quarta-feira, 24 de maio de 2023

 “A HERANÇA - PARTES 1 E 2”

ou

(TRÊS GERAÇÕES

COLIDEM EM

RELAÇÕES

HOMOAFETIVAS.)

ou

(UM DRAMA

CENTRADO NO

ÂMAGO DO

SER HUMANO.)





        Uma das mais incríveis experiências vividas por mim, não só nos últimos tempos, como também em mais de 50 anos dedicados ao TEATRO, foi ter assistido à encenação brasileira da peça “A HERANÇA” (“The Inheritance”, no original.), recentemente, no “Teatro VIVO”, em São Paulo. Ainda que a peça já tenha encerrado aquela vitoriosíssima temporada, vai reestrear em junho, mais precisamente, no dia 1º, no “Teatro Raul Cortez” (VER SERVIÇO.), com a lotação, praticamente, esgotada e sem data prevista para o término das apresentações. E eu espero assistir ao espetáculo de novo.





       Por ser uma montagem de longa duração – quase sete horas, ao todo -, a encenação, no Brasil, dirigida por ZÉ HENRIQUE DE PAULA, é feita em dois dias, parte 1 e parte 2, a segunda ligeiramente mais curta que a primeira, entretanto a produção experimentou, por duas vezes, apresentá-la num único dia, numa “maratona”, com um intervalo de uma hora e meia entre as duas partes. Aconteceu nos dias 8 e 22 de abril passado. Não tinham certeza, creio, de que daria certa; mas a verdade é que deu. E como deu!!!




Como tenho que aproveitar, ao máximo, a minha estada em São Paulo, assistindo ao maior número possível de espetáculos, escolhi conferir a peça de uma só vez, no dia 22, do que não me arrependi nem um pouquinho. Embora a história seja única, com uma estrutura linear, podendo o espectador assistir à encenação em duas etapas, na verdade, acho que a minha escolha é a melhor maneira para assimilar todo o conteúdo do instigante texto de MATTHEW LOPEZ, dramaturgo e roteirista norte-americano, contemporâneo, de 46 anos de idade.




MATTHEW LOPEZ.
(Foto: fonte desconhecida.)


Não pensem que foi um sacrifício. Muito pelo contrário, não só porque o tempo “voa”, sem que o percebamos, mas também porque, como “rato de TEATRO”, estou acostumado a esse tipo de empreitada. Foi assim com “O Idiota”, adaptação dos 50 capítulos da obra de Fiódor Dostoiévski, dirigido por Cibele Forjaz (Assisti à montagem três vezes; o esquema era o mesmo de “A HERANÇA” e durava mais tempo ainda, cerca de nove horas.); com “Angels in America”, com direção de Paulo de Morais (Um pouco mais curta que “A HERANÇA”, mas não muito.); e muitas montagens do “Teatro Oficina Uzina Uzona”, frutos da “doce loucura” de José Celso Martinez Corrêa (“Bacantes”, “Cacilda”, “Os Sertões – A Terra e O Homem 1 e  2”, “Os Sertões – A Luta 1 e 2” e “O Banquete”, por exemplo.).  Como se pode observar, o formato de “A HERANÇA” não é “inédito”, no Brasil, como se anunciou, porém, bastante raro.    

 



 

SINOPSE:

O enredo trata de um grupo de jovens escritores que decide contar a história deles próprios, inspirados no romance “Howards End”, do autor britânico, “gay”, EDWARD MORGAN FORSTER, no qual os narradores são também personagens.

A história se passa na Manhattan de hoje e começa quando Eric (BRUNO FAGUNDES), prestes a ser despejado de seu apartamento, pertencente à sua família, se aproxima de Henry (REYNALDO GIANECCHINI) e Walter (MARCO ANTÔNIO PÂMIO), formando um triângulo amoroso, na tentativa de se compreender durante a turbulenta ascensão de seu recém noivo, Toby (RAFAEL PRIMOT), à fama.

 O casal Walter e Henry, este assombrado pelo passado, é mais velho que o outro e viveu as dores da epidemia de AIDS, nos anos 80 e 90.

