segunda-feira, 16 de junho de 2014


A MOÇA DA CIDADE

 

 

(UMA FÁBULA BRASILEIRA FABULOSA.)

 

 

 


 

 

 

            Pode ser para a realização de um sonho, para a concretização de um capricho ou, até mesmo, por vocação, mas o fato é que muitos atores e atrizes, nos últimos tempos, vêm achando que também podem ser diretores de TEATRO.  Algumas experiências são muito boas, até excelentes; outras me fariam aconselhar essas pessoas a que se mantivessem no palco, representando apenas, se eu tivesse a coragem de fazê-lo.


            O espetáculo que é motivo para esta resenha, A MOÇA DA CIDADE, ao qual tive a grande alegria de assistir no último sábado, é dirigido por um dos melhores atores de sua geração: RODRIGO PANDOLFO.  E a prova disso é que, aos 29 anos de idade, já foi indicado duas vezes ao Prêmio Shell de Teatro, como melhor ator, e três vezes ao Prêmio APTR de Teatro, na mesma categoria, sagrando-se vencedor deste, em 2010, como melhor ator em papel coadjuvante, pelo trabalho em O Despertar da Primavera, da dupla Charles Möller e Cláudio Botelho, na pele do inesquecível Moritz. 

 

No caso do PANDA, como, carinhosamente, seus amigos o tratam, dois foram os motivos que o levaram a dirigir essa peça: realizar um sonho e testar a sua vocação de diretor.  O sonho foi realizado, e muito bem realizado.  Quanto à vocação, indubitavelmente, esta existe e deveria ser exercitada, exercida, sempre.

 

            A peça é uma delícia!



 


Gabriel Delfino Marques, Lu Camy e Dida Camero.

 

 


Lu e Gabriel.

 

 


Lu Camy.

 

 

            Com perdão do pleonasmo, numa brevíssima sinopse, pode-se dizer que a peça gira em torno de AMBROSINA, uma moça interiorana, nordestina, que nasceu muito feia e que tinha um sonho de ir para a cidade grande, com o objetivo de “vencer na vida”.  Depois de muita luta, conseguiu convencer o pai durão de que sua sorte estava no Rio de Janeiro, para onde se transferiu, aos 18 anos de idade, indo morar numa pensão para moças, no Catete, quando trava conhecimento e inicia uma amizade com DONA ROSA, a proprietária uruguaia, e LEITINHO, um hóspede meio, digamos, “esquisito”.

 

A partir dessas relações, a trama toma um rumo, marcado por desejos múltiplos, paixões arrebatadoras, desejos incontidos, dores profundas, mágoas exacerbadas e uma atmosfera de mistérios e segredos em torno dos personagens.  É o que se pode chamar de uma fábula moderna, uma história bem humorada, cheia de brasilidade e repleta de encontros e desencontros.

             

            Você, que me dá o prazer de ler estas minhas considerações sobre o espetáculo, poderia estar pensando: E o que há de inusitado nesse enredo?  Quantas vezes já não se viu a história de algum moço ou moça do interior que sonha com a cidade grande e parte para uma delas, em busca de uma melhoria de vida, da concretização de seus sonhos, muitas vezes além de Shangri-la, e nos quais cabe o encontro com a tão desejada cara metade?

 

            E eu responderia, com a maior tranquilidade: Não é aí que está o cerne da questão, não é esse o fator que qualifica esta peça como um excelente trabalho, que deve ser visto por um número maior possível de espectadores, a despeito da curta temporada e da limitação espacial da Sala Multiuso do Espaço SESC Copacabana, onde o espetáculo está sendo apresentado.  Um tema pode ser “batido”, mas, quando tratado com inteligência, criatividade, competência, talento e, paixão, muita paixão, o resultado tende a ser bom.

 

 

 A moça da cidade

 

 

 

 A moça da cidade

 

 

 

O resultado de A MOÇA DA CIDADE é excelente, porque, no espetáculo, estão combinados todos os ingredientes necessários para fazer dele um grande divertimento, para todas as idades e para pessoas as mais ecléticas em seus gostos pessoais.

