terça-feira, 27 de outubro de 2015


2ª “MARATONA” TEATRAL

EM SÃO PAULO/2015

PARTE II

 

“A VOLTA

PARA CASA”

 

(SURREALISMO

DA MAIOR QUALIDADE

E

MUITO MATERIAL

PARA PROFUNDAS REFLEXÕES.)

 

 


 

 

            Uma das melhores surpresas que tive, numa segunda curta temporada em São Paulo, este ano, para ver TEATRO, aconteceu quando fui assistir ao excelente espetáculo “A VOLTA PARA CASA”, fruto de um projeto, iniciado pela atriz REGINA DUARTE, que dirige a peça.

 

Desde novembro de 2013, REGINA vem coordenando o Grupo de Estudos de Dramaturgia e Interpretação de Textos, junto a diretores e atores/pesquisadores, cujo desejo é criar um banco de textos de dramaturgia de qualidade, já existente ou adaptado, promovendo, assim, novas e renovadas formas de interpretação.

 

Em meio ao trabalho, o grupo descobriu um texto fantástico, de MATÉI VISNIEC, dramaturgo romeno-francês, além de poeta e jornalista, de 60 anos, que vive, atualmente, em Paris. Em seu país, era bastante censurado e perseguido, até que, em 1987, resolveu atender a um convite de uma fundação literária da França, quando pediu asilo político a este país e lá se radicou, obtendo, tempos depois, a cidadania francesa. A partir de então, tornou-se mundialmente considerado por sua arte. Só passou a ser valorizado, e bastante encenado, em seu país, após a queda do regime comunista na Romênia. Atualmente, trabalha como jornalista na Rádio França Internacional. 

 

 


 

 


 

 

 

 
SINOPSE:
 
A história se passa numa atmosfera de fim de guerra, mostrando personagens, como um jovem soldado, que aprende a observar  seus “inimigos”, que vivem do outro lado da rua; uma mulher, que tenta cruzar a fronteira, para retornar a seu país de origem; e um GENERAL, que percorre o campo de batalha, convocando os soldados mortos a se levantarem, para a entrada triunfal, de volta à terra natal, no desfile do Dia do Grande Perdão. Fazem parte deste grupo os mortos, os desmemoriados, os mutilados, os desaparecidos e outros tantos; resumindo, os “proscritos”.
 
“A VOLTA PARA CASA” é uma peça em um ato, que trata de importantes temas relacionados à condição humana, como o próprio sentido da vida e da morte, o valor, material ou não, das coisas e das pessoas, a fragmentação, pulverização e desintegração dos territórios e do convencionado conceito de “pátria”, a tensão entre indivíduo e sociedade, entre o poder e a fragilidade do ser humano.
 
A peça denuncia as feridas da guerra e a condição alienada e fragmentada do homem contemporâneo, escravo das situações para as quais ele próprio contribui.
 

 

 

Peça 'A Volta para Casa', sob direção de Regina Duarte

Elenco e direção.

 

            Não há como não se apaixonar por este espetáculo.

A começar pelo estupendo texto, de VISNIEC, surpreendente e impactante, pela riqueza de imagens, pela inventividade, pelo inusitado das situações, revelando um mundo real, mas que preferimos ignorar, para evitar mais sofrimentos. O dramaturgo tomou por base as mazelas do longo e triste conflito da Faixa de Gaza e todos os outros surtos de guerra de uma Europa vitimada pelo terror. Trata-se de um texto que nos faz sorrir, rir, gargalhar, ainda que acanhadamente, pelo tom patético das falas e atitudes dos personagens. É daqueles textos que, num primeiro momento, provocam o riso, para, depois, fazer o espectador mergulhar em profundas reflexões: “Que mundo é este?” “O que eu posso fazer para melhorá-lo?” O produto final do texto é o resultado de um processo de discussão dentro do grupo, sem descaracterizar, é claro, o original.

 


Os opressores.

 


Um dos oprimidos.

