NORDESTINOS
(UM
EMOCIONANTE,
E
JUSTÍSSIMO,
AUTOTRIBUTO.)
Segundo
o último censo, os brasileiros somos cerca de 205 milhões, sendo que,
aproximadamente, 54 milhões são
nordestinos. Eles constituem, portanto, mais de um quarto da população
brasileira.
São tantos “severinos”,
de todas as idades e de ambos os sexos, incógnitos, a grande maioria, ordeiros
e trabalhadores, que ajudam, e muito, a construir uma nação...
Sofrem,
na pele, toda sorte de discriminação. São violentados, nos seus direitos de
cidadãos, e explorados, em grande parte. São, injustamente, adjetivados de
forma pejorativa, ainda que detentores de um potencial cultural invejável e
reconhecido no exterior.
E quando um
nordestino da melhor estirpe, um vencedor e talentoso artista, um grande
empreendedor, como ALEXANDRE LINO,
resolve fazer um espetáculo de TEATRO,
centrado nos seus pares? O resultado é de excelente qualidade e pode ser
conferido, de 5ª feira a sábado, às
19h30min, no Teatro SESI, no Rio de Janeiro.
Rose Germano, Alexandre Lino, Erlene Melo e Paulo Roque.
SINOPSE:
Quatro atores, quatro
diferentes histórias, que se ligam, pela origem geográfica e afetiva em comum -
o Nordeste brasileiro -, a partir de
depoimentos reais, que são a matéria-prima, o manancial de onde emergem vários
personagens e suas trajetórias de migrantes de suas terras para as “cidades dos
sonhos”.
As semelhanças desses
quatro personagens começam por seus nomes de batismos, originais e, muitas
vezes, constrangedores. ALEXANDRE LINO,
por exemplo, é JOSIVÂNIO PIRES. ERLENE também, convenhamos, não é um
nome comum. O “ROSE”, na verdade, é
uma redução de ROSEMARY. “Salvou-se”,
cem por cento, PAULO ROQUE.
Outro ponto em comum, entre os quatro, passa
pelo sonho da migração para a região sudeste e culmina com a dor e a delícia de
se afirmar, como identidade, num país de tantos e tão belos matizes
antropológicos e culturais.
Costurando as quatro
histórias está o próprio TEATRO,
literalmente um palco, onde desfilam o sonho de superação das dificuldades e a
busca por poesia.
Atores e bonecos: um casamento perfeito.
A peça é uma deliciosa comédia, cujo texto é inspirado
em cartas de pessoas simples, que vivem no Rio de Janeiro
e São Paulo . Portanto,
retrata histórias reais, de gente humilde, em busca da realização de seus
sonhos.
Trata-se de um projeto transmídia, que engloba um espetáculo
teatral inédito, um livro e um documentário, homenageando o povo
nordestino que migrou para o sudeste.
O elenco é composto, exclusivamente,
por atores nordestinos, que vivem e trabalham no Rio: os pernambucanos ALEXANDRE LINO e ERLENE MELO, o cearense PAULO
ROQUE e a paraibana ROSE GERMANO,
os quais, utilizando um humor típico, compartilham várias histórias, com um
dinamismo particular de quem conta “causos”, num jogo teatral em que os papéis
se misturam. A direção é do, também,
pernambucano TUCA ANDRADA, que
aceitou, de pronto, o convite para dirigir o espetáculo, por total
identificação com as histórias a serem contadas, muito próximas à sua própria. São histórias de vitória, de luta.
Segundo TUCA, “Uma história de contribuição
cultural, que enriquece, mais ainda, a formação de um povo. A dor e o
sofrimento fazem parte de qualquer história verdadeira e estão presentes na
peça (...) Parto da pergunta: por que
um povo tão rico, culturalmente, como o nordestino, muitas vezes, é chamado de
atrasado? É um momento propício
para falarmos disso tudo, já que tanto ódio, antes camuflado, vem à tona num
país que passa por um momento crítico e fundamental para sua história”.
O autor do texto, WALTER DAGUERRE, carioca, que, porém,
cresceu numa família de pai e mãe migrantes, diz, também, ter tido uma grande
empatia com as histórias, que, habilmente, soube costurar, para a peça, uma vez
que, segundo ele, cresceu, ouvindo histórias de dificuldades, migrações
e recomeços.