 

            É um espetáculo lírico, poético, lindo, ao mesmo tempo que diverte, distrai e faz com que o espectador se esqueça, por uma hora, das mazelas da vida e do mundo.

 

            O texto, que teve como embrião um conto, é um achado e foi escrito pelo dramaturgo sul-mato-grossense ANDERSON BOSH, vencedor do Prêmio Funarte de Dramaturgia da Região Centro-Oeste 2001, chegando ao formato final de dramaturgia, como uma criação coletiva, que envolveu o próprio autor, RODRIGO PANDOLFO, VICTOR VARANDAS, KELI FREITAS e o elenco.  É lindo, principalmente por dar a oportunidade às pessoas “da cidade” de conhecer o falar da “gente do interior”, uma linguagem ingênua e cheia de frases feitas e propriedades muito curiosas e inteligentes.

 

Na verdade, A MOÇA DA CIDADE é o nome de uma radionovela, dos anos 40, no estilo "dramalhão mexicano, e a encenação da peça se dá, basicamente, dentro de um estúdio de rádio, embora, além de dois espaços onde estão instalados os microfones utilizados pelos atores para a leitura interpretada do texto novelesco, outros sejam ocupados, para a ambientação de cenas na pensão de DONA ROSA, no cinema, no interior de um veículo e outros espaços.  O ambiente lembra muito os estúdios da Rádio Nacional, nos tempos dourados da radiofonia.  A novela é dividida, bem como a ação, em três momentos (capítulos), desde o nascimento da moça, no interior do nordeste, até o desfecho, completamente inesperado pela plateia, um grande trunfo da trama.

 

Um dos aspectos mais interessantes desta montagem é a utilização de vários recursos da linguagem tecnológica, que vão ajudar a contar a história, onde se destacam as projeções de filmes da época, “dublados”, de forma magistral, ao vivo, pelos atores e por dois técnicos, com formação em artes dramáticas, que operam o som e as projeções, os quais também são responsáveis por todos os efeitos de sonoplastia, provindos de uma bancada, ao fundo, os quais são necessários na transmissão de uma novela.  Um trabalho irretocável de FELIPE BOND e BRUNO FAGOTTI.  A propósito, como a referida bancada fica no final do espaço cênico, um pouco distante da plateia, alguns “detalhes visuais dessa sonoplastia” (parece uma incongruência) acabam sendo perdidos pelos espectadores.  Na impossibilidade de fazer com que seja diminuída a distância entre o público e o local de onde partem os efeitos sonoros, recomenda-se que o espetáculo seja visto mais de uma vez, para que todos os detalhes possam ser observados. Vale a pena repetir a ida ao teatro.  A sincronia entre a ação e a sonoplastia é perfeita, chegando ao requinte de ater-se a detalhes mínimos, como, por exemplo, o som produzido por uma azeitona, caindo num copo de bebida, e uma lavagem e secagem de pratos.

 


 


 

 

Não posso conter o meu desejo de exaltar o trabalho de direção de RODRIGO PANDOLFO, pela extrema dose de criatividade nele concentrado e por algumas ideias simples, porém magistrais, como, por exemplo, a utilização da já tão festejada sonoplastia; o uso da dublagem ao vivo (sensacional a de Marlon Brando e Vivian Leigh); a troca de um bilhete entre dois personagens, passados, por meio de um “truque”, através de uma tela; o emprego de luminárias do tipo “globo”, com o objetivo de distorcer a fala dos personagens, uma espécie de surdina, utilizada em instrumentos de sopro; a interrupção, por várias vezes, da transmissão da radionovela, para uma notícia extraordinára, do setor de radiojornalismo, de fatos da época; a produção dos filmes feitos especialmente para o espetáculo; o tom de brasilidade e o resgate de uma época tão importante para a cultura brasileira.