Toby e Eric vivem um relacionamento bastante conturbado.

Quando Adam (ANDRÉ TORQUATO), um jovem faminto por um futuro promissor, surge em suas vidas, três gerações colidem e redefinem suas concepções sobre amor, afeto, perda, saudade e amizade.

Encontros casuais levam a escolhas surpreendentes, conforme as vidas de três gerações se interligam e colidem, com resultados explosivos.  

Um questionamento pontua a peça, do início ao fim: o quanto os "gays" devem àqueles que viveram e amaram antes dos de hoje, corajosamente, e enfrentaram a dor de conviver com um “vírus assassino”, a humilhação de serem acusados de transmitir o “câncer ‘gay’” e que papel devem os de agora desempenhar para as gerações futuras.

O texto ainda desafia o espectador a se agarrar, sem medo, ao passeio selvagem, chamado vida. 

 

 


 



Grande sucesso na Broadway, o espetáculo “A HERANÇA” (“The Inheritance”) pode ser considerado um “épico” e conquistou 11 indicações, no “Tony Awards” de 2021 e 08, no “Laurence Olivier Awards”, em 2019, no TEATRO nova-iorquino e londrino, respectivamente.




A estrutura dramatúrgica da peça revela uma radiografia dos anseios de uma geração, após uma luta pelos direitos civis e os estragos feitos pela terrível pandemia da Aids, nos anos 80 e 90. Também explora questões importantíssimas e inquestionáveis sobre a identidade sexual e todas as possíveis perdas e ganhos da comunidade “gay”, mormente nas últimas quatro décadas. Ainda acende a luz amarela para uma eventual e indesejável reversão dos avanços legais já conquistados, com relação aos direitos da população LGBTQIAPN+, principalmente no Brasil. 








Qualificar “A HERANÇA” como “OBRA-PRIMA” é insuficiente, muito pouco, a meu juízo, para externar a minha verdadeira e sincera opinião sobre o que vi naquela memorável tarde/noite, depois de ter assistido à peça. Não é à toa que o consagrado jornal britânico “The Daily Telegraph” considerou-a como “a mais importante peça norte-americana do século XXI”. Não é preciso nenhum esforço para se chegar à conclusão de que não há nenhum exagero nisso. O formidável texto é inédito, no Brasil, e coloca em pauta uma discussão geracional sobre amor, sucessão e afeto, livre de preconceitos. A primeira montagem da peça se deu em Londres, em 2018, no "Young Vic Theatre". Depois, transferiu-se para o "Nöel Coward Thetre", no mesmo ano. Por esse tempo em cartaz, conquistou vários prêmios. Em 2019, chegou à Broadway, ficando disponível ao público até a temporada ser interrompida, em 2020, por conta da pandemia de Covid-19.







A peça se apoia em duas obras precursoras: o romance "Howards End", do romancista britânico Edward Morgan Forster, datado de 1910, e a peça teatral “Angels in America”, escrita pelo dramaturgo norte-americano Tony Kushner, vencedor do “Prêmio Pulitzer”, em 1993. Se me fosse exigido resumir o conteúdo da peça em pouquíssimas palavras, eu diria que “A HERANÇA” é sobre amizade, amor e perda.




O título da peça é extremamente sugestivo, pousado numa ambiguidade. Em primeiro lugar, pode estar relacionado à herança de uma propriedade, no campo, que o personagem Walter, quando, ainda gravemente doente, desejava deixar para Eric, o que conta com a desaprovação dos dois filhos gananciosos de Henry, companheiro do moribundo. Mas também pode estar atrelado à ideia do legado deixado às novas gerações, em relação às conquistas da comunidade LGBTQIA+, fruto da luta dos mais velhos. Com relação a isso, é interessante este depoimento de ANDRÉ TORQUATO, trecho de uma entrevista que o ator concedeu a um órgão de imprensa, da qual me apropriei: “Acredito que uma das maiores mensagens que a peça traz é que nós, como seres humanos, vivos no presente, somos responsáveis pela relação entre o nosso passado e, consequentemente, o futuro. A partir da perspectiva dessa comunidade, a peça expõe a herança que a nossa geração carrega, das perdas e vitórias do passado...”. É uma história que reúne gerações de homens “gays”, em torno da tentativa de compreensão daquilo que a comunidade LGBTQIAPN+ significa para eles e para o mundo.




