EM UM
LUGAR CHAMADO
LUGAR
NENHUM
(UMA BREJEIRA POESIA
DRAMÁTICA.)
Segundo o “release”, enviado pela assessoria de
imprensa do espetáculo (leia-se Julyana
Caldas), adaptado, com cortes e acréscimos, em uma época marcada pelos
excessos, pelo imediatismo e pela urgência “EM
UM LUGAR CHAMADO LUGAR NENHUM” aposta na simplicidade e na poesia das
pequenas e importantes coisas que se deixam escapar durante a vida.
A todo tempo, somos
submetidos a uma gama de informações, as quais nos impõem ideias, desejos e “necessidades”
e, muitas vezes, não paramos para refletir sobre o que vemos ou ouvimos.
Simplesmente, aceitamos o que nos é previamente imposto.
Inspirado na literatura de
cordel, um dos maiores valores da cultura popular brasileira, nordestina,
especificamente, o espetáculo apresenta o esquecido vilarejo de “Lugar Nenhum”, localizado no interior
do nordeste, e traz à tona assuntos e situações que refletem a sociedade
brasileira na sua atemporalidade.
Sempre de forma lúdica e
divertida, as entrelinhas carregam fortes discussões sobre temas que levam o
espectador a pensar sobre o indivíduo e o meio em que ele está inserido, tendo
como fio condutor um tema singelo e leve – o amor – o que aproxima e atinge
qualquer tipo de plateia.
Confrontar a realidade em
que vivemos, estimulando a reflexão e a formação de um pensamento próprio, a
partir de estímulos provocados pelo espetáculo, é a principal grande motivação
para querer falar sobre “Lugar Nenhum”.
O que desejamos é proporcionar um espetáculo que trata de temas muito próximos
à realidade, sem maniqueísmos e de maneira simples, como deveria ser a vida.
Se esse era o
desejo dos envolvidos no projeto, tenham eles a certeza de que conseguiram
cumprir o seu intento, com um espetáculo simples, leve, bonito, brejeiro,
verde-amarelo, sem ufanismos patrióticos.
SINOPSE:
Em 1950, em um vilarejo
longínquo, nordestino, chamado “Lugar
Nenhum”, pouco tempo havia, desde a chegada do maior meio de comunicação na
cidade – a Rádio.
Através dela, os pacatos
cidadãos daquele local tomam conhecimento do restante do mundo.
Sem que percebam, seja
para o bem ou para o mal, esse aparelho moderno vira, “de ponta cabeça”, a vida
de um jovem casal, o MOÇO e a MOÇA, o qual estava fadado a se
conhecer, casar, trabalhar, ter filhos e... Só.
Fico muito feliz,
quando vejo a nossa cultura de raiz encenada, ainda mais quando o texto é de uma jovem atriz e
dramaturga, AGATHA DUARTE, que, em
seu primeiro texto para o TEATRO, concentrou todas as fichas na
simplicidade e num tema nem um pouco original, já tão explorado na literatura
dramática brasileira, porém revestido, aqui, de muita originalidade e
criatividade. Tudo o que já foi dito se
torna original, quando há criatividade e amor no que se faz. A julgar pela qualidade deste texto, tenho a certeza de que será o
primeiro de muito outros, também bons, que hão de vir por aí.
O texto foi contemplado no edital “Cessão de Espaço CCBB”, o que lhe
rendeu o direito à atual montagem, apresentado com patrocínio do Banco do Brasil e da Fundação CESGRANRIO, na figura do Professor Carlos Alberto Serpa, talvez
o maior mecenas para os artistas cariocas.
Além de
aplaudir bastante, não há muito o que discorrer sobre o que é feito com tanta
simplicidade, mas também com muito talento, criatividade e extremo bom gosto. Mas vamos falar um pouco do espetáculo.
Os personagens que formam o casal de protagonistas são anônimos, porque
podem receber os mais variados nomes, na pia batismal. Representam uma legião de pessoas parecidas,
nos sonhos, desejos, aspirações, utopias...
São, mais ou menos, clichês: o da moça interiorana, sonhadora, curiosa,
ávida por conhecer o desconhecido, além limites da sua pequena e esquecida
cidadezinha, instigada pelas novidades apregoadas pela Rádio; o do moço
apaixonado, que sonha em formar uma família, sem jamais abandonar as suas
raízes, as quais o fixam na terra natal.
São, por isso mesmo, chamados, no transcorrer de toda a peça, de MOÇO (RAFAEL CANEDO) e MOÇA (AGATHA DUARTE).
Há, ainda, um
terceiro ator em cena, GUILHERME
DELLORTO, que atua como um narrador, conduzindo o fio da história, mas
também se multiplica em alguns outros personagens.