 

            Alguns detalhes desta encenação despertaram, em especial, a minha atenção. Alguns aqui vão lembrados:

  1. Fica no ar, e não há a menor necessidade de tornar explícito, o que venha a ser o chamado “Dia do Grande Perdão”. Cada um que assiste à peça tem a liberdade de entender da maneira que mais lhe convier, entretanto todas as decodificações, certamente, convergirão para algo bem comum a todas as hipóteses.
  2. A fala de um dos personagens, para tentar justificar um argumento: “Deus não pensa; age!”.
  3. Os argumentos utilizados pelos mortos, na disputa por um lugar de destaque no desfile, são de um requinte de vaidade e autovalorização, como se, no fundo, algum valor aquilo tivesse.
  4. Na citação anterior, destacam-se os que morreram com uma bala no coração, que se julgam mais importantes que os demais, pelo que este órgão representa, denotativa e conotativamente falando.
  5. Um dos pontos mais fantásticos, para mim, é quando os “desaparecidos” reivindicam um cadáver, para, também, participar do já referido desfile. Estes são representados pelos gigantescos manequins, já citados.
  6. Mais fantástica, ainda, é a argumentação dos militares, para justificar a “sorte” desses desaparecidos, em relação aos declarados mortos. Para estes, seu fim já está definido; para os desaparecidos, resta a “esperança de um dia voltarem”, para a alegria de seus familiares, num requintado misto de ironia e hipocrisia.
  7. Os argumentos que “justificam” a execução por alta traição beiram as raias do ridículo, o que leva o público às gargalhadas.

 


 


 

Para REGINA DUARTE – e eu concordo plenamente com ela -, “MATÉI VISNIEC é um autor rico de humanidade e impregnado do humor patético, próprio dos grandes dramaturgos. Ele me deu, também, a necessária coragem para olhar mais de perto a guerra e o horror que vêm assombrando - ainda! - o nosso tempo”.

Não é à toa que ele é considerado, pelos especialistas e amantes do bom TEATRO, como o sucessor de Eugène Ionesco, um dos mais dignos representantes do Teatro do Absurdo, já que, em sua obra, facilmente, pode ser detectado um olhar crítico em relação às formas autoritárias de poder, além de não deixar de iluminar as contradições das democracias ocidentais, por meio de situações as mais absurdas possíveis. O texto desta peça é, mesmo, apaixonante.

Quanto à direção, REGINA demonstra muita segurança na condução de quase vinte atores em cena, comungando, inteiramente, com as intenções do autor, trabalho que creio ter sido facilitado em função de sua longa e vitoriosa experiência como grande atriz que é. Ela imprime, à encenação, um bom ritmo e um tom comedido de uma mistura de deboche com “nonsense”, e consegue extrair o melhor rendimento de cada ator.

É uma pena que suas incursões no território da direção sejam tão bissextas. Deveria dirigir mais vezes, investir bastante nesta seara, na qual demonstra competência e sensibilidade.

 


 


 

Com relação ao elenco, dedico a todos os meus mais calorosos aplausos, tanto aos que encarnam personagens de maior importância e participação na trama quanto aos que têm uma parcimoniosa atuação na peça.

À exceção de GILDA VANDENBRANDE, minha companheira de cena, na primeira montagem do musical “Hair”, no início dos idos e saudosos anos 70, e, logo depois, minha diretora musical e diretora substituta, num musical infantil, ainda naquela década, “Dom Chicote-Mula-Manca e Seu Fiel Companheiro Zé Chupança, papel este interpretado, coincidentemente, por REGINA DUARTE (eu era o Dom Chicote), jamais havia visto alguém daquele elenco representar. Todos, desconhecidos, até então, para mim, se apresentam numa total entrega a seus personagens, valorizando-os, até mesmo com poucas falas ou em cenas de total silêncio. Sem destaques, até porque ficaria difícil, para mim, e até geraria injustiças, fazê-lo, já que são muitos atores, alguns fazendo mais de um papel, e eu não os conheço, quero expressar meus sinceros cumprimentos a todos!

 


 

Por ser um espetáculo de modestíssima produção, o que prova que, mesmo com poucos recursos materiais (dinheiro, verba), é possível levantar um espetáculo de grande qualidade artística, os cenários e figurinos são bem simples, porém servindo às necessidades exigidas pelo texto.