 

Quanto ao elenco, formado por LU CAMY (AMBROSINA), DIDA CAMERO (DONA ROSA e outros papéis) e GABRIEL DELFINO MARQUES (LEITINHO e outros papéis), o trio faz um trabalho digno de todos os elogios. 

 

DIDA é uma veterana, ótima atriz, demonstrado em tantos espetáculos de que já participou.  Está perfeita em todos os personagens que representa, principalmente como DONA ROSA, uma uruguaia, com um hilário portunhol, mais para “nhol” do que para “portu”.  A atriz já colhe os frutos de seu trabalho logo nas primeiras cenas e agrada bastante a toda a plateia, até o final da encenação.

 

 


Dida Camero.

 

 

LU, cujo trabalho eu conhecia, por alto, na TV, demonstra grande competência e responsabilidade para carregar a protagonista da trama.  Feia e desajeitada, a personagem, preterida nos seus propósitos de vencer na vida e conseguir um “bom” marido, a atriz se comporta muito bem em cena, sem exageros, mesmo nas cenas mais caricaturais, por exigência do texto e orientação da direção.  Foi uma grata surpresa.

 

 


Lu Camy.

 

 

GABRIEL, cujo trabalho eu não conhecia, também se mostra um excelente ator.  São ótimas as leituras que faz dos diversos personagens e as consequentes representações.  Como LEITINHO, está impagável.  Ótima revelação, pelo menos para mim, que não o conhecia, de ator, com lugar garantido em qualquer outra produção de qualidade.

 

 


Gabriel Delfino Marques.

 

 

A trilha sonora, de ótimo gosto, é do diretor, que conta, ainda, com a correta e luxuosa direção musical de MARCELO ALONSO NEVES.  Voltei à infância, com os deliciosos “jingles” selecionados, dos “patrocinadores da novela”.

 

A preparação corporal é responsabilidade de ANA ACHCAR é foi muito bem executada, pois o espetáculo exige bastante do preparo físico dos atores, os quais se revezam em vários personagens, numa correria louca, de um extremo a outro da área cênica.

 

Direção de movimento e coreografias a cargo de VICTOR MAIA já é garantia de bom trabalho.  Não foi diferente nesta produção.

 




 

 

O premiadíssimo iluminador TOMÁS RIBAS (vários prêmios em 2013, por exemplo) assina a iluminação da peça.  Ótima.  No início da “encenação” da radionovela, só há três luzes de serviço, espalhadas pelo espaço cênico (não se pode falar em “palco” na Sala Multiuso do SESC Copacabana), mas, após pouco mais de cinco minutos do início da peça, a plateia se vê em meio a uma frenética troca de luzes, acompanhando, perfeitamente, todas as necessidades das cenas, inclusive muito bem ajustadas nos momentos em que há projeções.  Trabalho perfeito.

 

O cenário é assinado pelo dublê de arquiteto/cenógrafo MIGUEL PINTO GUIMARÃES, ao lado do qual tive o prazer de assistir ao espetáculo e que me deu algumas dicas de alguns detalhes cênicos, durante a representação, pelo que muito agradeço.  Para uma produção muito barata, para os padrões em vigor (informação do próprio MIGUEL), extremamente oposta à qualidade do espetáculo, o cenário não poderia ser rico, mas bastava – e era muito necessário – que atendesse às necessidades do texto e da direção, que fosse prático.  Nisso, MIGUEL acertou em cheio, criando espaços diversos, delimitados por dois telões, móveis, que tanto serviam para pontuar e limitar os diferentes espaços como para que fossem neles projetados os filmes e todas as demais imagens utilizadas na peça.  Além disso, destacam-se apenas dois pontos do estúdio em que se desenrola a radionovela, com microfones da época (detalhe sensacional), além de um banco, que serve a várias utilidades, e uma mesa, móvel da pensão de DONA ROSA, dividido, de forma genial, com o operador de luz.  Ao fundo, há uma bancada, na qual ficam utensílios do dia a dia, utilizados na sonoplastia.  O cenário, como os demais elementos desta produção são a prova viva de que é possível fazer um TEATRO de excepcional qualidade com uma verba franciscana.

