terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

“O CÉU DA LÍNGUA”

ou

(QUEM NÃO GOSTA

DE POESIA

BOM SUJEITO 

NÃO É.)

ou

(O ENCANTO DO SABOR

DAS PALAVRAS.)

ou

(UMA AULA MAGNA

DE LÍNGUA PORTUGUESA,

COM MUITO HUMOR

E INTELIGÊNCIA.)

ou

“GOSTO DE SENTIR

A MINHA LÍNGUA

ROÇAR A LÍNGUA

DE LUÍS DE CAMÕES.”

(“LÍNGUA” - CAETANO VELOSO.)

ou

“MINHA PÁTRIA 

É A LÍNGUA PORTUGUESA.” (FERNANDO PESSOA)








         Antes de mais nada, fui anteontem (16 de fevereiro de 2025), ao Teatro Carlos Gomes, para assistir ao espetáculo “O CÉU DA LÍNGUA”, na esperança, do fundo do coração, de que GREGÓRIO DUVIVIER conseguisse fazer com que todos da plateia passassem a gostar (de) e admirar a poesia, que sabemos não ser tão do gosto dos brasileiros, infelizmente, a despeito de termos grandes poetas, ao contrário dos portugueses, que muito se orgulham de seus dois bardos maiores, Luís de Camões e Fernando Pessoa, em qualquer dos múltiplos heterônimos assumidos por este.



  Em segundo lugar, torno público que é a quarta vez que inicio esta crítica. Espero que consiga ir até o final, poupando-lhe o mesmo destino que dei às três primeiras versões: o ato de deletar. Tinha uma ideia, iniciava a apreciação crítica da peça e não gostava; não era o que eu queria, de fato, escrever. Resultado: deletar e começar de novo. É tanta coisa para dizer sobre esta montagem, que foi difícil encontrar o viés, o tom certo, para me expressar sobre a peça. De uma coisa, porém, tinha, e tenho, plena certeza: “O CÉU DA LÍNGUA” é, de longe, até agora, o melhor espetáculo de TEATRO a que assisti na atual temporada, no Rio de Janeiro”, embora também tenha gostado muito de outros, aos quais também dediquei uma crítica.


 

  Cada vez mais, não me arrependo de ter reduzido, significativamente, minhas idas ao Teatro. Para quem ia, no mínimo, cinco vezes por semana – quando não a semana inteira -, agora, isso só se dá, de ordinário, duas vezes, a cada sete dias; excepcionalmente, três vezes. Só me programo para assistir a um espetáculo teatral, quando o meu sétimo sentido (O sexto eu não revelo qual seja nem como e quando o aplico.) faz acender a luz verde e diz: “Vai, que será bom! Vai valer a pena!” E eu obedeço. Confesso que não me arrependi uma só vez, do dia 11 do último janeiro para cá. Ao contrário, sempre deixei o Teatro em pleno “estado de graça”, como dizia Clarice Lispector ou, numa esfera mais popular, “com a alma lavada e enxaguada”, que saía da boca o “coronel” Odorico Paraguaçu, criação fantástica e inesquecível do talento de Dias Gomes.


 

  Muito a calhar, escolhi um domingo, para assistir ao espetáculo, porque tinha a certeza de que não poderia haver nada mais indicado do que conferir “O CÉU DA LINGUA”, uma peça leve, para fechar uma semana pesada, de tantas notícias ruins, sobre violência, e de um calor “dos desertos”. A locução adjetiva destacada foi uma maneira de levar o leitor a imaginar o “calão” que eu deveria escrever, mas, por educação e respeito a quem me lê, não o fiz. Por oportuno, lembro que, embora “todo mundo use”, não se deve falar ou escrever “baixo calão”, dado que “calão” já significa a linguagem da camada mais inferior da sociedade, um modo de se expressar grosseiro, chulo. Destarte, “baixo calão” constitui um pleonasmo, vicioso ou grosseiro, que deve ser evitado. Como uma ilustração, esse tipo de linguagem é chamado, pelos linguistas, de função críptica.