O texto é leve e delicado, reproduz o
falar ingênuo e, às vezes, de complicada compreensão, do sertanejo nordestino, com
seus regionalismos, o que é muito bom, por resgatar um valor cultural que
precisa ser lembrado e valorizado. Os
diálogos não poderiam ser mais naturais e autênticos. Nota-se que a jovem dramaturga mergulhou
fundo numa pesquisa linguística regional, para escrever o texto da peça. Escrito, em grande parte, em versos rimados,
há, nele, algumas passagens de puro lirismo e bastante sabedoria, como a o
momento em que a MOÇA diz que
pretende ir “para um lugar onde a vida
não se esqueça de passar”.
Quanto
ao elenco, nota-se um grande entrosamento, entre o trio de atores, com boas
atuações de RAFAEL, AGATHA e GUILHERME.
O elenco.
Guilherme Dellorto, Agatha Duarte e Rafael Canedo.
RAFAEL CANEDO, cujo trabalho em “O Estranho Caso do Cachorro Morto”
poderia, e deveria, ter-lhe rendido algum prêmio - na verdade, chegou a ser
indicado ao Prêmio de Melhor Ator no
Prêmio Cesgranrio de Teatro 2014 –
aparece, aqui, como o MOÇO,
romântico, preso aos valores da terra, da qual tira o seu sustento e o da
mãe. Ao se encantar com a MOÇA, por ela se apaixona, prometendo
trazer-lhe o mundo, tão distante quanto a lua, quando, na verdade, “o mundo tem o tamanho que queremos que ele
tenha” e fica a uma distância de nós muito menor do que a imaginamos.
Vindo de uma
atuação como Chicó, em “O Auto da Compadecida”, para cuja
composição teve de se submeter a um trabalho de prosódia, a fim de conseguir
reproduzir a fala de um nordestino do interior, RAFAEL repetiu, neste espetáculo, corretamente, o modo de falar
exigido por seu personagem. Quanto à sua
atuação, no geral, é muito boa.
Faço-lhe, apenas, dois comentários, que lhe podem servir de alerta, para
que seu trabalho cresça mais ainda. O
primeiro diz respeito à necessidade de corrigir a articulação dos fonemas
sibililantes, em alguns momentos. Nada
de tão grave, que não possa ser facilmente, e em pouco tempo, corrigido, com a
ajuda da fonoaudiologia. O outro
aspecto, bem mais importante, envolve o emocional. Pela grande carga emotiva aplicada na
construção do Christopher,
interessantíssimo e riquíssimo personagem, que sofre de síndrome de Asperger,
uma espécie de autismo, esplendidamente representado por RAFAEL, em “O Estranho Caso
do Cachorro Morto”, penso ter notado, ainda – o que é compreensível, mas não desejado – algumas sombras do personagem
no ator. Parece que não se consolidou,
completamente, o desapego, o “desercarne” do Crhis.
Explico: uma
das principais características do personagem era falar alto, terminando as
frases numa entonação ascendente. É a
isso que o ator deve estar atento.
Quero deixar
bem claro que, para os que, infelizmente, não tiveram a oportunidade de
aplaudir RAFAEL CANEDO, em “...Cachorro Morto”, não faz sentido o
que estou dizendo agora e, obviamente, aceitarão o MOÇO da maneira como ele se apresenta. Nada desses dois comentários compromete o bom
trabalho de RAFAEL, que conquista a
plateia, desde suas primeiras aparições, com o ápice numa cena em que
interpreta um galã, numa radionovela, durante a qual arranca muitas gargalhadas,
com suas pausas e inflexões típicas daqueles programas de rádio de décadas
passadas.
Rafael Canedo e Guilherme Dellorto.
AGATHA DUARTE cumpre, com
profissionalismo, graciosidade e competência, a sua função de atriz, vivendo a MOÇA, idealista, inconformada com a
mesmice de “Lugar Nenhum”, sempre à
procura do desconhecido, como forma de atingir a felicidade plena, ainda que,
para ela, como para todas as pessoas, este seja sempre uma incógnita, que pode
trazer alegrias e/ou tristezas. O advento
da Rádio local, esta quase um personagem na história, foi o estopim para que a
personagem, por se mostrar encantada e curiosa com as novidades do “mundo
grande”, tomasse a decisão de ir ao encontro do futuro, do progresso tão
desejado por ela.
AGATHA, assim como RAFAEL, desembaraça-se na utilização da prosódia nordestina, que a
personagem exige, e acrescenta, a cada uma de suas falas, uma dose de
brejeirice, que encanta a plateia, reforçada por sua expressão corporal e suas
carinhas de sonhadora, romântica, habitante de um mudo imaginado e idealizado,
totalmente cor-de-rosa.