O cenário, concepção de REGINA DUARTE, chama a atenção dos espectadores, logo que estes adentram a acanhada sala do simpaticíssimo Top Teatro, na Bela Vista, ao fundo de um agradável café, pelos quatro gigantescos manequins, com fardas militares, dois de cada lado do espaço cênico, que conta, ao fundo, com um telão, neutro, para projeções, havendo, ainda, uma trincheira e mochilas descomunais, no chão.

Os figurinos, também saídos da criatividade e do ecletismo de REGINA, deixam bem clara a oposição entre os opressores e os oprimidos, os detentores do poder e os massacrados por ele. Aqueles, representados pelo GENERAL e pelo CORONEL, impecavelmente dentro de suas fardas; estes, envoltos em trapos. Trapos, vestindo trapos humanos. Humanos?!

 


 


 

            Os demais elementos técnicos do espetáculo, como a boa iluminação, de WAGNER FREIRE; a direção musical, assinada por SAMUEL KERR; a trilha sonora, que tem TUNICA TEIXEIRA como responsável; e a preparação vocal, feita por RENATA FERRARI, contribuem para o sucesso deste espetáculo, que comemorou um ano em cartaz, na semana passada, no dia 24 de outubro, já tendo sido apresentado em vários espaços da capital paulista e ter passado por muitas cidades do estado de São Paulo.

 

São, também, bastante interessantes as projeções de animação, trabalho do SPLIT STUDIO.

 

 


Detalhe da iluminação.

 

 

            Embora não haja, no programa da peça, o nome do responsável pelo excelente visagismo do espetáculo, creio ter sido produto de uma criação coletiva, de excelente bom gosto e bastantes detalhes.

 

            Oxalá algum produtor, um mecenas, se una ao Grupo de Estudos de Dramaturgia e Interpretação de Textos, para viabilizar uma temporada no Rio de Janeiro.  O público carioca merece conhecer um espetáculo do porte de “A VOLTA PARA CASA” e tenho certeza de que o acolheria de braços abertos.

 

 

 


 

 


 

 



FICHA TÉCNICA:

Autor: Matéi Visniec
Tradução: Luiza Jatobá
Adaptação e Direção: Regina Duarte
Elenco (por ordem alfabética): Alexandre Zá, Amazyles de Almeida, Eduardo Bodstein, Gilda Vandenbrande, Ivan Izzo, João Carlos Mattos, João Ribeiro, Ligia Daniel, Luís de La Plata, Majeca Angelucci, Marcelo Gomes, Marieli Goergen, Paulo Gabriel, Rodrigo de Castro, Rita Teles, Vanessa Goulartt, Victória Moliterno e as crianças Maria Clara Novaes e Matheus Braga (em projeção).
Assistência de Direção: Eduardo Bodstein
Concepção de Cenário e Figurinos: Regina Duarte
Desenho de Luz: Wagner Freire
Direção Musical: Samuel Kerr
Preparação Vocal: Renata Ferrari
Trilha Sonora:Tunica Teixeira
Design Gráfico: Ivan Izzo
 

 



A Volta para Casa

Cena final.

 



 
SERVIÇO:
Temporada: Até o dia 27 de novembro
Local: Top Teatro
Endereço: Rua Rui Barbosa, 201 (ao lado do Teatro Sérgio Cardoso e nos fundos do Franz Café) – Bela Vista – São Paulo
Dia e Horário: Às 6ªs feiras, às 21h.
Valor do Ingresso: R$40,00 e R$20,00 (meia-entrada)
Duração do Espetáculo: 50 minutos
Indicação Etária: 12 anos
Gênero: Drama
 

 





Com a querida amiga Gilda Vandenbrande, depois de mais de 40 anos de falta de contato. (Foto: Regina Cavalcanti.)

 

 

 

(FOTOS: CAROL SIQUEIRA,

VICTOR LEMINI,

DANI COEN

e JULIANE ARGUELLO)

 

 

 

 

 

 

 

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