Embora não conheça o texto original da peça, acredito que ZÉ HENRIQUE DE PAULA tenha feito um ótimo trabalho de tradução, a julgar pelos ágeis e expressivos diálogos e os longos “bifes”, estes dando oportunidade aos atores de provar que “têm garrafas vazias para vender”, ditado popular que “entrega a nossa idade” (Momento descontração.).




Para que essa excelente trama saísse do papel e ganhasse as tábuas e, o mais importante, conquistasse o público e a crítica, um elenco homogêneo e imensamente talentoso foi reunido. Destacar um só elemento da trupe, além de uma tarefa dificílima, faria com que me tornasse injusto, visto que todos atuam com refinado apuro. São, ao todo, 12 atores, que se revezam na interpretação de 25 personagens, fora uma surpresa sobre a qual falarei adiante. Nos papéis principais, BRUNO FAGUNDES, RAFAEL PRIMOT, ANDRÉ TORQUATTO, REYNALDO GIANECCHINNI e MARCO ANTÔNIO PÂMIO. O quinteto, contracenando entre si ou em solos, é responsável por alguns dos mais marcantes momentos da peça, líricos e dramáticos. Como exemplo, cito um gigantesco “bife”, dito por PÂMIO, na pele do personagem Walter, sempre muito aplaudido, ao final da longa cena, em que o personagem, de forma bastante humanitária, disserta sobre a importância e o respeito aos mortos, os antepassados, e o amor pelos vivos e sua dedicação a eles. Walter é o marido do bilionário Henry (GIANECCHNI). O ator ainda aparece, logo no início da Parte 1, como o próprio autor de Howards End”, Edward Morgan Forster, servindo como orientador do grupo de rapazes “gays”, na tarefa de criar as suas próprias histórias, numa espécie de “oficina de criação dramatúrgica”. Agrada-me muito o emprego da metalinguagem no TEATRO.




RAFAEL PRIMOT é Toby, um romancista “gay”, cujo livro, “Loved Boy”, está em processo de ser transformado numa peça de TEATRO. É namorado de Eric (BRUNO FAGUNDES) e o relacionamento deles já durava sete anos. Extremamente sedutor e volúvel, na mesma proporção de seu instinto de autodestruição, o personagem ainda consegue concentrar, em si, uma grande dose de egocentrismo, vaidade e angústia. Toby é um dramaturgo deslumbrado com a fama. O atormentado Toby é, sem dúvida, a melhor criação de RAFAEL PRIMOT, nos palcos. Afirmo isso com muito conhecimento de causa, já que tive a oportunidade de vê-lo em tantos outros papéis, nos quais sempre demonstrou sua versatilidade na arte de representar. O personagem atravessa momentos de grande reviravolta em sua vida, o que exige muita concentração e cuidado, com relação à maneira como Toby deve reagir. Ainda acrescento ao mérito de sua interpretação o fato de, quando assisti à peça, PRIMOT estar em cena apoiado num par de muletas, em virtude de um acidente, em cena, quando torceu um dos pés, salvo engano.




Que alegria e grande privilégio é ver BRUNO FAGUNDES (Eric), aos 33 anos, num papel tão denso, que exige muito do ator. É bastante compensador ver a trajetória de um jovem artista, dedicado, estudioso, empreendedor (A idealização de “A HERANÇA” é dele e de ZÉ HENRIQUE DE PAULA, os quais também são produtores associados do espetáculo.). Ao longo de sua carreira, iniciada ainda em tenra idade, só fez evoluir. Infelizmente não conheço seu trabalho na TV e no cinema, embora tenha atuado num grande número de produções. No TEATRO, iniciou-se como ator em 2004, aos 15 anos, mas só tive o prazer de vê-lo, pela primeira vez, atuando, em 2012, ao lado de seu famoso pai, Antônio Fagundes, na memorável peça “Vermelho”, interpretando o jovem pintor Ken. Lembro-me, também, com bastante nitidez, de sua brilhante interpretação em “Tribos”, como o jovem Bill (De 2013 a 2015. Assisti às duas peças mais de uma vez, primeiramente, em São Paulo; depois, no Rio de Janeiro.).