A MOÇA quer - mais do que isso: exige - o
novo, ao passo que o MOÇO é
acomodado e descrente das “mentiras” que a Rádio apregoa. Para ele, há dois mundos: o real, o palpável,
o ruim, em que vivemos; e o mentiroso, o etéreo, o mau, o da Rádio. Para mim, AGATHA
é uma revelação de atriz, dada sua pouca idade e incipiência (com “c” mesmo) na carreira, o que é
indício de novos e ótimos trabalhos.
Agatha Duarte e Rafael Canedo.
Quanto
ao ator GUILHERME DELLORTO, que,
salvo engano, nunca havia visto, em cena, confesso que fiquei muito bem
impressionado com sua atuação. Aparece,
no início da peça como um narrador, o que me fez pensar que tudo giraria,
apenas, em torno de RAFAEL e AGATHA, que interpretam os
protagonistas, e que GUILHERME seria
um coadjuvante, na trama. Sim, ele o é;
mas há coadjuvantes e “coadjuvantes”. Ele pertence a esta classificação, destacada
pelas aspas.
GUILHERME é muito bom ator, e isso é
comprovado a partir do momento em que começa a viver outros papéis, saindo da
função de narrador e incorporando cada personagem, e vice-versa, com muita
naturalidade, assumindo vozes e posturas que cada um requer. Na pele da mãe do MOÇO, de um pescador “conselheiro do casal”, de um conquistador
barato ou como um radialista, o ator se destaca por seu correto trabalho. Além disso, ainda arrisca tirar umas notas de
um acordeão, muito bem incorporado a algumas das cenas da peça.
É sempre
motivo de grande alegria saber, e ver, que muitos talentos jovens, como GUILHERME, RAFAEL e AGATHA, estão
surgindo nos palcos. A cada semana, fico
conhecendo o trabalho de um, ou mais. O
nome disso é “renovação”, “sangue novo” para o TEATRO BRASILEIRO.
Guilherme Dellorto.
Dirige o
espetáculo ROGÉRIO FANJU e o faz de
forma inteligente e criativa. Por que, e
para que, complicar o que, por si, já é tão simples e pode funcionar bem? A sofisticação nem sempre conduz ao
sucesso. Já a simplicidade, via de
regra, se aproxima mais dele. Essa foi a
tônica empregada por ROGÉRIO, na direção deste espetáculo. Ele deixou que o bem construído texto andasse por si só, que
fluísse, sob as rédeas dos três ótimos atores, criando, aqui e ali, agregando,
lá e acolá, optando por um palco mais amplo, para que os atores o
preenchessem. Muito bom trabalho!
No
programa da peça, lê-se que o responsável pela cenografia é o consagrado e premiado cenógrafo JOSÉ DIAS, o que já gera uma boa expectativa. Quando entra no teatro, estranhamente, o
espectador se depara com um palco vazio, completamente desprovido de elementos
cenográficos. E onde está o cenário do ZÉ?
Trata-se de uma grata surpresa, pois ele se apresenta sob a forma e
excelentes projeções e, durante os 80 minutos de duração do espetáculo, o
espaço cênico vai sendo preenchido com algumas (poucas) pequenas e muito simples
peças, como uma cama, uma mesinha, um banco, um rádio de pilhas, um microfone
com pedestal, apenas o mínimo suficiente para compor os locais em que se dão as
cenas. O espaço cênico é do
ator e, tão simplesmente, para ele. O destaque da cenografia vai mais para as
projeções.
Todo esse
conjunto é muito bem iluminado pela luz,
de LEYSA VIDAL, que, de forma bem
natural e simplificada, valoriza determinadas ações, por vezes, dividindo-as, no palco, graças aos seus diferentes pontos e intensidade de luz.
Detalhes do cenário e da iluminação.
Os
figurinos, de DANIELE GEAMMAL, são perfeitos, adequados à década de 50. O de GUILHERME
é um bem talhado terno, meio cinza, meio azul claro, uma cor meio indefinida,
de tecido brilhante, que o ator veste, do início ao fim da peça, mesmo quando
incorpora outros personagens, além do narrador.
Isso estimula a imaginação do espectador. Eu o “vi” com figurinos diferentes, em cada
personagem. Para mim, o terno era uma
espécie de segunda pele. AGATHA usa vestidos com padronagem
delicada, florida, bem femininos, leves e recatados, como a personagem. RAFAEL
também mantém o mesmo figurino, durante toda a peça, no qual predominam tons
próximos à cor da terra, talvez – ainda não se paga imposto para imaginar e interpretar
– seja para marcar a fixação do personagem pela terra. Será que o meu voo foi muito alto?