 


 


O real e o virtual.

 

 


 

 

BRUNO PERLATTO é o responsável pelos figurinos da peça.  São excelentes, seguindo a linha do grotesco e do que pode ser esperado no universo das fábulas.

 

Ótimo é o visagismo, assinado por SID ANDRADE.

 

Os demais nomes da ficha técnica, todos da maior importância para a realização deste espetáculo, são:

 

Fotos: GUI MAIA

 

Design gráfico: AGOSTO DESIGN

 

Assessoria de imprensa: VÂNIA DE BRITO

 

Assistente de direção e stand-in: VICTOR VARANDAS

 

Assistente de produção: LEILA MEIRELLES

 

Colaboração cênica: KELI FREITAS

 

Direção de vídeos: FELIPE BOND

 

Direção de fotografia: DANI LIMA e ROBERTO COBRAN

 

Edição de vídeo: UIRÁ FELIPE

 

Projeto de vídeo e edição: JOÃO MARCELO IGLESIAS

 

Operação de projeção: BRUNO FAGOTTI

 

Operação de som: FELIPE BOND

 

Operador de luz: SANDRO LIMA

 

Produção: TATIANNA TRINXET e RODRIGO PANDOLFO

 

Realização: PANTUR e CONSTELAR

 

 



 


 


 


 


 

 

 

Numa recente entrevista, RODRIGO PANDOLFO disse sobre a peça: "Esse é um projeto meu, é como ver um filho nascer.  Estou aprendendo muito, é como iniciar uma nova carreira."  Fico muito feliz por ele, mas espero vê-lo mais no TEATRO, já que, ultimamente, está mais dedicado à TV e ao cinema e, apesar do meu modesto aval para continuar dirigindo excelentes espetáculo, como  A MOÇA DA CIDADE, espero não perder o grande ator que ele é.

 

Assistam ao espetáculo e vejam que até economizei nos elogios.

 

Apenas para que aqueles que ainda não conhecem bem o trabalho de RODRIGO PANDOLFO, vale a pena contar um fato, o qual, até hoje, confidenciei a apenas poucas pessoas:

 

 
Numa das incontáveis vezes em que assisti ao espetáculo O DESPERTAR DA PRIMAVERA, tive a honra e o prazer de ter o grande e saudoso mestre SÉRGIO BRITO ao meu lado, na primeira fila.
Ao final do primeiro ato, ele virou-se para mim, muito emocionado, e exclamou, quase em transe, referindo-se ao espetáculo: “MAGNÍFICO!”
Quando terminou a peça, durante os intermináveis aplausos, ao ovacionar, de pé, RODRIGO PANDOLFO, SÉRGIO BRITO me disse: “E PENSAR QUE EU GANHEI DESTE MENINO!”
(É que ambos haviam sido indicados para um Prêmio Shell, um ou dois anos antes; PANDOLFO, por outro trabalho, ele que, naquele mesmo ano, ganharia o prêmio de melhor ator em papel coadjuvante, da APTR, pela peça a que eu e SÉRGIO estávamos assistindo naquele momento.)
 

 

SERVIÇO: Peça teatral A MOÇA DA CIDADE
De 30/5 a 29/6, sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.
Valores: R$ 5 (associados Sesc), R$ 10 (meia entrada) e R$ 20
Duração: 60 minutos
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia 


 

 


Parte da equipe de criação.

 

 

‘Eu estou vivendo o meu sonho. A cada novo trabalho, realizo o que sempre quis fazer’


RODRIGO PANFOLFO – o diretor.






(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO; GUI MAIA; PÁGINAS DOS ATORES E DO DIRETOR NO FACEBOOK; MIGUEL PINTO GUIMARÃES e RODRIGO PANDOLFO.)

 

 

 

 

 

 

 

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