"31º FESTIVAL
DE CURITIBA"
“O BEM AMADO
MUSICADO”
ou
(SUCUPIRA É
AQUI, E AGORA.)
(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a
serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE
CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum
tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de
mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o
mais objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”,
até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)
Uma das atrações mais aguardadas, no “31º Festival de
Curitiba”, era a peça “O BEM AMADO MUSICADO”, uma excelente
ideia que deu muito certo e agradou imensamente aos mais de 4.000
espectadores que lotaram o Teatro Guaíra (“Guairão”), nas
noites dos dias 3 e 4 do mês de abril de 2023. Não tive a oportunidade
de assistir à peça em São Paulo, motivo pelo qual agradeço ao “Festival”
por essa oportunidade.
Quando se fala em “O BEM-AMADO”, a grande maioria das
pessoas logo pensa na excelente e inesquecível novela, produzida pela TV
Globo, em 1973 (178 capítulos), que fazia o Brasil parar, para se deliciar com as “maracutaias” do prefeito da fictícia cidade de Sucupira, na Bahia, Odorico
Paraguaçu. O grande sucesso do
folhetim deu origem a um seriado, na mesma emissora, de igual audiência. Além
da TV, os fãs de Odorico e “sua gente” também
puderam se deliciar com o universo sucupirense nas telonas, num filme, de 2010. Nas telinhas, o “ilibado” prefeito (Contém ironia.) era,
magistralmente, vivido por Paulo
Gracindo; no cinema, foi Marco Nanini quem deu vida ao personagem, também numa impecável interpretação. Mas o
que muitas pessoas não sabem é que tanto a televisão como o cinema adaptaram
uma peça teatral, que não era musical, de um dramaturgo dos mais festejados no
Brasil e fora do país, Alfredo DIAS
GOMES, que, se vivo fosse, teria
completado seu centenário de nascimento em 2022.
Tive o raro e indescritível prazer de
ter conhecido DIAS
GOMES, eu ainda jovem, com menos de 20 anos, quando, por intermédio de um amigo comum, fui à sua casa, na Lagoa (Rio de Janeiro), onde o encontrei, em seu escritório, escrevendo
capítulos de uma novela, enquantosua esposa, Janet Clair, fazia o mesmo, num escritótio contíguo ao seu. Corria o ano de 1968 ou 1969, não tenho bem certeza. O motivo de minha visita a DIAS, meu ídolo, era pedir-lhe que permitisse que o grupo de TEATRO amador de um clube sociorrecreativo, do qual eu fazia parte, montasse um
dos seus mais icônicos textos, o maior êxito de sua carreira de dramaturgo, “O Pagador de Promessas”, e, de próprio punho, escrevesse uma carta, ao Diretor da SBAT (Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais),
autorizando a liberar o pagamento pelos direitos autorais a que faria jus. DIAS, da forma mais gentil e generosa possível, fez as duas coisas, e eu pude
experimentar a alegria e o orgulho de ter sido Zé
do Burro, por dois ou três
meses, contando com um belo trabalho de visagismo, para encarnar o personagem, bem
mais velho que eu.
Jamais me esquecerei de suas palavras,
que tento reproduzir na íntegra: “Mas é
claro, menino! É uma honra, para mim, ter um texto meu montado por gente tão
jovem e preocupada com os problemas do país.”. Acho que ninguém se preocupava mais com os “problemas do país” do que DIAS, a ponto de apontá-los e combatê-los em muitas de
suas obras. Para mim, foi um “GÊNIO”. Eu, que já era portador da “carteirinha nº 0000001”, do “fã-clube
Dias Gomes”, passei a admirar,
também, o homem gentil, educado, atencioso e generoso. Confesso que houve um
tempo em que eu pensava: “Quando
eu crescer, quero ser DIAS GOMES.”.
Era muita pretensão, reconheço, mas isso é coisa que a juventude e um fã
ardoroso, via de regra, ignoram.
DIAS
GOMES foi um dos autores mais
perseguidos pela temida “Censura
Federal”, que não tinha o
menor compromisso com a ARTE e os ARTISTAS e “via
chifre em cabeça de burro”. Censuravam,
ou seja, proibiam, da mesma forma, obras que faziam críticas contundentes e
escancaradas ao regime ditatorial militar, imposto pelos “gorilas” do golpe
civil-militar de 1964, como as que
sugeriam, nas entrelinhas, essas mesmas críticas. E mais o que achavam que
poderia ser contra o regime.