A excelente
direção musical é de ROBERTO BAHAL. É muito boa a variação dos arranjos para um lindo
tema musical, frequentemente executado durante a peça, apenas instrumental,
composto por ROBERTO, e que aparece,
depois de encerrado o espetáculo, na íntegra, com uma bela letra agregada. É uma pena que o público saia do teatro, ao
som da linda canção, e não se dê conta dela.
Fica, aqui, a sugestão, já feita, pessoalmente, a ROGÉRIO FANJU, para que a música seja executada antes do início da
peça. Dessa forma, não só o público a
ouviria na íntegra como também iria identificá-la nas inserções instrumentais
posteriores.
Agatha e Rafael.
Embora já
tenha feito menção às projeções, à
guisa de complementação do cenário, ainda não disse que os belos desenhos
projetados foram criados por LEYSA VIDAL.
Momentos da
peça que merecem destaque:
1) A primeira
noite de amor do casal de protagonistas é encenada sem nenhuma apelação,
envolta em muito lirismo.
2) A cena
entre o MOÇO e a mãe, pela beleza e
profundidade do texto e pela interpretação dos atores.
3) A cena da
radionovela, pela fiel reprodução daquilo que foi a febre dos anos 50 e
60. Eu os vivi e digo que a encenação
está perfeita, no que diz respeito aos clichês da época, com destaque para as afetadas
inflexões dos atores.
4) Os
questionamentos sobre o tempo, tanto da parte do MOÇO quanto da MOÇA. O texto é profundo, valorizado pela
interpretação de RAFAEL e AGATHA.
5) A cena em
que, num “bife” (fala muito longa de
um personagem, por meio da qual, normalmente, quem a diz tem a oportunidade de
se destacar, demonstrando sua capacidade interpretativa), o MOÇO fala dos males que ele constatou,
ao conhecer o “mundo novo e grande”, e mau, que a MOÇA não merecia.
6) O mesmo se
pode dizer, com relação à MOÇA, ao
se deleitar, sonhando com as novidades do mundo que procurava conhecer.
7) O texto, em
versos, ao estilo cordel, cujo mote é “paisagem
do interior”, dito pelos três atores, quase ao final da peça. Fiquem atentos a ele.
Rafael, Guilherme e Agatha – três jovens
talentos.
Por tudo o que
aqui foi dito, e por muito mais, recomendo
este espetáculo, que, certamente, fará bem à alma e aos corações de todos.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Agatha Duarte
Direção:
Rogério Fanju
Elenco
(por ordem alfabética): Agatha Duarte, Guilherme Dellorto e Rafael Canedo - Paes
de Luna (“stand in”)
Direção
Musical e Trilha Original: Roberto Bahal (Exceto “Luar do Sertão” e “O Cisne”)
Intérprete
da Música Tema “Lugar Nenhum”: Thiago Pach
Cenografia:
José Dias
Projeto
de Iluminação e Design de Gobos: Leysa Vidal
Iluminador
Assistente: Luiz Oliva
Operador
de Luz: Romiro Vasquez
Preparação
Corporal: Sandra Prazeres
Assistente
de Figurino: Lu Ribeiro
Modelista:
Maria Amélia da Silva
Costureira:
Conceição Teixeira Faria
Assessoria de Imprensa:
Julyana Caldas – JC Assessoria de Imprensa
Fotografia: Ronaldo Júlio e Robson Sanchez Pinto
Fotografia: Ronaldo Júlio e Robson Sanchez Pinto
Programador
Visual: Johnny Ferro
Produção:
Rafael Canedo e Agatha Duarte
Direção
de Produção: Robson Sanchez
Idealização:
Agatha Duarte e Rafael Canedo
Autor
do Poema “Paisagem do Interior” (publicado no livro “Paisagem de Interior”,
pela Edições Bagaço – 1996): Jessier Quirino
SERVIÇO:
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Teatro II – Rio de
Janeiro
Endereço: R. Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro
Dias e Horários: De 6ª a 2ª feira, às 19h30min
Temporada: Até 26 de outubro
Duração: 80 minutos
Valor do Ingresso: R$ 10,00 e R$5,00 (meia-entrada)
Classificação: 12 anos
(FOTOS:
ROBSON SANCHEZ PINTO)
Com Rafael Canedo (foto: Marisa Sá).
Minuciosa,respeitosa,elegante, convidativa...Receber uma crítica assim é ter o privilégio de receber um presente extremamente estimulante para que novos trabalhos sejam semeados... Qdo entrei na página pra ler, pensei q leria uma simples crítica, mas me senti encantada e fui até a última linha, ficando o desejo de ver a peça...
ResponderExcluirEstive lá e tudo o que acima foi dito é de precisão e verdade incontestáveis !!! Parabéns a todos !!! Evoé !!!
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