“A EXCEÇÃO
E A REGRA”
ou
(UMA EXCELENTE
PEÇA DIDÁTICA,
POR EXCELÊNCIA.)
ou
(ATÉ QUANDO
A REGRA SERÁ
PERDER?)
(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a
serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA”
e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei
à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”,
nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível (VOU TENTAR.), numa
abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo
normal de espetáculos a serem analisados.)
Os nomes de certas pessoas e
de companhias de TEATRO, quando evocados, nos remetem logo a uma
associação. Quando ouço falar em Dona Bárbara Heliodora, falecida
crítica teatral, no Rio de Janeiro, independentemente das coisas que ela
escrevia, com as quais eu não concordava, na maioria maciça das vezes, não
posso fugir ao caminho que me leva a William Shakespeare, sobre
cuja obra aquela senhora era quem detinha o maior saber, no Brasil. Da mesma forma, a “COMPANHIA ENSAIO ABERTO”,
do Rio de janeiro, me faz, imediatamente, lembrar o nome de um dos maiores
dramaturgos de todos os tempos, o alemão BERTOLT
BRECHT, grande teórico e prático
do chamado TEATRO Épico, isso em função do tipo de espetáculo que a “COMPANHIA”
vem apresentando, desde sua fundação, há 30 anos, incluindo obras do
festejado dramaturgo.
“BRECHT
é um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a
prática da dramaturgia e da encenação, mudou, completamente, a função e o
sentido social do TEATRO, usando-o como arma de consciencialização e
politização.”. Essa é voga
da “ENSAIO ABERTO”. É assim que o “o barco deles navega”.
A “COMPANHIA”, tendo à frente o
ator, dramaturgo e diretor do grupo, LUIZ FERNANDO LOBO, um de seus
fundadores, ao lado de TUCA MORAES, vem, há três décadas, lutando,
bravamente, para resistir a todo tipo de pressão que recebe, sempre com uma
montagem teatral melhor que a outra ou, pelo menos, de igual qualidade, em
relação à anterior, o que a coloca na condição de uma das melhores companhias
de TEATRO do Brasil, conhecida até fora de nossas fronteiras, onde já
fez algumas apresentações. Desde 2010, é responsável pela ocupação
artística "Armazém da Utopia", sediada
no Armazém 6 do Cais do Porto do Rio de Janeiro, aonde
adoro ir e onde assisti, na noite do último dia 1º (maio de 2023), ao
espetáculo “A EXCEÇÃO E A REGRA”, de BRECHT. 45 artistas e
técnicos compõem o atual coletivo da “COMPANHIA ENSAIO ABERTO”.
A “COMPANHIA” surgiu, em 1993, do
desejo de um grupo de atores, os quais pensavam numa forma de fazer um tipo de TEATRO
“para ocupar um vazio no que dizia respeito a um TEATRO assumido em sua
vocação crítica e politizada, um TEATRO que aceitasse ser uma arena de
discussão da realidade, um TEATRO onde o Mundo seria visto como prioridade,
mais importante do que a própria cena. Reencontrar esse caminho significa
resgatar, para o palco, uma função social...”. A “ENSAIO ABERTO”
não faz TEATRO como mera forma de diversão e lazer. Seus trabalhos “sacodem”
o público, questiona-o e faz com que ele pense no que viu representado e, se
possível, sofra uma transformação; abandone a inércia e a comodidade e parta
para alguma atitude que possa tornar melhores o Homem e o planeta em que
vivemos. É utópico? Sim, não posso negar. Mas alguém tem que dar o pontapé
inicial. Também é certo que não é de se esperar que todos os que adentrem o “Armazém
da Utopia” aceitem a proposta que lhes é apresentada e se engajem nessa
luta. Mas alguns o farão. Consciências são despertadas, até em gente “miúda”.
Sobre isso, acho pertinente, e bem ilustrativo, o relato que me fez TUCA
MORAES, ao final da sessão. Disse-me ela que um menino de tenra idade, que
assistiu a uma das sessões de “A EXCEÇÃO E A REGRA”, quando terminou a peça, perguntou à
mãe (Perdão pelo “spoiler”!): “Mas ele não foi preso?!”.
Com mais esta montagem, LUIZ FERNANDO LOBO, “grande
entusiasta ao se tratar de Brecht”, e seu elenco esperam despertar a
curiosidade do público e que os espectadores aprendam algo, reforçando o legado
do dramaturgo alemão. BRECHT buscava referências nas análises de Karl
Marx, sobre o mundo contemporâneo. “O desejo do autor é que o
público estranhe os mínimos detalhes e gestos do cotidiano em uma sociedade (perversamente)
dividida em classes.”. “PEDIMOS,
EXPRESSAMENTE, A VOCÊS, QUE NÃO CONSIDEREM COMO NATURAL AQUILO QUE SEMPRE
ACONTECE.” (BERTOLT BRECHT) (Uma das primeiras frases do texto.)