Eric, apesar de pertencer à classe média e ter sido muito bem educado, é uma pessoa simples, bastante modesta. O personagem traz um quê de timidez e bondade, características muito bem trabalhadas por BRUNO FAGUNDES, na medida certa. Se assim não fosse, poderia parecer falso e piegas. É ele quem mantém o apartamento em que mora com o namorado. Eric e Toby são donos de personalidades muito diferentes. Aquele se vê como um ser humano comum, muito preocupado com a perspectiva de ser despejado do apartamento, pertencente à família; este se mostra, narcisicamente, um destemperado e cabotino, achando-se o melhor dos dramaturgos do planeta. No mesmo prédio em que moram, também reside um outro casal “gay”, Henry (REYNALDO GIANECCHINI) e Walter (MARCO ANTÔNIO PÂMIO), mais velhos e donos de uma boa situação econômica. Com a morte de Walter e o namoro com Toby já ameaçado, Eric passa a ter um vínculo amoroso com Henry.




Com relação aos dois intérpretes que formam o casal de vizinhos, GIANECCINNI não precisa mais provar que pertence à seleta classe dos atores, contrariando os teimosos que ainda não se convenceram disso. Seu personagem só entra em cena bem no final da Parte 1, mas já chega “causando” e atraindo a atenção do espectador, em todas as cenas de que participa, trazendo um ar de mistério à narrativa. O ator se conduz muito bem, no papel de um bem-sucedido empreendedor imobiliário, muito ausente, por conta de muitas viagens de negócios, um personagem que deixa transpirar ambiguidades e paradoxos, como, por exemplo, o fato de, embora “gay”, ser eleitor do Partido Republicano, o equivalente, no Brasil, a alguém com a mesma orientação sexual que a dele ser apoiador do “ser” homofóbico que “governou” o Brasil no último quatriênio.




Que presença marcante a de MARCO ANTÔNIO PÂMIO, nos dois personagens que representa: o escritor Edward Morgan Forster, na “abertura do pano”, e Walter! Veterano dos palcos, com marcantes trabalhos no TEATRO, no cinema e na televisão, artista premiado, como ator e diretor, trazendo mais de 50 títulos de peças, no currículo, atuando e dirigindo, em quase 40 anos de carreira, PÂMIO, muito elegante, sóbrio e firme, em cena, é responsável por um dos momentos mais lindos e marcantes desta encenação, já citado nesta crítica.




Já afirmei, aqui, que não seria de bom tom destacar alguém do elenco, em função do nivelamento, por cima, de todos, principalmente os que representam os principais personagens na trama, e volto a dizê-lo, mas quase me deixo inclinar por um ligeiro destaque para ANDRÉ TORQUATO, um dos grandes atores de sua geração (Ih! Acho que não me contive!). Hoje com 29 anos, conheço seu trabalho desde 2013, quando, aos 16, já brilhava no musical “Gypsy”, dirigido por Charles Möeller e Claudio Botelho. Com a dupla de encenadores, TORQUATTO já atuou em vários outros musicais de sucesso. Aliás, ele é mais conhecido e lembrado por suas atuações nesse gênero teatral, no qual, além de representar, canta e dança muito bem, com um total domínio de voz e corpo. Seu talento inato tornou-se ampliado em função de sua formação profissional, em várias fontes respeitáveis, com destaque para o “Conservatório Lee Strasberg Theater and Film Institute”, em Nova Iorque. ANDRÉ já atuou, em grandes produções, em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Auckland (Nova Zelândia) e algumas cidades da Europa. Atualmente, faz parte do “Coletivo Impermanente”, dirigido por Marcelo Várzea, que acaba de realizar uma temporada, de muito sucesso, com o instigante e arrojado espetáculo “O Que O Meu Corpo Nu Te Conta?”, no Sesc Pinheiros, espetáculo a que tive o grato prazer de assistir no recente “31º Festival de Curitiba”.