É bastante interessante o
texto do prólogo, assim como é muito pertinente a citação de poetas de cordel,
uma marca registrada da cultura nordestina, que, nesta peça, também é lembrada
e contemplada. Gosto da importância que o autor dá à discriminação contra os
nordestinos, tantas vezes repetida durante a peça. É preciso, mesmo, cutucar,
com força, essa feia ferida, para que ela sangre bastante e faça com que todos
enxerguem o absurdo nela contido.
O texto final do espetáculo é como um tapete artesanal, feito da
costura de estampas lindas e variadas, e com a contribuição de muitas mãos na
sua confecção. Um belo trabalho em conjunto.
Os depoimentos, colhidos
pelas cartas recebidas, são a matéria-prima da dramaturgia, o material de onde
nascem os quatro personagens. De diferentes relatos, surgem cenas, imagens,
paisagens, nomes, cores, sons e sabores que compõem as quatro histórias que, de
muitas formas, se cruzam.
Segundo ALEXANDRE LINO, o idealizador do
projeto, “Esses fragmentos também vão compor histórias paralelas de parentes,
companheiros, amigos e figuras folclóricas, parte integrante do imaginário dos
nossos personagens. Essas evocações ampliarão o espaço/tempo da cena, criando
dimensões de passados saudosos, realidades paralelas e idealizações de futuro.
Há liberdade por diferentes técnicas de encenação, do depoimento documental,
teatro de sombras ao teatro de mamulengos. Porque, no espaço lúdico do palco,
tudo é permitido! Não há amarras à imaginação e nem às diferentes formas de
expressão. Tal liberdade está totalmente em comunhão com o universo, ainda
reinante, dos quintais, das feiras, dos jogos de rua, das festas folclóricas e
dos brinquedos artesanais, típicos do nordeste brasileiro. E, também, o
universo musical nordestino, com seus ritmos, melodias e letras, repletos de
luas, zabumbas e triângulos”.
Teatro de sombras.
Teatro tradicional e teatro de sobras:
outro perfeito casamento.
Ainda prossegue LINO: “‘NORDESTINOS’ conta a minha
história, a dos meus colegas de elenco e de tantas outras pessoas, que buscaram
uma cidade do tamanho dos seus sonhos. E, nessa atitude migratória, encontramos
um entrelaçar de realidade e ficção, em que não sabemos onde uma começa e o
outro termina”.
O texto é bom, porque boas são as histórias, contendo muita verdade e
força emotiva, tudo muito bem selecionado e reescrito pelas mãos competentes de
WALTER DAGUERRE, um consagrado e
premiado dramaturgo, que também consegue destaque no cinema. Gosto muito de
seus textos de TEATRO “Projeto K”, “Histórias de Amor Líquido”, “Chopin
& Sand: Romance Sem Palavras”, “A
Mecânica das Borboletas” e “JIM”,
principalmente os dois últimos, aos quais se junta agora o texto de “NORDESTINOS”.
O destaque, neste texto, vai para a carpintaria utilizada por DAGUERRE no entrelaçar de quatro histórias,
reais, enxertadas com detalhes de outras, tudo fluindo, dramaturgicamente, para
uma convergência final.
Procurei um sinônimo, na
tentativa de fugir ao lugar-comum, mas não encontrei outros adjetivos, para
qualificar o elenco: ótimo e afinado. Talvez por estarem contando
suas próprias histórias, o quarteto, de excelentes atores, expõe sua alma,
deixa extrapolar a emoção e faz tudo isso temperado com um humor leve,
digestivo, quase ingênuo, por vezes, no melhor sentido da palavra,
proporcionando, ao público, 70 minutos
de completa diversão e prazer.
Alexandre Lino.
Rose Germano.
Paulo Roque.
Erlene Melo.
Os quatro são protagonistas e cada um é responsável
por 25% da qualidade interpretativa. Não há, então, como atribuir maior
importância a um ou outro, uma vez que todos têm oportunidade de destaque e
sabem aproveitar o seu momento solo.
Quero, apenas, destacar o
momento em que ALEXANDRE LINO conta
a história, real, de um de seus irmãos, ALEXANDRE,
que morreu afogado num rio. Por um momento, a plateia contém as gargalhadas e
participa daquele momento triste e, ao mesmo tempo, tão poético, em
solidariedade ao ator. Vi gente chegando às lágrimas. Mas isso só ocorre por conta de sua ótima
interpretação, convincente e comovente.
Alexandre Lino.