Eis algumas das características básicas do TEATRO
Épico, presentes em “A EXCEÇÃO E A REGRA”, com relação à técnica
narrativa do espetáculo: a comunicação direta entre ator e público, o que já
começa na recepção ao público, quando elenco e diretor conduzem as pessoas às
suas acomodações, de forma gentil e acolhedora; a presença da música como comentário da ação,
pontuando quase todas as cenas; a ruptura de tempo-espaço entre as cenas;
exposição do urdimento, das coxias e do aparato cenotécnico; o posicionamento
do ator como um crítico das ações da personagem que interpreta e como um agente
da história.
SINOPSE:
O tema, em “A EXCEÇÃO E A REGRA”, é a
divisão de classes reinantes na sociedade capitalista, de como, nela, as
relações de poder se naturalizam e, ao mesmo tempo, se tornam desmedidas.
Um comerciante em busca de petróleo.
Para tal, contrata um guia e um cule (Denominação antiga dos indianos, chineses e outros povos asiáticos, que
emigravam para trabalhar como assalariados.), para
atravessar o deserto.
Como “o negócio é de quem chegar mais rápido”,
o comerciante exerce enorme pressão sobre os dois contratados.
Com medo de que essa cobrança incite uma reação nos
dois, deixando-o em condição de desvantagem, o comerciante demite o guia e
força o cule a seguir em frente.
Acabam se perdendo e ficando sem água.
O cule, então, resolve partilhar a água de seu
cantil com o comerciante, que não pode compreender um gesto daqueles, depois de
tudo o que acontecera.
Apavorado, pensa que o cule vai matá-lo com uma
pedrada e, então, mata-o com um tiro.
O comerciante vai a julgamento e é absolvido.
Os juízes entendem que ele agiu em legítima defesa.
O comerciante não podia acreditar na solidariedade
vinda de um explorado.
O tribunal entende que, “pela regra”,
o cule mataria o comerciante e, portanto, ele não poderia acreditar na “exceção.
Pergunta bem fácil de ser respondida: Dá
para trazer essa situação para os dias atuais? Em outras palavras: Como isso se
dá atualmente? Não é possível fazer uma associação com o fato, por exemplo, de muitas
pessoas, brancas, passarem para a outra calçada, quando veem um negro vindo na
direção oposta a elas? Os que seriam capazes de lhes causar algum mal seriam
a “regra” ou a “exceção”? Todas as pessoas
conseguem entender um gesto de solidariedade e altruísmo, partindo de um
subordinado para um superior, sem desconfiança de que, por trás dele, haja um
interesse, geralmente, escuso? Quantos maus policiais são absolvidos, depois de
terem abatido, a tiros, inocentes, por terem confundido um celular ou uma
ferramenta de trabalho com uma arma de fogo? “Atiraram, e mataram, em
legítima defesa”.
Querendo ou não, qualquer indivíduo com
um mínimo de consciência cidadã assimila todos os “recados” que
estão na boca dos personagens e nas entrelinhas, com um marcante teor crítico e
de acusação. Isso sem falar naqueles que “vestem a carapuça”.
Assistir a uma montagem da “COMPANHIA
ENSAIO ABERTO” é sempre uma experiência única, agradável e enriquecedora,
mesmo que se assista ao espetáculo mais de uma vez, como já me ocorreu. Tudo é
feito com muito esmero e profissionalismo, o que nem sempre encontramos por aí.
LUIZ LOBO é conhecido por seu notável empenho pela perfeição. O que pode
parecer exagero, para alguns, recebe, de minha parte, todos os aplausos, visto
que, almejar o melhor nunca foi, nem será, um defeito. Essa quase obstinação pelo
“perfeito” é passada aos seus pares e, todos, unindo forças, nos
oferecem espetáculos da melhor qualidade.
Todos os elogios que eu fizer sobre os
elementos de criação do espetáculo são redundantes, visto que não consigo
enxergar nenhuma mácula em nenhum deles, mas não posso deixar de fazê-los.
Sou um declarado admirador do trabalho
de J. C. SERRONI, na parte cenográfica. Os cenários que saem da
criatividade de SERRONI, para os espetáculos da “ENSAIO ABERTO”,
estão sempre de acordo com as grandes proporções do espaço físico em que as peças
são encenadas. São cenários de grandes proporções, trazendo, sempre, atrelados
a eles, o movimento, para as transformações de um espaço em outro. Nesta obra,
um grande praticável, “fatiado” em oito partes, permite que elas sejam içadas, total ou parcialmente, pelo próprio elenco, como
se fossem pontes levadiças sobre o fosso de um castelo medieval, o que gera
bastante dinamismo e surpresas. Há, também, uma geringonça a qual permite que um ator seja erguido, num balaço, e que uma atriz faça um voo.
