quinta-feira, 5 de dezembro de 2024


“INVISÍVEL”

ou

(O VISÍVEL

QUE SE EVITA VER.)

OU

(UMA AULA

DE EMPATIA.)

 

 

 

Esteve em cartaz, em São Paulo, em vitoriosas temporadas, de janeiro a junho deste ano (2024), nos Teatros Renaisssance e Itália, o espetáculo “INVISÍVEL”, um monólogo escrito por MOISÉS BITTENCOURT , com direção de FERNANDO GOMES, interpretado, visceralmente, por JOÃO CÔRTES.



Em duas ou três, das vezes em que estive na capital paulista, neste ano, tentei assistir ao espetáculo lá, porém não o consegui, por incompatibilidade de agendas. Mas o desejo de conhecer aquele trabalho, elogiadíssimo por todos, era muito grande e imaginei mil estratégias, para conseguir trazer o monólogo até o Rio, mas esbarrávamos, eu e meus pensamentos loucos, quixotescos, em barreiras intransponíveis. Só me restava ficar triste e lamentar.


 

Há pouco tempo, encontrei, juntos, o JOÃO e o FERNANDO, no corredor de uma “shopping”, no Rio, saindo, nós três, de uma peça que estava acabando, conversamos sobre a possibilidade e a vontade deles, de trazer o solo para cá, e ambos me disseram que estava sendo bem mais difícil do que se podia imaginar, por falta de patrocínio e de pauta, o que muito me deixou intrigado. Como um espetáculo que emplaca meses de sucesso em São Paulo não encontra condições de ser apresentado aos cariocas?! Mas, infelizmente, senhores, isso é o que mais tem acontecido, ultimamente.


 

Ocorreu, porém, que, de repente, cerca de um mês após aquela agradável conversa, fui surpreendido por um convite dos dois, para assistir a uma única sessão do tão aguardado solo, a ser apresentada no dia 25 de novembro passado, uma segunda-feira, no Teatro dos 4, o qual, generosamente, abriu suas portas para o “debut” da peça entre nós, quase que como um “balão de ensaio”. Não sei se foi, realmente, essa a intenção. O fato é que consegui matar meu desejo e minha curiosidade. E adorei o que vi.


 

A peça chegava aqui com boas credenciais. Além de todas as sessões lotadas, em São Paulo, da excelente aceitação do público, ainda foi indicada aos prêmios de Melhor Ator e Melhor Iluminação na FITA - Festa Internacional de Teatro de Angra dos Reis / 2024.


 

 

SINOPSE:

Eduardo (JOÃO CÔRTES) vive um relacionamento abusivo, tóxico, com seu namorado Michel, interpretado por ele mesmo.

A situação se agrava ainda mais, quando decidem morar juntos.

Eduardo, por muito tempo, sofreu, calado, violência física e psicológica, provocadas por seu parceiro, até que, um dia, decidiu denunciar aquele tratamento, levando o caso às autoridades.

O descaso e o preconceito, vindos de quem deveria protegê-lo, criam uma barreira, ainda maior, entre o grito de socorro e o medo de se expor.

A violência, então, persiste, fazendo com que Eduardo sobreviva a uma estatística, normalmente atribuída apenas às mulheres.


 

 

 

Ler, nos jornais, ouvir, nas estações de rádio, e ver matérias, nos noticiários televisivos, sobre a bárbara violência cometida contra as mulheres, até o assustador número de feminicídios, infelizmente, já se tornou um triste hábito para nós, queiramos ou não, a não ser que nos afastemos, de vez, de qualquer veículo de comunicação, embora essa barbárie continue acontecendo. Essa covardia e maldade só fazem piorar a cada dia, sem que as ditas autoridades, policiais e judiciais, consigam frear esse absurdo criminoso.

 

 


Apenas a título de refrescar a memória curta do brasileiro, “a taxa de feminicídio bateu recordes, em 2023, com uma alta de 1,6%, em relação à do ano anterior. Pesquisas também mostram que nosso país é onde, no mundo, mais se matam pessoas LGBTQIAP+.”


 

  Essa violência contra as mulheres vem sendo bastante denunciada, via ARTE (livros, filmes, peças de TEATRO...), mas pouco se fala, ainda, sobre a violência abusiva em relacionamentos homossexuais. Não estamos falando dos assassinatos de “gays”, de uma forma geral, a grande maioria por preconceito. Aqui, o mote é outro. Abordando questões complexas que, frequentemente, são silenciadas, o monólogo “INVISÍVEL” aborda uma rotina marcada por uma convivência tóxica e dolorosa de um personagem, Eduardo, com seu parceiro, Michel. É a violência entre casais homoafetivos.


 

Mas, por trás disso, há muitas camadas a serem discutidas e denunciadas. A peça aborda temas urgentes e atuais, levantando questões como – talvez a maior de todas - a vergonha e o medo de denunciar abusadores. “Dar a cara a tapa”, decidir assumir esse tipo de vítima verdadeira necessita de muita coragem e é sinal de que não há mais como conviver com esse tipo de violência; o limite foi atingido. Mais coragem, ainda, por conta do medo de uma retaliação, até fatal, visto que tudo de pior se pode esperar da parte desse tipo de “gente”. “Gente”?  


 

Pesa, também, quando se pensa em pedir uma ajuda oficial, a falta de apoio das autoridades. Já foi muito pior, mas ainda há as “otoridades” policiais que, não apenas deixam de cumprir seu papel de proteger um cidadão, punindo o agressor, como, ainda por cima, desdenham e ainda fazem piada com uma situação que seria a última indicada a provocar riso.


 

Além de outros óbices, não podemos nos esquecer de quão frágil, do ponto de vista psicológico, fica a vítima desse tipo de agressão, em relações tóxicas, principalmente quando ela ama o agressor, vive a renovar um crédito de uma transformação de comportamento do companheiro e sonha com uma vida pacífica e harmoniosa, como qualquer casal que se ama, de verdade.


 

Não é preciso muito para perceber que o dramaturgo desafia os espectadores a confrontar temas desconfortáveis, mas, inegavelmente, relevantes, que, muitas vezes, são evitados, nas conversas cotidianas. Na verdade, quase sempre. Se puder ser varrido para debaixo do tapete, isso é bem mais “confortável”.


 

“A sociedade fecha os olhos para determinadas minorias. Estamos mostrando que essas pessoas existem, não são invisíveis, e estão no mesmo barco, sejam trans, hetero, bissexual... Poderia ter me baseado em casais heterossexuais que sofreram abusos dentro de casa, porque o sentimento é universal”, reflete o autor MOISÉS BITTENCOURT, o que já é por merece o agradecimento da comunidade LGBTQIAP+. Além de universal, o tema é mais que atual. Dá a triste impressão de que, de um modo geral, a “humanidade” pede que lhe seja acrescido um prefixo de conotação negativa: “DES-”.


 

Assim se pronuncia JOÃO CÔRTES, em relação a este seu primeiro solo: “Eu acho que é muito importante que a gente sempre coloque questões sociais no palco. Questões delicadas, questões que provoquem, questões que sejam tabus pra sociedade”. (...) Fiz um trabalho de pesquisar minhas emoções e minhas dores. Apesar de não ter vivido um relacionamento abusivo, foi um processo de buscar abusos e sentimentos que eu vivi de qualquer maneira. Abuso é universal.”. Está certo o ator. Essa é uma das funções do TEATRO.


 

O monólogo não apenas denuncia a violência e o preconceito, mas também convida o público a uma jornada de autoconhecimento e empatia. “Teatro é um lugar de transformação”, afirma o diretor FERNANDO GOMES, que tem mais de 35 anos trabalhando com o TEATRO: “Só tem sentido um espetáculo teatral, quando consegue tocar as pessoas, transformar as pessoas de alguma forma”. O autor complementa: “A dramaturgia exerce o serviço de indagar, questionar, mostrar fisicamente que o problema acontece. Teatro não é apenas para entreter...”.


 

“Com quantos paus se faz uma canoa?” Não há uma resposta única para tal pergunta, porque está na dependência de muitos fatores, principalmente sua finalidade e, consequentemente, suas dimensões e o material a ser utilizado. Em TEATRO, a nossa “canoa”, a pergunta também pode ser aplicada. Se, porém, a intenção de quem pretende “construir” essa “embarcação” está definida e for fazer uma denúncia, tocar a sensibilidade do espectador, fazê-lo exercitar sua empatia e, se possível, levá-lo se tornar mais um soldado de um exército que precisa se robustecer, a cada dia, em defesa de indivíduos que precisam de ajuda, é juntar MOISÉS BITTENCOURT, FERNANDO GOMES, JOÃO CÔRTES e mais uma dezena de bons colaboradores, artistas e profissionais do primeiro time, e arregaçar as mangas. E tudo acaba em “INVISÍVEL!”, um espetáculo mais que necessário e oportuno, principalmente no momento atual, num país em que a Justiça é movida, muitas vezes, a cifrões e, por conta disso, não é raro que não cumpra seu verdadeiro papel.


 


O mais sério e delicioso de ser abordado nestes comentários se concentra no trabalho IMPECÁVEL de um jovem ator, com cerca de 10 anos de carreira, mas que já merece ser muito respeitado e aplaudido por quem tem o TEATRO nas veias e entende do riscado, e até por muita gente do ramo “com mais anos de janela do que ele”, por seus vitoriosos projetos, nacionais e internacionais.  Falo de JOÃO CÔRTES, e não vejo outro intérprete para o Eduardo. A única coisa que ele não consegue, sobre aquelas tábuas, é ser “invisível”, com sua interpretação “VISCERAL”.


 

  Sei que, ao utilizar esse adjetivo, estarei provocando “ataques epiléticos” em algumas pessoas que têm aversão ao vocábulo, com o que pouco estou me incomodando. Na língua portuguesa, há sinônimos para quase tudo, entretanto há certos adjetivos que NÃO PODEM SER SUBSTITUÍDOS POR OUTROS “SEMELHANTES”, mesmo que, de tanto uso, venham a se desgastar. O TRABALHO DO JOÃO CÔRTES É VISCERAL MESMO, porque está associado a uma reação emocional bastante intensa, que brota de suas entranhas, de suas vísceras, do mais profundo do interior do seu ser humano, algo que o indivíduo, praticamente, não consegue evitar, já que está encarnado dentro de si e que escapa à razão ou à lógica. E que se danem os que preferiram a “pobreza vocabular” contida em que é profundo, intenso, íntimo, intrínseco, forte, violento, agudo, sólido vivo, figadal...” O ator dá vida aos dilemas e angústias dos personagens, incitando debates e reflexões profundas sobre o comportamento humano e a necessidade urgente de mudança. Se aquilo não é saber mover o espectador, comovê-lo e torná-lo empático, então me ensinem, novamente tudo sobre isso!

 

 

Cada um dos demais profissionais envolvidos no projeto, já considerados os grandes acertos do autor do texto, do diretor e do intérprete, deu o seu melhor, dentro da simplicidade, colaborando, dessa forma, para a “visibilidade” de “INVISÍVEL”. FERNANDO GOMES é responsável por uma cenografia quase inexistente, na forma concreta, mas de um suporte indispensável ao ator. CLARA GOMES não se preocupou com um figurino que “aparecesse”, porém, acertadamente, optou por uma “roupa de ensaio”, o traje do dia a dia do personagem, em cor viva, para chamar a atenção de sua presença “visível” no palco, e acabou por “fazê-lo aparecer muito”. PAULO CESAR MEDEIROS veio abençoar uma produção franciscana, com a riqueza de sua criatividade e sensibilidade, provocando pequenos e interessantíssimos “diálogos” entre o personagem e a luz. O trabalho de corpo de JOÃO CÔRTES, durante 70 minutos, exige muito do ator e é, visivelmente, bem cumprido, fruto de uma importante e excelente proposta de direção de movimento e preparação do ator, desenvolvida por ANA MAGDALENA. E, como se ainda não bastasse, há os dedos de ED CÔRTES, responsável pela música, e de MATHEUS PASTICCHIN, que assina o visagismo. E, por trás de tudo e de todos, mas não menos importante, garantindo que tudo se cumpra na hora certa e da maneira mais correta possível, RICARDO FERNANDES, na direção de produção.


 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Moisés Bittencourt

Direção: Fernando Gomes

 

Elenco: João Côrtes

 

Direção de Movimento e Preparação de Ator: Ana Magdalena

Cenário: Fernando Gomes

Figurino: Clara Gomes

Iluminação: Paulo Cesar Medeiros 

Visagismo: Matheus Pasticchi

Trilha Sonora: Moisés Bittencourt

Músicas: Ed Côrtes

“Design” Gráfico: Rico Vilarouca 

Fotos: Divulgação

Direção de Produção: Ricardo Fernandes




Espero que, no meio do público que, naquela memorável noite, esgotou os lugares do Teatro do 4, tenham estado presentes produtores e empresários que, reconhecidamente, gostaram do espetáculo e se emocionaram com ele, a ponto de concretizar o interesse em bancar uma temporada no Rio de Janeiro. Garanto que seria sucesso absoluto e lamento não ter, eu mesmo, condições financeiras para produzir esse solo por aqui.

Agora, é cruzar os dedos e apelar para os DEUSES DO TEATRO!



 

 

 

FOTOS: DIVULGAÇÃO

 

 

GALERIA PARTICULAR:

Com João Côrtes.


VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

RESISTAMOS SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!