Além de “Odorico
- O Bem-Amado”, título original (A
peça tem um subtítulo: “Os
Mistérios do Amor e da Morte”. O
emprego do hífen, de acordo com a grafia oficial brasileira, foi ignorado no
título da versão musicada.), o dramaturgo escreveu, de 1938 a 1995, mais
32 textos para o TEATRO.
Direcionando o foco para o espetáculo a
que me proponho analisar, a peça nos mostra que nada, ou muito pouco, mudou, da
época em que o texto original foi escrito para os dias atuais. Sentimos, também
que Sucupira é uma espécie de “microcosmo” do Brasil, tão aviltado, ao longo dos anos, pelos
maus políticos, corruptos e mentirosos, exploradores da boa fé do povo, mormente nos quatro últimos.
Tão logo soube que uma montagem musicada da obra estava em fase de produção, em São Paulo, passei a contar os dias, para que pudesse conferi-la, na certeza de que seria um trabalho merecedor de uma crítica, pois, além do esplêndido texto, os idealizadores do projeto, RICARDO GRASSON, diretor da peça, e CASSIO SCAPIN, o protagonista, foram buscar dois nomes de peso, no campo da música, para a composição das canções que o musical exigia: NEWTON MORENO, poeta, letrista e dramaturgo, para escrever as letras, e o compositor e cantor ZECA BALEIRO, para compor as melodias. Já, aqui, aproveito para esclarecer que, embora eu não tenha conseguido assistir à peça no ano passado, sei que algumas canções sofreram alguma alteração, nas letras, visto que, livre do (des)governo federal do último quatriênio, que levou o país a uma condição de pária, na comunidade internacional, e promoveu um retrocesso de 50 anos, em apenas 4, estava o letrista mais confortável para criticar todos os males do antigo (des)governante. Acho extremamente pertinentes as referências ao Brasil de hoje, críticas direcionadas ao Governo Federal e à igreja, duas instituições que sempre foram alvo para a metralhadora do autor do texto original. Também já atrelo a este parágrafo um comentário muito positivo com relação à qualidade das canções, as quais, como não poderia deixar de ser, num espetáculo de TEATRO MUSICAL, ajudam a contar a história.
SINOPSE:
A trama gira em torno das trapalhadas, golpes e “maracutais”
engendrados pelo “Coronel” Odorico Paraguaçu (CASSIO SCAPIN),
que se elegeu prefeito de uma pequena cidade do interior baiano, Sucupira,
com a esdrúxula e bizarra promessa de construir um cemitério, a fim de que a
população não precisasse mais enterrar seus mortos no município vizinho.
Seu grande opositor político é o jornalista Neco
Pedreira (MAGNO ARGOLO), um homem sonhador e grande idealista,
editor e proprietário de um pasquim local, chamado “A Trombeta”.
Odorico, com sua verborragia, seduz algumas pessoas, as
quais passam a defendê-lo, com unhas e dentes, e a fazer parte de suas
intimidades, sem enxergar suas falcatruas, como as Irmãs Cajazeiras,
Judiceia (REBECA JAMIR), Dulcineia (LUCIANA
RAMANZINI) e Doroteia (Kátia Daher), como também seu
secretário particular Dirceu Borboleta (EDUARDO SEMERJIAN).
Na trama, há espaço para mostrar como a Igreja
Católica se envolvia na coisa pública (Leia-se: política.), com a
aquiescência do pároco local, por interesses próprios, ainda que não
concordasse com a maioria das atitudes nefastas do alcaide.
Também o texto procura mostrar a força da Imprensa,
como instituição, na defesa dos interesses do povo, o seu papel fundamental na
divulgação de denúncias contra toda a “podridão” contida nas
ideias e ações do prefeito corrupto.
Por último, vale a pena lembrar que, infelizmente, “qualquer
semelhança com pessoas ou fatos reais não é coincidência”.
Uma obra ficcional que está diante dos nossos olhos, muito próxima a nós.
A montagem é ótima e, além de divertir, pressiona as
chagas que Odorico abria, da forma mais crítica e contundente
possível, fazendo uso, abundantemente, do humor (Leia-se:
ironia e escárnio.), que serve, também,
para aliviar um pouco o peso que tanta “sujeira” causa.