Os muitos figurinos, criados por BETH
FILIPECKI e RENALDO MACHADO, são de “deixar nossos queixos
caídos”, por sua indescritível beleza e preciosidade de detalhes. Para
se ter uma ideia disso, os tecidos foram tingidos com corantes naturais,
trazidos de Marrocos, assim como de lá também vieram vários acessórios que
ajudam a compor as vestes dos personagens. Os sapatos são verdadeiras joias, confeccionados
manualmente, por um dos atores do grupo.
CESAR RAMIRES criou um desenho de
luz que nos encanta, pela variedade de cores, combinação delas e movimentos que
as mudanças de iluminação criam. Do ponto de vista plástico, o resultado é
deslumbrante.
Para intercalar algumas cenas ou
servindo de fundo musical, há uma bela trilha sonora original, composta por FELIPE
RADICETTI, que também se encarrega da correta direção musical do
espetáculo. Poucas dessas canções, ou trechos delas, são interpretadas “a
capella”; na maioria dos números musicais, quem canta é acompanhado(a)
por três músicos: MINGO ARAÚJO (percussão), LUIZA MORAES (piano) e PAMELLA ALMEIDA (lira). MINGO é “o
mago da percussão” e seu trabalho, por vezes, chegou a me fazer desviar
para ele o meu olhar de espectador atento a tudo.
Muito do rendimento físico do elenco se deve ao trabalho de preparação vocal, a cargo de ANA CALVENTE, e preparação corporal, executado por LUIZA MORAES e PAULO MAZZONI.
FICHA TÉCNICA:
Texto Original: Bertolt Brecht
Tradução: André Vallias
Dramaturgia: Luiz Fernando Lobo
Direção: Luiz Fernando Lobo
Elenco: Negociante: Leonardo Hinckel
(+ cantos Negociante) e Gilberto Miranda, Cule: Tuca Moraes, Luiza Moraes
(+ aéreo), Dani Arreguy (+ cantos Cule), Capataz: Bruno Peixoto, Soldados: Felipe
de Góis, Mateus Pitanga (+ clarin), Grégori Eckert e Amanda Tamarozzi, Estalajadeiro: Igor
Federici, Mulher do Estalajadeiro: Pamella Almeida, Juiz: Luiz
Fernando Lobo, Mulher do Cule: Rossana Rússia (+ canto Estação 1), Chefe
2ª Caravana: Felipe de Góis
Coro de Cules e Guias: Amanda
Tamarozzi, Bruno Peixoto, Dani Arreguy, Douglas Amaral, Eduardo Cardoso, Felipe
de Góis, Grégori Eckert, Igor Federici, Luiz Rodrigues, Luiza Moraes, Mariana
Pompeu (+ “stand in” aéreo), Mateus Pitanga, Pamella Almeida, Rossana
Rússia, Tuca Moraes, Antônio Hinckel Lobo (participação especial dentro da
barriga de LUIZA MORAIS)
Cules Músicos: Mingo Araújo (percussão), Luiza Moraes (piano) e Pamella Almeida (lira)
Cenografia: J. C. Serroni
Figurinos: Beth Filipecki e Renaldo Machado
Iluminação: Cesar de Ramires
Direção Musical e Trilha Sonora Original: Felipe
Radicetti
Preparação Vocal: Ana Calvente
Preparação Corporal: Luiza Moraes e Paulo Mazzoni
Programação Visual: Marcos Apóstolo, Marcos Becker
e Tatiana Rodriguez
Fotos: Thiago Gouveia e Nem Queiroz
Produção: Marina Gadelha
Direção de Produção: Tuca Moraes
SERVIÇO:
Temporada: De 14 de abril a 22 de maio (24 sessões
gratuitas).
Local: Armazém da Utopia - https://www.armazemdautopia.com.br/como-chegar/
Dias e Horários: De sexta-feira a terça-feira,
sempre às 20h.
Agendamento de Grupos: (21)98909-2402 – WhatsApp.
Abertura da casa uma hora antes do início do
espetáculo.
Valor dos Ingressos: ENTRADA GRATUITA. Lotes de retirada de ingressos disponíveis a partir de 03/03 Na plataforma
Sympla.
Classificação indicativa: 12 anos.
Gênero: Drama Épico.
Em 2022, o “ARMAZÉM DA UTOPIA”
tornou-se patrimônio imaterial cultural do Estado e do Município do Rio de
Janeiro. A Lei Estadual 9.441/2021 e a Lei Complementar 246/2022
tornaram o “ARMAZÉM DA UTOPIA” um espaço para uso restrito a atividades
culturais e sociais e fortalecem a luta da “COMPANHIA ENSAIO ABERTO”
pela permanência no “ARMAZÉM DA UTOPIA”, motivo de grande orgulho para
os brasileiros.
Por tudo acima exposto, RECOMENDO MUITO ESTE ESPETÁCULO!!!
FOTOS:
THIAGO GOUVEA
e
NEM
QUEIROZ
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário