OCUPAÇÃO
CIA.
OS LIMÍTROFES
IN
EXTREMIS
E
THE
PILLOWMAN
(O
HOMEM TRAVESSEIRO)
(QUANDO
O EXTREMO É O ESPETÁCULO.
E
“EXTREMO” AINDA É POUCO.)
O Teatro é o simpático Poeirinha. O evento é uma ocupação, responsabilidade da CIA.
LIMÍTROFES, que envolve dois espetáculos: “IN EXTREMIS”, às 3ªs e 5ªs
feiras, e “THE PILLOWMAN” (“O HOMEM
TRAVESSEIRO”), de 5ª feira a domingo. O lucro é nosso, apaixonados que somos pelo
bom TEATRO.
IN
EXTREMIS
O
vocábulo latino “extremis” (extremo)
diz respeito àquilo que é muito intenso
ou que atingiu um grau máximo. Precedido da preposição, também latina, “in”, compõe uma locução adverbial, “in extremis”, traduzida como “em caso extremo; nos últimos momentos da
vida”.
Quer
na função adjetiva, quer na adverbial, há, na área semântica, uma estreita
relação com o magnífico espetáculo em cartaz, até o dia 28 de outubro, no Teatro
Poeirinha.
No grau máximo, ao extremo, em se
tratando de positividade, é o ponto em que podemos localizar o espetáculo “IN EXTREMIS”, por todos os seus
componentes.
Daniel Infantini e Flávio Tolezani.
SINOPSE:
Conforme relatou, em um telegrama, a uma amiga,
em 1895, uma semana antes de começar o julgamento que custaria sua reputação,
sua liberdade, sua família e, finalmente, sua vida, OSCAR WILDE consultou-se com uma famosa cartomante, chamada MRS. ROBINSON.
Ela leu sua mão e disse que o julgamento seria
um sucesso.
Esse pode ter sido o primeiro passo para a ruína
de um dos maiores escritores e frasistas de todos os tempos.
Nesse caso, a peça se baseia
num fato real, traduzido, ficcionalmente, em palavras, pela imaginação criativa
de um dramaturgo, NEIL BARTLETT.
Na verdade, o
charlatanismo da vidente pôde ser constatado com a condenação do escritor a
dois anos de prisão, em 1895, em função de um processo, movido pelo Marquês de Queensberry, com cujo filho,
Lord Alfred, a quem WILDE, casado e com dois filhos, carinhosamente,
chamava de Bosie, o escritor
mantivera um romance, o que, na época (?) era considerado pecaminoso e
criminoso.
Apenas
a título de informação, após aquele triste episódio em sua vida, o da prisão, OSCAR WILDE viu sua fama
desmoronar: seus livros foram recolhidos e suas comédias, retiradas de cartaz. Continuou escrevendo na cela (“A Balada do Cárcere de Reading” e “De
Profundis”). Depois de libertado, em
1897, foi morar em Paris, assinando suas obras com o pseudônimo de “Sebastian Melmoth”, passando o resto
de sua vida em hotéis baratos e afogado na bebida.
Tudo
o que diz respeito a OSCAR WILDE me
atrai, pela genialidade do escritor, seu estilo personalístico; por sua
biografia, tão conturbada; por sua vida, extremamente doída. Tão logo tomei conhecimento do espetáculo “IN EXTREMIS”, fiquei contando as horas
para ter a oportunidade de assistir a ele, pois achei muito criativa a ideia de
alguém ter pensado em “desvendar” o mistério daquela consulta, do que teria sido dito, ou não,
naquela noite, entre um homem atormentado e uma inescrupulosa “alimentadora de
sonhos”. Eu também, se vivesse naquela
época, gostaria de me tornar invisível, para registrar, “in loco”, aquele
encontro. Mas, diante de tal
impossibilidade, só podemos agradecer, ao autor do texto, a oportunidade de nos
oferecer um “buraco de fechadura”, para que possamos assumir o pedaço quase “voyeur”
que há em cada um dos seres humanos.
“Nunca
saberemos o que, de fato, aconteceu naquela noite. Mas a história é muito boa, para ser ignorada”,
comenta BRUNO GUIDA, o diretor do espetáculo.
Inspirado nessa
história, o premiado autor NEIL BARTLETT escreveu a peça, com
trechos transcritos da obra do grande escritor OSCAR WILDE, aliados à sua escrita assertiva e ágil.