Não consegui detectar nenhum ponto
negativo tão relevante nesta encenação, a não ser o som, que, por vezes,
principalmente durante as canções, deixava um pouco a desejar. Mas acredito que
o problema, a mim relatado também por muitas outras pessoas, era do equipamento
local, não muito bem ajustado, em função da correria que toma conta dos
festivais de TEATRO, quando o movimento de montagem e desmontagem de
cenário, luz e som é frenético. “TEATRO
em alta rotatividade”, com grupos
chegando e saindo, para duas ou três apresentações apenas. Isso não é
relevante? Sim, é verdade; é relevante. Quando for a São Paulo, quero rever a
peça no Teatro
Faap, onde voltará ao cartaz, em
junho próximo, salvo engano. Tirante esse pequeno senão, só enxerguei virtudes
na montagem, a começar pelo irretocável desempenho de um elenco super
homogêneo, em termos de rendimento, com um destaque maior para o protagonista,
vivido por um ator camaleônico, na minha visão, que é CASSIO SCAPIN, o qual rende bem em qualquer papel, seja ele
dramático ou cômico. Recentemente, vi-o brilhar no espetáculo “Além do Ar - O Musical”, também no papel de um protagonista totalmente
diferente de Odorico: Santos
Dumont. A mesma opinião que tenho
acerca de sua interpretação naquela peça, também um musical, aplico a esta,
reforçando que os personagens são diametralmente opostos. O ponto alto da “plataforma de governo” do astuto e “amoral”
(Seria mesmo?) Odorico, sarcástico, espertalhão e demagogo, era uma ideia
fixa, verdadeira obstinação: inaugurar o cemitério que mandara erguer na
pequena Sucupira. Só que não morria ninguém, o que estava lhe
rendendo ataques contundentes da oposição.E,para ver sua promessa de camanha concretizada, Paraguaçu não tinha o menor escrúpulo, ética ou moral. Por uma cruel ironia do destino, foi
ele o merecedor dessa “honra”. Uma das principais características do personagem,
talvez o que mais provoca gargalhadas no espectador, é seu jeito peculiar de
falar: além de sua “falastronice” (Dei uma de Odorico. Momento
descontração.) e das entonações
ufanistas, o uso de dezenas de “neologismos”, criados por ele, os quais ainda não foram
incorporados, oficialmente, ao léxico da língua portuguesa e, possivelmente,
nunca o serão, apesar de muitos já serem empregados por boa parte da população
brasileira (“Vamos
deixar de lado os entretanto e passar pros finalmente.” é um exemplo.). Curioso é ver que o personagem é
tão “carismático”, tão engraçado, que, embora condenando todas as
suas “armações”, não conseguimos ter raiva dele. Freud explica. Será que explica?
Cassio Scapin e Marco França.
Ando Camargo.
Normalmente, reservo, para o final, os
comentários sobre o elenco, contudo, já que comecei a falar do trabalho de CASSIO SCAPIN, continuarei nessa linha, dizendo que os demais
atores e atrizes atuam com uma excelente “performance”, esmerando-se bastante na defesa de seus
personagens, podendo mostrar suas veias cômicas, que todos têm, uns mais que
outros, por conta de seus personagens. O inimigo número um do prefeito é o
ex-cangaceiro Zeca
Diabo, aquele que, arrependido de tudo
de errado quanto fizera, ao longo de sua vida, prometeu, ao “Padim Padre Ciço Romão
Batista”, se tornar um homem
de bem, jamais voltando a matar alguém. Seu único desejo era viver em paz e
aprender a “ler
de carreirinha”, expressão cunhada
pelo personagem, saída da privilegiada cabeça de DIAS
GOMES, que significa “ler fluentemente”. O personagem é, divertidamente, interpretado por MARCO FRANÇA.
Outro que agrada muito é o fiel escudeiro de Odorico,
seu braço-direito, e “capacho”, na Prefeitura, o ingênuo Dirceu
Borboleta, papel muito acertadamente entregue a EDUARDO SEMERJIAN.
REBECA JAMIR (Judiceia), LUCIANA RAMANZINI (Dulcinéia) e
KÁTIA DAHER (Doroteia) formam um trio de irmãs solteironas (Acho que
o intragável “politicamente correto” não aceita mais o adjetivo “solteirão/ona”.