Esta é a segunda direção
teatral de TUCA ANDRADA, conhecido
do público como ótimo ator, com mais de 30 espetáculos de TEATRO, 20 novelas e 15 filmes. Seu trabalho, na condução dos
atores, é muito bom, deixando passar a impressão de que lhes tenha dado
liberdade de atuação e pontuando com algumas ideias bastante interessantes,
como as inserções de atores, interrompendo uma cena, para explicar o significado
de alguns regionalismos, assim como na mistura de atores contracenando com
bonecos de mamulengo. Também é visível seu dedo nas várias cenas em que os
atores saem de seus personagens e assumem suas próprias identidades, e
vice-versa.
O tema não comportaria
ostentação, motivo pelo qual são bem simples, porém bonitos, práticos e
objetivos, o cenário e o figurino, de KARLLA DE LUCA.
Quanto ao cenário, o palco é tomado por três
painéis, que servem para projeções e deixam passar as sombras (teatro de
sombras). Neles há aplicações de trabalhos em filé (tipo de renda ou tecido
vazado, típico do nordeste brasileiro), nas bordas. Além disso, apenas vários
objetos de cenas, miúdos, que, ao mesmo tempo, servem, também, como adereços, e
alguns banquinhos.
Os figurinos utilizam tecido rústico, adornados com os tradicionais
bordados e rendas nordestinos. Um voto de louvor deve ser atribuído à confecção
dos bonecos de mamulengo.
RENATO MACHADO é o responsável por um correta iluminação, que, além de utilizar a tradicional luz de palco, ainda
avança pelo campo das sombras, efeitos obtidos por meio de uma ajustada
contra-luz.
Detalhe da iluminação.
A direção musical, que também muito me agradou, leva a competente
assinatura de ALEXANDRE ELIAS. É boa
a trilha sonora e também merecem
destaque os sons que os próprios atores produzem em cena.
Cada um dos demais profissionais
da equipe técnica, envolvidos no projeto, cumpre, de forma satisfatória, a sua
parte, para que “NORDESTINOS” se
tornasse aquele espetáculo que não foi feito para ser visto apenas uma vez.
FICHA
TÉCNICA:
Argumento e Idealização: Alexandre Lino
Dramaturgia: Walter Daguerre
Direção: Tuca Andrada
Elenco:
Alexandre Lino (Lino, Pai de Ida,
Josivânio, Zeca, Meu Dedo, Comissário, Compadre, Patrão, Cristo, Amiguinho e
Tuinho)
Erlene Melo (Lene, Mãe de Ida, Neguinha,
Supervisora, Mãe de Joselito, Atriz, Prima e Alba)
Paulo Roque (Joselito, Namorado de
Neguinha, Télson, Seu Ribamar, Motorista do Ônibus, Irmão de Josevânio, Mãe de
Ida Idosa e Jamilton)
Rose Germano (Rose, Idalenajara, Mãe de Santo,
Mãe de Josivânio, Mãe de Télson, Mãe de Neguinha, Velha do Leblon)
(Stand-in: Natália Régia
Direção Musical: Alexandre Elias
Iluminação: Renato Machado
Cenário e Figurinos: Karlla De Luca
Preparação Corporal e Movimento: Paula
Feitosa
Assistente de Direção e Dramaturgia:
Fabrício Branco
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Design Gráfico: Guilherme Lopes Moura
Fotógrafo: Janderson Pires
Revisora Textual: Yonara Costa
Assessoria Jurídica: André Siqueira
Produção Executiva: Equipe Cineteatro
Direção de Produção: Alexandre Lino
Realização: Cineteatro Produções
SERVIÇO:
Temporada: Até 28 de Novembro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às
19h30min.
Local: Teatro Sesi – Av. Graça Aranha nº 1,
Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2563-4168).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De
2ª feira a sábado, das 12h às 20h.
Vendas também pelo site www.ingresso.com.
Capacidade de público: 350 lugares.
Ingresso: R$ 30,00 (inteira) R$ 15,00
(meia-entrada).
Classificação Indicativa: 16 anos.
Duração: 70 minutos.
Gênero: Comédia.
Com Alexandre Lino, ator e idealizador do projeto.
Com Walter Daguerre, autor do texto.
Com Tuca Andrada, diretor do espetáculo.
Com Daniel Porto, da equipe de produção da peça.
(FOTOS: JANDERSON PIRES – cena -
e
MARISA SÁ – pessoais.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário