo de “prostituto”, “michê”, “acompanhante”), anônimo e vestido de nazista, o mesmo podendo ser dito com relação ao EDITOR, de uma revista, que quer contratar OLIVER, para escrever um artigo sobre homossexuais, para héteros, e ainda o estranho MÉDICO, que propõe um tratamento de choque, para a “cura gay”.

Quanto à única atriz em cena, tive a oportunidade de ver SYLVIA ser vivida, primeiramente, por JÚLIA TAVARES e, agora, por LISA EIRAS, que substituiu a amiga, aos 45 minutos do segundo tempo, o que lhe concede um mérito especial. Ambas se saem muito bem na interpretação de suas personagens. Poucas vezes, vi uma substituição dar tão certo, principalmente quando a atriz substituída já se destacava no elenco. Parabéns a ambas, principalmente pelo grande desafio de representar personagens diferentes e de complexas construções, com o cuidado de que não escorregassem para um tom professoral ou caricaturesco.
 
 
 
Foto da primeira montagem, com a participação de Júlia Tavares.
Michel Blois, de pé, e Arthur Brandão, sentado.



Uma das grandes atrações deste espetáculo é o curioso, prático e engenhoso cenário, de DINA SALEM LEVI, que se limita a um banco diferente, de madeira, formado, na verdade por dois, um dentro do outro, ligados e apoiados, numa das extremidades, por um mecanismo, que proporciona mudanças de posições, feitas pelos próprios atores, como se fossem dois ponteiros de um relógio, a marcar a passagem de meio século. Uma ideia genial!!!

Tanto na primeira quanto na segunda temporada, em espaços diferentes, destaca-se a boa iluminação de TOMÁS RIBAS, evidenciando cada situação em cena.

CAROL LOBATO assina os acertados figurinos, que mudaram um pouco de uma para outra temporada, embora, às vezes, por imposição do próprio texto, que exige muitas saídas e entradas, em cena, de três dos atores, a sobreposição de peças sobre o figurino anterior, para identificar um outro personagem, torne a composição (visagismo) do(a) personagem um pouco estranha. Mas nada que comprometa o figurino, de uma forma geral.

A peça conta, ainda, com uma cuidadosa trilha sonora, de ISADORA MEDELLA, e um apropriado videografismo, a cargo de VICTOR LEOBONS.     

 

 

 

 
 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Alexi Kaye Campbell
Tradução e Adaptação: Ricardo Ventura
Direção: Victor Garcia Peralta
 
Elenco: Arthur Brandão, Cirillo Luna, Lisa Eiras e Michel Blois
 
Cenografia: Dina Salem Levy
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Tomás Ribas
Trilha Sonora: Isadora Medella
Videografismo: Victor Leobons
Fotos: Ricardo Brajterman
Designer Gráfico: Marcelo Mendonça
Produção: Arthur Brandão e Mariana Machado
Idealização: C.I.C. – Clube de Investigação Cênica
Realização: A Távola Produções
Assessoria de Imprensa: Mônica Riani
 
 

 
 
 
 

 
SERVIÇO:
 
 
Temporada: De 12 de abril a 11 de maio de 2017.
Local: Teatro Ipanema.
Endereço: Rua Prudente de Morais, 824, Ipanema, Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 4ªas e 5ªs feiras, às 20h.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: A partir de uma hora antes do início do espetáculo.
Informações: (21) 2267-3750.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira); R$15,00 (meia-entrada), para os casos previstos em lei; Ingresso Amigo: R$10,00.
Duração: 100 minutos  
Classificação Etária: 16 anos
 
 

 
 
 


            O público que aprecia bons espetáculos de TEATRO não pode perder as duas últimas oportunidades de conferir o meu entusiasmo por este espetáculo, que recomendo bastante.

 


(FOTOS: RICARDO BRAJTERMAN.)




 

 

 



 

 

 
 

 

 



 

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