Em “A HERANÇA”, ANDRÉ TORQUATO se desdobra em dois personagens, de comportamentos bem diferentes. Um é Adam, um jovem de classe alta, de Nova Iorque, bastante manipulador, um ator em busca de caminhos para se destacar, na carreira, na Broadway, privilegiando-a totalmente. É rico, simpático, culto e determinado, qualidades das quais o rapaz tira bastante partido, para pôr em prática seu poder de sedução, de acordo com seus interesses. ANDRÉ entra, na trama, como Adam, com muita robustez e desestabiliza as relações afetivas e amorosas entre os outros personagens principais, que já não estavam lá indo muito bem. O outro é Léo, “um garoto de programa, vítima de um sistema que o oprime de todos os lados. Mesmo vindo de realidades totalmente distintas, ambos (Adam e Leo) buscam entender o seu lugar no mundo”, segundo o próprio TORQUATO. Os dois personagens exigem muito do ator, tanto física quanto psicologicamente, pela forte carga emocional que carregam. Como, também, em relação aos outros onze atores, principalmente entre o quinteto de destaque na trama, em nenhuma cena, percebi qualquer deslize no trabalho de ANDRÉ TORQUATO.





Os demais, do elenco, respondem ao que lhes é pedido e orientado pela direção, com atuações corretas e discretas. São eles: FELIPE HINTZE, CLEOMÁCIO INÁCIO, DAVI TÁPIAS, HAROLDO MIKLOS, RAFAEL AMÉRICO, WALLACE MENDES e GABRIEL LODI.





E, para coroar e “fechar com chave de ouro” a encenação, eis que, nos minutos finais da montagem, surge, em participação mais que especial, pequena, entretanto de forma marcante, também com a incumbência de dizer um “bife” belíssimo, a consagrada dama do TEATRO, DONA MIRIAM MEHLER (“DONA”, e “SENHOR”, como, em sinal de respeito e reverência, costumo agregar ao nome da pessoa, ao me referir a ícones do TEATRO BRASILEIRO, depois de tantos anos de brilho nos palcos.). Do alto dos seus 87 anos, a grande atriz, de pequena estatura, se agiganta, em cena, vivendo uma mulher ex-homofóbica, mãe de um filho “gay”, o qual perdera a batalha, e a guerra, para o HIV, e que, num gesto de puro altruísmo, passou a se dedicar à causa LGBTQIAPN+, pondo-se à disposição para auxiliar outros “gays” infectados pelo maldito vírus. Margaret, ainda que em participação curta, consegue levar, ao público, a pungente dor de uma pobre mãe que superou o preconceito, aceitando o filho como “gay”, ainda que meio tardiamente, a partir do momento em que percebeu que era ela a única pessoa que poderia “lhe dar colo”, num momento de total fragilidade, física e emocional, em que o rapaz mais precisava do amor materno. Enquanto relata sua própria história de perda, com uma verdade cênica de “fazer arrepiar”, “descerra as cortinas”, deixando à mostra, de forma amarga e comovente, um coração dilacerado e se escancara numa autorrecriminação “culposa”. Talvez seja o momento de maior emoção na peça, que me fez “chorar litros”. Como é triste o reconhecimento de uma possível “culpa”! Que vontade de pegar aquela frágil senhorinha no colo e levá-la para casa!