O diretor acredita que o encontro entre a cartomante e o escritor
pode nos dar uma pista que ajude a explicar a queda de WILDE. Diz BRUNO: “Essas questões
servem de base não só para investigar o caráter e a obra de Wilde como também
para refletir sobre a questão das relações que temos com os oráculos modernos,
que na minha visão vão desde o horóscopo à psicanálise.”
Mrs. Robinson (Daniel Infantini) e Oscar Wilde (Flávio
Tolezani).
Na
verdade, a história desse inusitado encontro serve apenas como pretexto para
que se discuta a questão da influência que umas pessoas exercem sobre outras,
quando se arvoram a “adivinhar” o que o futuro reserva a cada um de nós; a relação
de poder entre o “saber” x o “desconhecido”; a situação de fragilidade do ser
humano, sob um estado de tensão; a falta de escrúpulo do ser humano, quando
explora a boa fé alheia; a exploração do homem sobre o homem... Enfim, o que não falta é ingrediente a ser
adicionado a este caldeirão de bruxa.
“IN EXTREMIS” teve sua estreia mundial no National Theatre, o teatro mais
importante da Inglaterra, no ano de 2000.
Do texto à encenação,
tudo se reveste de um clima de mistério e adivinhação, quer
pelas palavras do dramaturgo, quer pelos trechos da lavra do próprio WILDE, além do cenário, da iluminação,
dos figurinos e do visagismo.
Como a sabedoria popular apregoa que, “em time que está
ganhando, não se mexe”, o diretor do
espetáculo repetiu o formato utilizado, anteriormente, com muito sucesso,
em outra montagem da CIA., “THE PILLOW MAN (“O HOMEM TRAVESSEIRO”), que
também será contemplada nestes comentários.
Trata-se da continuidade a uma pesquisa sobre a linguagem de bufão, que eu adoro.
O bufão, em geral, apresenta alguma
deformidade física (aleijados, corcundas), um ser não condizente com os padrões, estéticos e morais,
estabelecidos pela sociedade. Ri de sua
desgraça e critica o próprio grupo social a que pertence. É um tipo grotesco. Denuncia, utilizando seu humor ácido e sua
língua afiada, a falsa moral, a hipocrisia. Zomba das pessoas ditas “normais”, mas que têm
deformações sociais. Tem sempre um sorriso sarcástico para os que o desprezam. Um grande, se não o maior, típico exemplo
de bufão é o bobo da corte, o único,
de todo o reino, que tem a coragem e a ousadia de direcionar o dedo na cara do
rei e apontar-lhe os defeitos. Se qualquer
outro tentasse fazê-lo, certamente, se arrependeria, uma vez que seu destino
seria a forca, um paredão de fuzilamento, a guilhotina, a fogueira, ou, no
mínimo, uma sessão de espancamento,
pedradas ou qualquer outro tipo de punição física. A deformidade do bufão, propositalmente, existe para incomodar, para desestabilizar
o outro. Seus desejos primeiros
são debochar e denunciar. Através de uma
linguagem cômica, reveste-se de graça, que fere e pode deixar marcas.
O
espetáculo foi construído com muito apuro e dedicação, atentos, todos os
envolvidos no projeto, aos mínimos detalhes, que pudessem contribuir para uma
montagem impecável, em todos os sentidos, a ponto de os atores terem
participado de uma oficina, com o hipnólogo Fábio Puentes, para
entender o caminho contemporâneo da ciência da hipnose.
O trabalho é mesmo de um
grupo, que busca uma atmosfera mística, capaz de levar a plateia para o jogo de
adivinhação e mistério, que constrói a encenação de uma consulta esotérica.
Lendo o destino na palma da mão.
Ao adentrar o auditório
do teatro, o qual, obrigatoriamente, deve ser de pequenas dimensões, para
facilitar a aproximação e a cumplicidade entre atores/plateia, além de criar um
clima de mistério, tudo muito pouco revelado, o espectador se sente parte do
espetáculo, pois já encontra os dois atores em cena, imóveis, duas figuras meio
indefinidas, sob pouca luz, apenas a luz fraca de uns poucos refletores e a
chama de duas velas. A temperatura fria,
em função do ar-condicionado, a fumaça, um cheiro de incenso e uma música
(ruídos estranhos) provocadora atingem e aguçam quatro dos cinco sentidos. Apenas o paladar não é testado e provocado.