Problema dele!), as Irmãs Cajazeiras, todas arrastando asa para o
lado do Coronel, do que este muito se aproveita, em todos os
sentidos. As três estão impagáveis em suas composições de personagem. Ainda
completam o ótimo elenco ANDO CAMARGO, que se desdobra em Vigário
e Zelão; HEITOR GARCIA (Ernesto); MAGNO
ARGOLO (Neco Pedreira, ferrenho opositor aos desmandos do Prefeito)
e ROQUILDES JÚNIOR (Mestre Ambrósio).
Como se
trata de um musical, há, no palco, a presença de uma pequena banda, que
acompanha os atores/cantores em todos os números musicais, formada pelos músicos
MARCO FRANÇA (piano, clarinete, violões, lira e percussão), BRUNO
MENEGATTI (violões e rabeca), DANIEL WARSCHAUER (sanfona) e ROQUILDES
JÚNIOR (percussão).
Três dos elementos de criação, cenário (CHRIS
AIZNER), figurinos (FABIO NAMATAME) e iluminação (CESAR PIVETTI)
“trocam figurinhas no mesmo diapasão”. Na cenografia, o detalhe
principal é o coreto na praça principal, típica construção em cidades do
interior, de onde partiu a campanha de eleição de Odorico e no
qual, já eleito, o “salafrário” continua fazendo promessas e
tentando iludir a opinião pública. NAMATAME abusou, no melhor sentido,
de uma paleta viva, em trajes deliberadamente “cafonas”, puxando
para detalhes bem exóticos. PIVETTI criou um ótimo desenho de luz, para
evidenciar cenas e detalhes da cenografia que merecem destaque.
Sempre me preocupo com o visagismo, num
espetáculo teatral, pois é uma ferramenta muito importante para que um ator seja
transformado em personagem. Gosto do trabalho de ALISSON RODRIGUES e o
aprovo, sem nenhuma restrição. A maquiagem é, propositalmente, carregada,caricata, e
se aproxima do tom farsesco, que, de certa forma, a direção imprimiu ao musical.
KATIA BARROS e TUTU MORASI se saíram muito bem no
trabalho de direção de movimento e coreografia. Merecedor, também, de uma
palavra de elogio é RODRIGO VELLONI, produtor do espetáculo.
FICHA TÉCNICA:
Autor: Dias Gomes
Letras e Músicas: Zeca Baleiro e Newton Moreno
Direção: Ricardo Grasson
Diretor Assistente: Pedro Arrais
Assistente de Direção: Heitor Garcia
Músicos: Marco França (piano, clarinete, violões,
lira e percussão), Bruno Menegatti (violões e rabeca), Daniel Warschauer
(sanfona), Roquildes Júnior (percussão).
Direção Musical e Música Original (Instrumental):
Marco França
Arranjos: Zeca Baleiro e Marco França
Cenário: Chris Aizner
Figurino: Fábio Namatame
Desenho de Luz: Cesar Pivetti
Assistente de Luz e Operador: Rodrigo Pivetti
Designer de Som: Fernando Wada
Operador de Som: Lucas Onodera
Direção de Movimento e Coreografia: Katia Barros e
Tutu Morasi
Preparação Vocal: Marco França
Visagismo: Alisson Rodrigues
Adereços: Kleber Montanheiro
Microfonista: Ana Mendes.
Direção de Palco: Jones de Souza
Camareira: Consuelo Campos
Contrarregra: Eduardo Portella
Designer Gráfico e Ilustrações: Ricardo Cammarota
Fotografia: Ronaldo Gutierrez
Produção: Rodrigo Velloni
Deixei o Teatro Guaíra com
o coração em festa e "aquecido", embora a temperatura local fosse de 13º, depois de ter assistido a um dos melhores musicais, dos
genuinamente nacionais, a que tive a oportunidade e o prazer de assistir nos
últimos anos.
FOTOS: RONALDO GUTIERREZ
GALERIA PARTICULAR
(FOTOS: GILBERTO BARTHOLO.)
Cassio Scapin e Ricardo Grasson.
Cassio Scapin e Ricardo Grasson.
Com o querido amigo Ando Camargo.
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário