BR-TRANS
(“TRANS”, DE TUDO QUE
“TRANSCENDE” O ÓTIMO.)
É
uma enorme pena, mesmo, que esta peça encerre sua temporada carioca, no próximo domingo, 6 de setembro, e que o
espaço em que esteja sendo apresentada, o Teatro
III do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro) comporte poucos
espectadores, pois se trata de um dos melhores espetáculos em cartaz, na atual
temporada, e um dos melhores a que assisti até este início de setembro.
SILVERO (assim mesmo; não Silvério) PEREIRA!!! Guardem bem este nome! Ele ainda será muito conhecido e aplaudido,
por seu talento e sua coragem.
SILVERO é o responsável (concepção, texto, atuação, cenário,
figurinos, adereços, maquiagem e trilha sonora) por um monólogo, que é
unanimidade, positiva, entre todos os que tiveram a oportunidade de vê-lo, em
cena, em “BR-TRANS”.
O
que se vê, no palco, é um magnífico ator,
que também canta, expondo-se, desnudando a sua alma, na pele de GISELE, um travesti, que passou a
existir, no corpo do ator, a partir de 2002, e outros, também de carne, osso e
alma, de diversas partes do Brasil.
Silvero Pereira / Gisele.
Silvero apresenta Gisele.
O texto foi escrito com base em fatos e
depoimentos reais, explorando o instigante e controvertido universo dos travestis,
transexuais e transformistas.
Mais naturalista, impossível! Mais arrebatador, impossível! Mais envolvente, impossível! Mais emocionante, impossível!
Extraído de um
informe do CCBB Rio: “Em trânsito e em transe, ‘BR-TRANS’ transborda. Não é só SILVERO. É também Marcelly,
Babi, Marina, Cláudia, Laurita, Dandara, Cassandra, Ramona, Castanha, Rogéria, Valéria, Roberta e tantas outras mais. SILVERO
são todas elas. SILVERO somos todos nós.
O espetáculo ‘BR-TRANS’ leva, aos palcos, a
experiência de vida, dentro do universo “TRANS”,
da travestilidade e da transexualidade, com todas as suas dúvidas, angústias e
transformações.
A temporada de “BR-TRANS”, no CCBB Rio de Janeiro, após a peça ‘Sexo Neutro’, que esteve em cartaz anteriormente, faz parte da
estratégia de promover a reflexão sobre a questão da identidade de gênero, um
tema cada vez mais atual e de extrema importância para a sociedade
contemporânea.”
“BR-TRANS” é mais que uma peça.
É uma “transpeça”. Faz parte de um projeto, que consumiu vários
meses de trabalho e de pesquisa, para este espetáculo, especificamente, mas que
existe desde 2004 e que tem como objetivo maior pesquisar a verdadeira
realidade em que vivem os travestis, bem como dar-lhes voz, a fim de que possam
ser respeitados, como seres humanos e cidadãos, produtivos, numa sociedade
contaminada pela vergonhosa mácula do preconceito e da intolerância.
Sozinho. E solitário?
O espetáculo está inserido num projeto,
que se chama “BR-TRANS:
CARTOGRAFIA ARTÍSTICA E SOCIAL DO UNIVERSO TRANS NO BRASIL”, de SILVERO PEREIRA.
Para isso, “SILVERO faz uso do TEATRO como um instrumento de transformação e inclusão social,
partindo da relação existente entre ator e transformista, no intuito de
contribuir para o fortalecimento de visão da arte transformista, como arte
cênica, e de utilizar a artesania da cena marginal transformista, para o
circuito teatral, inclusive na formação do ator. Assim, criou-se o Coletivo Artístico AS TRAVESTIDAS.”
Tudo começou, quando, em 2002, SILVERO,
natural de Mombaça, interior do Ceará, escreveu, e encenou, em Fortaleza, uma
peça, chamada “Uma Flor de Dama”, cujo
protagonista era um travesti, GISELE,
que é o fio narrador desta “BR-TRANS”. O mergulho na sua criatura foi tão grande,
que, segundo diz o próprio SILVERO,
na peça, depois de algum tempo, passou a viver um drama existencial, não
sabendo onde terminava o SILVERO nem
onde começava a GISELE, e
vice-versa.
De acordo com o “release”,
enviado pela assessoria de imprensa,
eis a sinopse do espetáculo:
SINOPSE:
A peça trata-se de um
processo cênico antropológico-autofágico-esquizofrênico, que traz à cena
histórias sobre medo, solidão e morte. Histórias
que se encontram e se confundem entre si e com a vida e as inquietações do
ator.
Criado a partir de
fragmentos de vidas reais, coletados através de conversas com travestis,
transexuais e transformistas, entre os estados do Ceará e Rio Grande do Sul (daí
o “BR” do criativo título), “BR-TRANS” apresenta histórias sobre
exclusão e violência, presentes no cotidiano dessas pessoas, vivenciadas de
norte a sul deste país.
Entretanto, subvertendo essas tristes histórias,
a obra vai além, ao abordar narrativas de superação e transformação.
“Espelho, espelho meu!”
Ao entrar no teatro, o público encontra o ator, “montado”,
com um vestido simples, porém “chamativo”, todo bordado em lantejoulas
vermelhas, dançando, animadamente, ao som de uma música bem alegre e
vibrante. Seria uma tentativa de mostrar
algo totalmente oposto à tristeza de uma solidão, em cena? Ou seria, mesmo, verdade aquela alegria?
Durante o
espetáculo, o ator nos guia a um mergulho profundo nos porões escuros e
mofados, por onde perambulam as personagens em que ele vai se transformando,
cuja identificação das mudanças começa quando ele escreve o nome delas no próprio
corpo, e não abre mão do bom humor, também, pois, através dele, se pode
criticar tudo o que não deveria existir com relação àquele universo.
São bastante
comoventes os relatos, e o ator demonstra, a cada nova interpretação, um
potencial de emoção, certamente, ampliado, em relação ao momento em que teve
conhecimento de cada um deles, da boca dos protagonistas.
Um novo personagem surge.
O texto é de excelente qualidade, dentro
de uma simplicidade a toda prova. As
histórias, que transitam entre conflitos domiciliares, na escola, nos empregos,
são contadas de forma dinâmica, com o ator (brilhante) fazendo tudo em cena,
desde a mudança de posição dos objetos que compõem o cenário, passando pelas trocas
de figurinos e acionando os equipamentos de iluminação.
A inclusão, no
roteiro da peça, de duas canções, “Geni
e o Zepelim” e “Masculino e Feminino”
é um verdadeiro achado, além de brilhantemente interpretadas por SILVERO PEREIRA. A primeira, de Chico Buarque, do musical “A
Ópera do Malandro”, retrata toda a hipocrisia das pessoas, que usam um
travesti, para que seja salva a sua integridade física, e, após isso, voltam a
humilhar, agredir e desprezar aquele que lhes foi de grande valia, num momento
de perigo e precisão. Cospem no prato em
que comem. A segunda, já em outra linha,
questiona o porquê da discriminação e a autoafirmação de quem assumiu que “ser um homem feminino não fere o meu lado
masculino” e, "pretensiosamente", se compara a Deus, que, ao mesmo tempo, “é menina e menino”.
Dramático.
Cômico.
É excepcional
a direção de JEZEBEL DE CARLI, a qual, por não conhecê-la, ainda, infelizmente,
cheguei a pensar que, pelo nome, também se tratava de um outro travesti, até
saber que é uma grande diretora gaúcha, cujo talento, prazerosamente, passamos
a conhecer. Não tenho a menor dúvida de
que, para causar tanta emoção na plateia, além do talento de SILVERO, contribuiu, em muito, o ótimo
trabalho de JEZEBEL.
A propósito,
quando se comenta que um determinado espetáculo ou um artista foi aplaudido por
dez minutos, trata-se, evidentemente, de um exagero, porém afirmo que, durante
dois ou três, o que, em termos de aplausos, parecem dez, o público, de pé, aplaudiu, freneticamente, o
espetáculo, bateu com os pés no chão e gritou palavras de apoio e
incentivo. O primeiro “BRAVO!” foi meu. Soube, posteriormente, que, em todas as sessões,
a reação do público é essa.
Não ousaria
destacar qualquer momento da peça, visto que todos são fantásticos, entretanto
não poderia deixar de mencionar a criativa cena em que o ator, enquanto dá o
seu texto, vai descascando um abacaxi (a aí pode haver uma relação com a metáfora
contida na expressão “descascar um
abacaxi”), cujas partes são utilizadas como marionetes, num teatro de
bonecos. É impagável esse momento! Sem falar que a fruta é oferecida, em fatias, ao público,
ao final da cena. Compartilha-se, então,
o doce sabor do abacaxi, agora “descascado”,
tudo a ver com o texto dito.
Desnudo, de corpo e alma.
Não consegui
perceber falhas ou erros nesta encenação.
Ótimo cenário, de SILVERO PEREIRA e MARCO KRUG,
reproduzindo um camarim, além de outros objetos de cena, como mesa, banco,
biombo, baú, altares... – tudo a serviço das cenas variadas.
Apesar de
muito simples, agradaram-me os figurinos,
também de SILVERO.
A luz, de LUCCA SIMAS, não poderia ser mais simples e, ao mesmo tempo,
mais adequada à proposta da encenação.
O músico RODRIGO APOLINÁRIO, que ajuda a sublinhar as cenas, com o seu
teclado, é de grande importância em cena.
Para que se
possa ter uma ideia da grandiosidade deste projeto, relacionamos, aqui, alguns
eventos, nos quais a peça, já vista por milhares de pessoas, foi
apresentada:
·
XXX International Hispanic Theatre
Festival of Miami
(EUA) / 2015
·
Festival
Gamboavista – RJ / 2015
·
TREMA
Festival – PE / 2015
·
FILT
Bahia / 2015
·
Projeto
Plataforma de Circulação da Petrobrás – Ceará / 2015
·
Vencedor
do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, no Ceará / 2014
·
Vencedor
do FENATA, em Ponta Grossa - PR (Ator, Texto, Direção e Espetáculo) /
2014
·
FIT São
José do Rio Preto - SP / 2014
·
Festival
de Teatro de Curitiba / 2014
·
Aldeia
SESC Guarajaras, em São Luís do Maranhão – MA / 2014
·
Mostra
SESC Cariri das Artes / 2013
Sem medo de denunciar.
FICHA
TÉCNICA:
Dramaturgia:
Silvero Pereira
Elenco:
Silvero Pereira
Músico:
Rodrigo Apolinário
Direção:
Jezebel De Carli
Cenário: Silvero Pereira e Marco Krug
Cenotécnico:
Rodrigo Shalako
Figurino,
Maquiagem e Adereços: Silvero Pereira
Iluminação:
Lucca Simas
Músicas
Originais: Rodrigo Apolinário
Trilha
Sonora Pesquisada: Silvero Pereira
Vídeos:
Ivan Ribeiro
Direção de
Produção: Ana Luiza Bergmann e Silvero Pereira
Produção
Executiva: Ana Luiza Bergman
Divulgação:
Coletivo Artístico BR-TRANS
Identidade
Visual: Sandro Ka
Fotografias:
Victor Augusto e Lina Sumizono
Realização;
Coletivo Artístico BR-TRANS Fortaleza / Porto Alegre
Administração
e Produção Rio de Janeiro: Quintal Produções
Direção
Geral: Verônica Prates
Gerente de
Projetos: Maitê Medeiros
Produtor
Executivo: Iuri Wander
SERVIÇO:
Temporada:
Até 6 de setembro
Dias e
Horários: De 4ª a 2ª feira, às 19h30min – SESSÃO EXTRA: DIA 6 DE SETEMBRO, ÀS
17h
Local: Teatro III do Centro Cultural Banco
do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro)
Informações: (21) 3808-2020
Ingresso: R$10,00
Horário da bilheteria: de 4ª a 2ª feira,
das 9h às 21h
Gênero: Drama Cômico
Duração: 70 minutos
Capacidade: 86 lugares
Classificação indicativa: Não recomendado
para menores de 16 anos
Um recado PARA TODOS.
E que os DEUSES DO TEATRO consigam provar, mais uma vez, sua
força, fazendo com que este excelente espetáculo volte ao Rio, para uma
temporada maior e num espaço que consiga atingir mais espectadores, a despeito
de seu caráter intimista!
(FOTOS:
VICTOR AUGUSTO
e
LINA
SUMIZONO.)
Sim, guardo no coração o nome Silvero Pereira pois sem dúvida nenhuma é um dos melhores atores que tive a oportunidade de ver em cena, coloco-o ao lado de Kazuo Ohno que assisti em Londrina e que buscou na travestilidade uma via de expressão da universalidade humana.
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