Toda a minha profunda admiração pelo trabalho de ZÉ HENRIQUE DE PAULA, em todas as suas anteriores assinaturas, como diretor, ganha um reforço maior, agora, se é que isso seja possível, depois do que vi no palco do “Teatro Vivo”, em “A HERANÇA”. Uma montagem desse texto é um gigantesco desafio para um diretor e - é preciso que se diga - não é para qualquer um. Dirigir um elenco “robusto” já é difícil. Além disso, faz-se necessária muita atenção e bom senso, para não permitir que a densidade do drama transforme a encenação em algo piegas e, consequentemente, falso. ZÉ HENRIQUE sabe dosar, com maestria, o peso dramático de cada cena e, quando a dramaturgia o permite, concede, aos atores, o direito de transitar, parcimoniosamente, no humor, como uma válvula de escape para o alívio da dor. Nota-se uma preocupação em orientar seus dirigidos, no sentido de adequar entonações e movimentos gestuais ao sentido próprio de cada fala, sem exageros nem de forma esteriotipada, caricata.


ZÉ HENRIQUE DE PAULA

(Foto: autoria desconhecida.)


Manter o público atento e interessado, numa história contada durante tanto tempo, é uma tarefa provocadora e laboriosa, para o encenador, todavia, com sua larga experiência como encenador, DE PAULA imprime, ao espetáculo, um ritmo perfeito, que não cansa o espectador. Também me agradaram, sobremaneira, as marcações, assim como – espero que tenha partido dele a ideia – o liberar os limites para as coxias, as quais ficam à mostra, servindo de “trincheira” para os atores que não participam das cenas e observam tudo, dividindo, com o público, todas as emoções dos colegas.  




No que diz respeito aos elementos artísticos de criação, ao pensar na cenografia, ZÉ HENRIQUE DE PAULA, se dispôs a criar um cenário bem simples, com poucos elementos cênicos e um foco maior na sala onde funcionava o laboratório de criação do grupo de dramaturgos, com muitas licenças poéticas, dando abertura a que o espaço também se transformasse em outros, contando com a imaginação do público, o que considero ótimo, por ser um bom exercício para a mente e um motivo a mais no estabelecimento de uma perfeita interação palco/plateia. Propositalmente, ou não, estamos diante de uma cenografia franciscana e sóbria, que atende, muito bem, às necessidades do texto. Chamo a atenção para a delicadeza da maquete da casa, que seria motivo da “HERANÇA”, um trabalho artístico de rara beleza, que é trazida à cena, ao final da peça. Aplausos para o artista que a criou, cujo nome não encontrei na FICHA TÉCNICA.

  


Como sempre acontece, em cada produção de que participa, o grande artista FABIO NAMATAME brilha. Aqui, apoiou-se em criações bem simples e confortáveis, deixando o elenco muito à vontade, em seus 30 figurinos, cada um conjunto de vestes calcado nas características dos personagens. Nada sobra, nada falta; tudo está no seu devido lugar, em ótimas composições de formas, cores e texturas. A simplicidade dos figurinos deixa bem claro o cuidado com que o figurinista trabalhou, na adequação das peças aos personagens, os quais, em comum, apresentam a sua condição de “gays”, sendo que, entre eles, as indumentárias variam, de acordo com o grau de maior ou menor discrição de cada personagem. A personalidade de cada um veste um figurino de NAMATAME. 





Dois outros excelentes artistas de criação fazem parte da FICHA TÉCNICA, acostumados que estão a trabalhar com ZÉ HENRIQUE DE PAULA: FRAN BARROS, a quatro mãos, com TULIO PESSONI (desenho de luz) e FERNANDA MAIA (trilha sonora original).




A iluminação de FRAN e TULIO, bastante comedida, austera, moderada e predomina é a indireta, que causa um efeito mais suave e leve, vindo do alto, banhando toda a cena, porém, em alguns momentos, entram luzes laterais. Para as cenas cujo interesse recai em verdadeiros “solilóquios”, os “bifes”, acertadamente, oS desenhistas da luz trabalham com focos que põem em evidência quem precisa ser o alvo das atenções.



A trilha sonora original, criada por FERNANDA MAIA, entra na justa medida e nas horas certas, sem a menor pretensão de protagonismo, porém dando um ótimo apoio às cenas, com um maior destaque em algumas, principalmente no final da peça.