Para aumentar aquela
atmosfera sombria, após a acomodação das pessoas em seus lugares, ouve-se uma
gravação em que alguém, com uma voz grave e cavernosa, diz trechos da ficha
técnica e termina a fala, quebrando o peso do momento e já preparando o público
para o tom o espetáculo, fazendo alusão a possíveis punições, caso alguém
“ouse” fotografar ou gravar o espetáculo.
Não há como encontrar
algo que desqualifique o espetáculo. Ele
é capaz de prender a atenção do espectador, desde que este entra no teatro até
o final dos aplausos, sempre intensos e verdadeiros.
O texto da peça é uma preciosidade.
Embora eu não o conheça em inglês, língua em que foi escrito, tenho a
certeza de que a tradução, de BRUNO
GUIDA, está à altura do original, explorando bastante os elementos ligados
ao grotesco, ao misticismo e ao humor negro, com instigantes momentos de
dilaceração de feridas.
Sendo o idealizador do projeto, o tradutor do texto e o ator que, eventualmente, interpreta o
papel de OSCAR WILDE, Bruno Guida, ao dirigir o espetáculo,
tinha a plena certeza de onde gostaria de atingir. Já deve ter partido para o trabalho de
direção com o espetáculo na cabeça. É a
impressão que nos passa. Deve ter ficado
muito à vontade para desenvolver seu trabalho.
Contando com dois magníficos atores, também engajados, de cabeça, no
projeto, faz uma direção brilhante, pondo em prática sua formação profissional:
é membro do Lincon Center Directors Lab,
formado pelo Teatro Escola Célia Helena
e pela École Philippe Gaulier, em Paris, tendo, também, estudado na Escola Russa de Arte Teatral de Moscou
(GITIS) e na Central Saint Martin,
em Londres.
Quanto ao
elenco, vou
ousar uma comparação do trabalho dos dois atores, em cena, com o que fizeram Débora Falabella e Yara de Novaes, em “Contrações”. Eram duas atrizes, vivendo personagens
distintas, porém que pareciam xifópagas, indissociáveis, uma completando a
outra, atriz e personagem. A prova disso
é que ambas dividiram, no ano passado, o Prêmio de Melhor Atriz, no 9º Prêmio APTR de Teatro. É assim que vejo DANIEL INFANTINI, a MRS. ROBINSON e FLÁVIO TOLEZANI, como OSCAR WILDE, papel
que pode ser feito, também, por BRUNO GUIDA, como “stand in”, o que não tive
a oportunidade de ver. Não há como não
enxergar a unicidade nos dois atores e personagens, como um é a metade do outro, e vice-versa. Impossível destacar o trabalho de um em
detrimento ao do outro, ambos numa sintonia poucas vezes vista num palco.
DANEL INFANTINI e
FLÁVIO TOLEZANI são dois atores que sempre serão
convocados para a “seleção
brasileira de atores”, com posições de “titulares”
garantidas, nunca ocupando o “banco”.
DANIEL, ator
premiado, faz uma composição de personagem daquelas que ficarão marcadas, para
sempre, na recordação do amante do bom TEATRO, como eu. Sua MRS. ROBINSON, a
despeito de seu caráter duvidoso, consegue angariar a simpatia da plateia, em
pouco tempo (anti-heroína?), e assim permanecer, aos olhos do púbico, durante
os 60 minutos de duração da peça, os quais “voam”, deixando, na plateia o
gostinho de “quero mais”. A personagem fala
compulsivamente, de forma exagerada, expansiva, superlativa, fazendo-se passar
por alguém que não é, com o único interesse no pagamento pela consulta. Sua afetação, na pronúncia do inglês, arranca
gargalhadas do público, principalmente quando se refere às várias “amigas” e/ou
“clientes”, sejam as de nomes desconhecidos, sejam Lady Gaga e Lady Brokeback Mountain. Acho que Lady Di não se consultava com
ela. Se o fizesse, talvez tivesse sido
poupada do infortúnio de que foi vítima (?).
Ou não...
MRS. ROBINSON não
esconde, do público, ao qual se dirige, em tom narrativo, que é uma charlatã,
como todas as demais cartomantes, e que aquele era o seu “negócio”. Tão falso, quanto uma cédula de três reais,
era o seu sotaque espanhol, utilizado quando falava com o “cliente”, nunca
quando se dirigia à plateia. Um toque de
modernidade, ligado ao ato de enganar e explorar os incautos, os crentes, está
presente, debochadamente, quando ela oferece o seu livro, sobre quiromancia,
valendo-se de um “marketing” barato, nada criativo, amador, ridículo.
Há detalhes, na atuação da personagem, que podem parecer
pequenos e sem maior significância, mas que são de total importância para a as
cenas, como as trocas de óculos, sempre modelos esdrúxulos, ao iniciar a
leitura de cada uma das cinco linhas da palma da mão de WILDE; o gestual largo,
exagerado, principalmente quando lê a mão do “consulente”; o deslocamento pelo
espaço cênico, empreendendo um andar bem feminino e afetado, aproximando-se do
auditório, algumas vezes, como que nos convidando a invadir aquela
“privacidade”, fazendo-nos seus reais cúmplices. Na verdade, ela nos chama de “bisbilhoteiros”. Qualquer adjetivo “extremo”, para
qualificar o trabalho de DANIEL seria
insuficiente.
Daniel
Infantini.
No mesmo nível de interpretação, está FLÁVIO TOLEZANI, outro
magnífico ator, com vasta experiência no TEATRO, no cinema e na TV. No início da peça, o personagem demora a
falar e, quando o faz, revela-se comedido, em função de um grande medo, da
incerteza, quanto ao seu futuro, nos momentos que antecedem o seu julgamento. Mostra-se fragilizado, pelas injustiças de
que se sente vítima. Seu desespero e sua
astúcia o levam a uma postura enigmática, pois, apesar das recomendações,
quanto aos “serviços” de MRS.
ROBINSON, não tinha certeza de que pudesse confiar piamente
nela. Seu olhar é bastante
nebuloso. Mais para o final da peça, vez
por outra, o personagem tem uns arroubos, que o fazem se soltar mais, falar
mais alto, ser mais contundente, principalmente quando diz o texto de um forte
manifesto, que envolve liberdade, justiça, hipocrisia e outros temas, texto original
de WILDE. Uma espécie de loa/ode ao seu amor, Alfred, quase ao final do
espetáculo, é um de seus momentos altos na peça
O personagem tem consciência de seu valor e importância,
como artista, mas sabia que nada poderia ser considerado a seu favor, na
condição de acusado por um “crime” tão vil, aos olhos da hipócrita sociedade em
que vivia. Isso faz com que transite por
momentos em que demonstra autoconfiança e fragilidade acerbada, num contraponto
que permite ao ator mostrar todo o seu potencial e talento interpretativo.
Duas marcantes características de OSCAR WILDE estão
presentes em cena: a de fumante inveterado, o que – infelizmente – obriga o
ator a acender e fumar vários cigarros, e a de vaidoso, com sua aparência. Algumas vezes, ajeita o figurino, aplica um
“spray” (laquê?) nos cabelos, além de retocar a maquiagem.
Intencionalmente, sendo repetitivo, digo que qualquer
adjetivo “extremo”, para
qualificar o trabalho de FLÁVIO seria
insuficiente.
Flávio
Tolezani.
TOLEZANI, ao
assinar o cenário, economiza
em elementos de cena e esbanja em requinte de detalhes e bom gosto, tudo, na
medida justa, para construir a atmosfera em que se dá a insólita
entrevista. São apenas uma poltrona, de
forração em florais, uma requintada cadeira de balanço, duas mesinhas laterais,
altas, sobre as quais estão vários pequenos objetos, como dois castiçais acesos.
Os figurinos, criados por DANIEL
INFANTINI, são exuberantes, propositalmente exagerado, ricos em detalhes. Os trajes, tanto o da cartomante como o do
escritor, são dourados, abundantes em bordados e aplicações em alto-relevo,
revelando pouco da pele, expondo quase nada do corpo dos atores.
É impossível dissociar o figurino de todos os outros
elementos que entram no visagismo, no visual dos dois
personagens, também de responsabilidade de DANIEL. A maquiagem, como aparece na ficha
técnica, pesada, exagerada, aplicada nos rostos e em outras partes do corpo dos
atores (mãos, pés, cabeças, dentes) confere-lhes detalhes “bufanescos” de muita
expressividade (unhas exageradas e mal cuidadas, dentes danificados, veias à
mostra, manchas e marcas expressivas na pele).
(“A maquiagem diz-nos mais que o rosto”. Ou “As
pessoas se revelam, através de seus disfarces”. - Oscar Wilde)
No figurino de MRS. ROBINSON,
destacam-se o excesso – exagero mesmo - de acessórios, principalmente pulseiras e
anéis, e um salto de sapato extremamente alto, que ajuda o ator a explorar o
“charme” da personagem, em seus deslocamentos pelo espaço cênico. Não sei que recursos foram empregados, na confecção
do vestido, ou outros, para que o corpo do ator assumisse uma forma feminina,
escultural, pode-se dizer.
Impressionante esse visual, que transforma, fisicamente, um homem em
mulher!
Homem ou mulher?
A
exuberância do figurino de WILDE tem o seu ápice na hiperbólica,
exabundante, descomedida plataforma de seus sapatos (Carmen Miranda se sentiria
humilhada.), o que confere ao ator FLÁVIO TOLEZANI, que já
extrapola os padrões de altura dos homens, uma estatura descomunal e um porte
de altivez e superioridade, compatíveis com a personalidade de OSCAR WILDE.
Quanto à iluminação, de ALINE SANTINI, não há
como negar ser digna de uma premiação.
Não consigo visualizar o espetáculo sem o concurso daquela luz privilegiada, intimista,
variando nas cenas certas e contribuindo para a construção de uma atmosfera de
mistério, que exige o espetáculo, reforçada por aquela fumaça, em geral,
irritante e sem nenhum propósito, em muitos espetáculos, porém totalmente
necessária aqui. Aliás, a fumaça e o
cheiro de incenso são fundamentais na composição do ambiente.
Não poderia deixar de fazer alusão aos excelentes adereços, de MARCELA DONATO.
A música original, de DANIEL
MAIA, também é responsável por bons momentos da peça.
Como admirador de OSCAR
WILDE, concluo esta despretensiosa análise de um dos melhores espetáculos a
que assisti, até o presente momento, em 2015, com algumas de suas frases que,
se não estão presentes, fisicamente, no texto da peça, podem ser relacionadas
ao que nele é tratado:
- O caminho dos paradoxos é o caminho da verdade.
- A Moral não me ajuda. Sou antagônico nato. Sou uma daquelas pessoas que são feitas para exceções, não para regras. (“De Profundis”, escrito durante sua prisão.)
- A sociedade, tal como a constituímos, não terá mais lugar para mim.
- Que sorte têm os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis para os quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.
- A finalidade do mentiroso é simplesmente fascinar, deliciar, proporcionar regozijo. Ele é o fundamento da sociedade civilizada.
- Meus gostos são simples: prefiro o melhor de tudo.
- Chamamos de “Ética” o conjunto de coisas que as pessoas fazem, quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de “Caráter”.
Visão do
cenário e da iluminação.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Neil Bartlett
Tradução: Bruno Guida
Direção: Bruno Guida
Elenco: Daniel Infantini e Flavio Tolezani (“Stand in”: Bruno Guida)
Assistência
de direção: Mateus Monteiro
Treinamento
em Hipnose: Fábio Puentes
Música
Original: Daniel Maia
Iluminação: Aline Santini
Cenário: Flavio Tolezani
Figurinos: Daniel Infantini
Adereços: Marcela Donato.
Maquiagem: Daniel Infantini
Fotografia: Hemerson Celtic
Design
Gráfico: Anna Turra.
Lei: Sonia Odila.
Produção
Executiva: Vanessa Campanari.
Produção (Rio de Janeiro):
Lis Maia
Administração: Vanessa Campanari.
Direção
de Produção: Pitaco
Produções.
Idealização: Bruno Guida.
Realização: Pitaco Produções.
Assessoria de Imprensa:
Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
SERVIÇO:
Local: Teatro Poeirinha
Endereço: Rua São João
Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Telefone da Bilheteria: 2537-8053
Temporada: Até 28 de
outubro
Dias e Horários: Às 3ªs
e 4ªs feiras, às 21h
Valor do Ingresso: R$40,00
(inteira); R$20,00 (meia-entrada)
Censura: 14
anos
Duração: 60
minutos
Gênero:
Comédia Dramática
Assisti ao espetáculo duas vezes e, se tempo e
oportunidade tivesse, veria outras mais.
(FOTOS: HEMERSON
CELTIC)
THE
PILLOWMAN
(O
HOMEM TRAVESSEIRO)
Antes
de qualquer coisa a ser dita sobre este espetáculo, faz-se necessário
esclarecer que esta montagem não tem nada a ver com a assinada por Bruce Gomlevski, que durava mais de
três horas, em 2012, com o próprio Bruce,
no elenco, além de Tonico Pereira, Ricardo Blat, Miguel Thiré, Ricardo
Ventura, Glauce Guima, Gabriel Abreu e Júlia Limp, espetáculo que estreou no Teatro Laura Alvim, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, devido ao
grande sucesso, cumpriu pautas em outros teatros cariocas, em mais temporadas
vitoriosas. Naquela versão, estavam em
cena personagens que não são materializados na atual, que conta apenas com
cinco atores, todos homens.
Ambas
as montagens só têm duas coisas em comum: a história e a excelente qualidade,
ainda que sejam duas leituras completamente diferentes do mesmo texto, esta com
excelente tradução (e adaptação) de BRUNO GUIDA e direção, a quatro mãos, deste e de DAGOBERTO FELIZ. O elenco é
formado por BRUNO AUTRAN, BRUNO GUIDA, DANIEL INFANTINI, FLÁVIO
TOLEZANI e WANDRÉ GOUVEIA.
O
espetáculo chegou ao Rio, após sucessivas temporadas de sucesso em São Paulo,
desde quando estreou, em 2012, tendo sido visto por milhares de pessoas, lá e
em outras cidades, e poderá ser conferido no Teatro Poeirinha, até o dia 1º de novembro.
Não precisa de
legenda.
O irretocável texto
surgiu em 2003, pelas mãos do escritor inglês, nascido em Londres, mas filho de
irlandeses, MARTIN MCDONAGH, e já
foi montado em mais de 40 países, tendo recebido vários prêmios, como o Lawrence Olivier, de melhor peça (2004); o New York Critic’s Circle, por melhor texto estrangeiro; também ganhou
dois prêmios Tony (produção e Melhor Espetáculo de 2005).
Extraído do “release”,
enviado pela assessoria de imprensa (Leia-se, a competente Lu Nabuco.): “Quanto tempo
pode um contador de histórias originais sobreviver, antes das forças de
controle e de poder acabarem com ele? Pode
um artista ser culpado pelos sentimentos que o seu trabalho provoca? E se alguém agir, segundo esses sentimentos,
quem é responsável afinal? Até que ponto,
as experiências primárias da nossa vida influenciam o processo criativo? As respostas, sempre inquietantes, ficam em
aberto. O exercício de encontrar as
respostas para tais questionamentos é reservado ao público.” Isso talvez seja o que mais me atrai neste
texto.
Continua: “Para esta montagem, os diretores, BRUNO GUIDA e DAGOBERTO FELIZ, juntaram atores que já se conheciam
profissionalmente, mas que nunca haviam trabalhado nesta formação. Assim, nasceu a CIA. LIMÍTROFES. Os atores e
equipe começaram a estudar a linguagem do bufão
(já comentada na crítica acima), para que pudessem entender melhor o texto
e os personagens. ‘Nos encantamos tanto pela estética grotesca, que a
adotamos como base do espetáculo’, explica BRUNO GUIDA.
Idem.
Na peça, os atores da CIA. LIMÍTROFES, além de atuar, exercem outras funções. BRUNO
GUIDA dirige, produz e atua. DANIEL INFANTINI atua e
assina o figurino. FLÁVIO
TOLEZANI atua e produz.
SINOPSE:
Um escritor, KATURIAN (FLÁVIO TOLEZANI), vive num
país fictício e simbólico da Europa Central (a precisa localização geográfica
fica por conta da imaginação criativa de cada espectador), onde impera um
regime ditatorial e, consequentemente, duro e totalitário.
Ele é preso e, severamente,
interrogado, pelos bizarros detetives TUPOLSKI
(DANIEL INFANTINI) e ARIEL (BRUNO
GUIDA), acerca do conteúdo grotesco, intrigante e avassalador dos seus contos,
associados a uma série de assassinatos infantis, completamente esdrúxulos, análogos
aos ficcionais, saídos de sua mente criativa, que estão acontecendo na sua
cidade, e cujas vítimas são crianças.
No decorrer do
interrogatório, ele descobre que seu irmão, MICHEL (BRUNO AUTRAN), um deficiente mental, vem sendo interrogado
pelo mesmo motivo. O interrogatório dos
dois contempla momentos de tortura física e psicológica, mais esta que aquela. Constata, também, que MICHEL, além de ser o verdadeiro autor dos bárbaros infanticídios,
também o incriminara.
Percebe, então, que, em
função disso, está prestes a receber a pena capital, será executado. Isso o faz lutar, com todas as suas forças,
para salvar suas histórias da destruição, da insana perseguição de seus
algozes, preservando, dessa maneira, o que julga ser o bem mais precioso de sua
vida, ou seja, sua obra literária.
São irmãos.
Como
sempre, há, por trás de uma boa história, uma intenção do seu autor, um desejo
a ser passado, explícita ou implicitamente, aos receptores da mensagem. Nesta, que prima pela atemporalidade, tudo
gira em torno de uma discussão sobre o papel do escritor na sociedade, o seu
poder de interferir na vida das pessoas, influenciando-as, ainda que de forma
não intencional, levando-as a assumir atitudes nem sempre aceitas pelo meio
sociocultural que elas próprias criaram e no qual vivem, bem como direcionar o
dedo para uma ferida que aterroriza o ser humano, que é viver sob um regime de
exceção, em que tudo é passível de interpretações errôneas, deturpadas, gerando
um caos muito perigoso. Nesse tipo de
regime, um fantasma povoa e ameaça o dia a dia dos escritores, dos artistas, em
geral, chamado “censura”, já que as manifestações artísticas alargam a visão
das pessoas, fazendo-as pensar e refletir, num pleno exercício de consciência e
livre pensamento. A reboque, vêm
aspectos ligados ao abuso de poder, que humilha e deplora o ser humano; à
intolerância, fruto, na maioria das vezes, da ignorância; aos limites entre
ficção e realidade, que, por vezes, se entrelaçam; ao ilimitado poder
transformador da arte, capaz de fazer evoluir o potencial interior dos seres
humanos; à crueldade nas relações familiares, entre pais e filhos, e
interpessoais, de uma maneira geral; e outros afins.
Sombra e mistério: medo.
“THE
PILLOWMAN” (“O HOMEM TRAVESSEIRO”) é
um conto teatral, que, com bastante agilidade e suspense, analisa a natureza e
o propósito da arte de contar uma história. É uma comédia de humor negro, vestida de drama,
ou um drama, vestido de comédia de humor negro. Na medida em que a peça evolui, o belo e o
horror se alternam, surpreendendo o espectador, que também é pego por momentos
de extrema ternura. O texto é cheio de
reviravoltas. O inesperado está presente
a cada virada de página deste texto, trazendo, ao espectador, surpresas
sucessivas. Ele explora a capacidade de
tornar acontecimentos violentíssimos e intoleráveis em atos quase compreendidos
e aceitos por nós. Trata-se de um texto
psicologicamente complexo, capaz de prende a atenção do espectador do começo ao
fim. Embora a duração do espetáculo seja
de 140 minutos, com um breve intervalo, o tempo psicológico, em muito se
distancia do cronológico. Na verdade,
nem sentimos o tempo passar, tão fixados ficamos na ação e no texto dos
personagens.
Parece pintura.
Nesta versão, a estética do bufão é o toque especial da montagem, porque agrega comicidade ao
drama, o que a torna totalmente oposta à anteriormente referida, a qual se propunha
a dizer a mesma coisa, porém da forma mais bem, classicamente, dramática, com
um peso bem grande nas costas do espectador.
Ao
transpor a porta que dá acesso ao auditório do simpático Teatro Poeirinha, o público já começa a penetrar numa atmosfera
soturna, quase lúgubre, com alguns atores já em cena, envoltos numa neblina
indispensável à composição do cenário, o qual, por si só, já é bastante
amedrontador, um misto de delegacia e sala de torturas, com arquivos, mesas,
cadeiras, tudo em tom cinza, sendo que a mesa, de ferro, em dois “andares”
(tampos), lembra uma maca ou a mesa de autópsias, num necrotério, com um ator
deitado na parte de baixo, como se morto, mas dormindo, estivesse,
curiosamente, grudado a um travesseiro infantil. Um outro está sentado, à cabeceira, meio estático,
com um estranho pano a lhe cobrir o rosto, enquanto um terceiro está sentado na
própria mesa, próximo à cabeceira oposta, fazendo desenhos em folhas
esparsas. Até então, os dois detetives
ainda não apareceram. Repentinamente,
surgem em cena, de forma assustadora, para o personagem KATURIAN e para todas as pessoas da plateia, falando alto e rápido,
aos gritos. ULISSES COHN assina o ótimo cenário.
Aspecto do cenário.