FICHA TÉCNICA: 

Texto: Matthew Lopez

Tradução: Zé Henrique de Paula

Direção: Zé Henrique de Paula

Assistência de Direção: Davi Tápias

 

Elenco: BRUNO FAGUNDES, REYNALDO GIANECCHINI, MARCO ANTÔNIO PÂMIO, RAFAEL PRIMOT, ANDRÉ TORQUATO, FELIPE HINTZE, CLEOMÁCIO INÁCIO, DAVI TÁPIAS, HAROLDO MIKLOS, RAFAEL AMÉRICO, WALLACE MENDES e GABRIEL LODI.

 

Participação Especial: MIRIAM MEHLER

 

Cenografia: Zé Henrique de Paula

Figurinos: Fábio Namatame

Desenho de Luz: Fran Barros e Tulio Pezzoni.

Trilha Sonora Original: Fernanda Maia

Fotografia: Hudson Rennan, Jonatas Marques, Gabriel Metzner e Arthur Rossi

Diretor de Criação Gráfica: Luciano Schmitz

“Designer” Gráfico: Neto Spinelli

Preparação de Atores: Inês Aranha

Assistente de Produção: Tânia Paes

Coordenadora Administrativa: Sônia Odila

Produção Executiva: Bruno Fagundes, Zé Henrique de Paula e Carlos Martin

Direção de Produção: Carlos Martin

Assessoria Jurídica: Onesti Advogados

Contabilidade: Luvicon

Produtores Associados e Idealizadores: Bruno Fagundes e Zé Henrique de Paula

Realização: BRN Produções, Núcleo Experimental, Ministério da Cultura e OncoClínicas. 

         

 

 


 


 SERVIÇO: 

Temporada: A partir do dia 01 de junho de 2023.

Estreia: 01 de junho de 2023 (parte 1); 02 de junho (parte 2).

Local: Teatro Raul Cortez.

Endereço: Rua Dr. Plínio Barreto, 285 - Bela Vista, São Paulo.

Dias e Horários: 5ªs feiras e sábados, às 20h (parte 1); 6ªs feiras, às 20:00, e domingos, às 18h (parte 2).

Valor dos Ingressos: R$100,00 (inteira) e R$50,00 (meia entrada).

Sistema de Vendas: Sympla.

Classificação Indicativa: acima de 18 anos.

Observação: Contém cena de nudez e uso de cigarro.

Formato: A peça é dividida em duas partes, com a seguinte duração: parte 1 = 3 horas e 30 minutos, incluindo um intervalo de 15 minutos, exibidas às 5ªs feiras e sábados; parte 2 = 2 horas e 30 minutos, incluindo um intervalo de 10 minutos, exibida às 6ªs feiras e domingos.

Bate-papo: Aos domingos, após espetáculo, haverá um bate-papo informal, com a plateia, quando o público terá a oportunidade de fazer perguntas aos atores sobre o tema abordado no espetáculo. 





    “A HERANÇA” é um espetáculo extraordinariamente lindo, tocante, emocionante, que tem a força de transformar pessoas, sejam elas “gays” ou não, pela qualidade da arquitetura dramatúrgica, a entrega de um excepcional elenco, uma direção mais que acertada e muitos artistas de criação de consagrado talento na FICHA TÉCNICA. É muito importante, para todas as faixas etárias, refletir sobre o que se vê no palco, independentemente de orientações sexuais: “uma discussão, entre gerações, sobre pertencimento, amadurecimento e amor”, tendo, como pano de fundo, a temática LGBTQIAPN+.







      Não só recomendo, com todo o meu empenho, o espetáculo como já estou me programando para, na próxima volta a São Paulo, rever a peça, as duas partes num só dia, novamente.




 

 

 

FOTOS: HUDSON RENNAN,

JONATAS MARQUES,

GABRIEL METZNER

e

ARTHUR ROSSI.



GALERIA PARTICULAR

(FOTO: LEONARDO SOARES BRAGA.)





Com Bruno Fagundes.



Com André Torquato.




Com Rafael Primot.





Com Miriam Mehler.



Com Marco Antônio Pâmio.


 

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