Para
a composição (visagismo) bizarra dos
personagens, contribuiu DANIEL INFANTINI,
com seus figurinos e caracterização (maquiagem), incluindo
corcundas postiças e perucas pouco convencionais. A aparência dos personagens pertence ao
universo da sujeira, dos maus tratos, do desleixo, da grosseria, do nojo, quase
do escatológico, se não for exagerar muito.
Acrescentem-se a tudo isso os interessantes adereços, confeccionados por MARCELA
DONATO.
ALINE SANTINI assina uma competente iluminação, que valoriza,
esteticamente, o espetáculo e que não poderia ter sido outra.
Aspecto da iluminação.
As
pequenas dimensões do teatro, a proximidade entre público e atores e todo a
atmosfera criada para a encenação podem provocar, em certas pessoas, um certo
desconforto, próximo a uma sensação claustrofóbica, fundamental, até certo
ponto, para um mergulho nas profundezas daquelas almas. Um dado muito interessante, e que não poderia
ser omitido, é o fato de, em determinados momentos, o público se sentir
participante da trama, principalmente quando a dupla de detetives, apesar de
estarem fora de cena, falam, e alto, no fundo da plateia, sem que sejam vistos. Até que ponto eles estão entre nós e poderíamos
ser confundidos com eles?
Caos!!!
E
sobre o elenco? É muito difícil encontrar palavras que possam
codificar o sentimento que fica, em nossos corações, sobre a atuação do
quinteto de atores. Nada do que se
disser sobre eles será suficiente para registrar o quanto de grandioso existe
neste espetáculo por conta, principalmente, além de tudo o que dele já foi
dito, do trabalho de atores que honram a sua classe e nos dão a certeza de que
não devemos nada aos grandes talentos mundiais, no campo da interpretação. Ufanismos à parte, todos os elogios do mundo
devem ser dirigidos a BRUNO AUTRAN
(MICHEL), BRUNO GUIDA (DETETIVE ARIEL),
DANIEL INFANTINI (DETETIVE TUPOLSKI) e FLÁVIO TOLEZANI (KATURIAN),
principalmente, por serem os personagens que mais atuam, na trama. Ao ator WANDRÉ
GOUVEIA, cabe uma participação menos notada, porém de importância, na
encenação, função muito bem cumprida por ele.
Suas aparições ficam meio à margem do centro da cena, entretanto, perifericamente,
nota-se o quanto sua participação é fundamental na peça.
Acusado.
Acusador.
Desnecessário
seria continuar falando sobre o quanto este espetáculo mexe com o espectador,
principalmente aquele que, como eu, despudoradamente, abre seu coração à arte
maior, que é o TEATRO. Não perca nem mais um minuto e vá, logo, assistir a uma
das melhores produções teatrais, no Rio de Janeiro, até este momento, que, em
pouco, precede o final do ano.
Mais caos!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto: Martin McDonagh
Tradução: Bruno Guida
Direção: Bruno Guida e Dagoberto Feliz
Elenco (por ordem alfabética): Bruno Autran, Bruno Guida, Daniel
Infantini, Flávio Tolezani e Wandré Gouveia
Figurinista: Daniel Infantini
Confecção de Figurinos: Glória Coelho
Cenário: Ulisses Cohn
Iluminação: Aline Santini
Fotografia: João Caldas
Oficina de Contação de Histórias: Luciana Viacava
Oficina de Bufão: Bete Dorgam
Designer Gráfico: Fernando Bergamini
Assistente de Produção: Juliana Mucciolo
Produtores Associados: Bruno Guida e Edinho Rodrigues
Direção de Produção: Brancalyone Produções Artísticas (Edinho Rodrigues)
Produção Rio de Janeiro: Lis Maia
Realização: Pitaco Produções e Brancalyone Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
SERVIÇO:
Local: Teatro Poeirinha
Endereço: Rua São João
Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Telefone da Bilheteria: 2537-8053
Temporada: Até 1º de
novembro
Dias e Horários: De 5ª
feira e sábado, às 21h: aos domingos, às 19h.
Valor do Ingresso: R$40,00
(5ª e 6ª feira); R$50,00 (sábados e domingos) - direito a meia-entrada (50%)
Censura: 14
anos
Duração: 140
minutos
Gênero:
Comédia Dramática
Elenco (da esquerda
para a direita): Wandré Gouveia, Flávio Tolezani, Bruno Autran, Bruno Guida e
Daniel Infantini.
(FOTOS: JOÃO CALDAS)
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