   É muito difícil apontar a melhor cena ou momento da peça. Tudo é da maior importância e nos leva a gargalhar com o que sai da boca do ator, acompanhado de uma corretíssima linguagem não-verbal, a corporal, dos gestos e das máscaras faciais, tudo enquadrado em pausas e entonações expressivas, formidáveis. Uma dessas cenas é quando GREG fala, exatamente, das funções da linguagem, cada uma delas com um propósito específico, calcada num dos elementos da comunicação. O público, em geral, recebe a peça de uma maneira, pelo desconhecimento da estrutura de funcionamento da língua portuguesa, mas eu a recebi de outra, já que nós, o ator e eu, temos algo em comum: ambos somos formados em Letras. A qualquer professor de língua portuguesa, a peça atinge, como a mim. Não sei se ele chegou a lecionar, mas eu o fiz por 47 anos consecutivos, da segunda fase do ensino fundamental ao superior.


 

  GREGÓRIO DUVIVIER é um diamante para lá de lapidado, uma das pessoas mais inteligentes e sensíveis que já conheci até hoje e grande motivo de orgulho para qualquer brasileiro. É surpreendente a pesquisa que fez, bem como a costura que executou, de tanto material pesquisado, para chegar ao texto final da peça, o qual é vendido, na saída do Teatro, na forma de um livro, uma OBRA-PRIMA de publicação, do ponto de vista do conteúdo e de sua originalíssima diagramação. RECOMENDO A PEÇA E O LIVRO.



   Outros momentos que merecem destaque – na verdade, a peça toda é um destaque só - são a crítica feita à queda do trema, prevista pela última, e infeliz, reforma ortográfica, que também atende pelo “vulgo” de “Acordo Ortográfico de 1990”, assinada pelos oito países lusófonos, reforma esta que, além de ser um grande equívoco, complicou o que era simples e não facilitou a vida de ninguém, a não ser do grupo brasileiro, liderado pelo já falecido professor Antônio Houaiss, o qual, diga-se de passagem, lucrou bastante com a venda de seu novo dicionário. 




   Também merece um espaço a informação de que o diminutivo não serve apenas para expressar aquilo que é de proporções menores, mas também pode ser empregado com outras intenções, bastante diversas. Ele também pode indicar, em sentido figurado, intimidade, carinho, desprezo ou, até mesmo, ironia. Esse dado surpreende bastante a plateia, que emprega, como tal, a flexão de grau, sem perceber que o faz. E como não citar também a questão das gírias, que, dentro do corpo de uma língua, algo sempre mutável, que não fica estagnada no espaço e no tempo, sob pena de se tornar “morta”, mudam de sentido, têm seus significados alterados, principalmente pela força dos jovens ao se expressar? “Irado” e “sinistro” são, talvez, dois dos melhores exemplos disso, do emprego de algo, fazendo-se uso da linguagem figurada.


 

   Por falar em sentido figurado, atentemo-nos para o título deste solo “O CÉU DA LÍNGUA”. Nele, verificamos o aproveitamento da metáfora, ou melhor, uma catacrese, existente na expressão “céu da boca”, o emprego do vocábulo "céu" totalmente fora do seu valor denotativo, por falta ou desconhecimento de outro, como também ocorre em "dente de alho", "boca da garrafa", "peito do pé" etc..* Todo e qualquer produto, para ser bem vendido, precisa chamar a atenção dos consumidores em potencial. Não poderia ser melhor o título da peça.

*Quando for utilizar "etc.", lembre-se de algumas observações:

1) A sigla "etc." é uma abreviação da expressão latina "et coetera", que significa "e outras coisas", usada para indicar que outras coisas mencionadas devem ser subentendidas. Dessa forma, não deve ser empregada, quando se trata de uma sequência de pessoas.

2) Deve ser escrito com ponto, mesmo que apareça no meio do texto. 

3) Não se deve usar o conectivo “e” antes de “etc.”.

4) Caso o termo “etc.” finalize uma frase, o ponto final não deve ser duplicado.

5) Não se usa “etc.” acompanhado por reticências. 

6) Só é permitido o uso de "etc." após uma sequência de, no mínimo, três 

elementos.

7) É possível usar outros sinais de pontuação após o ponto abreviativo do "etc.", como uma vírgula, um ponto de interrogação, um ponto de exclamação ou outro. 


 

   Também jamais poderia ficar de fora a diferença do emprego dos vocábulos, em termos semânticos, mormente entre Brasil e Portugal, embora, mesmo dentro do nosso país, devido ao vasto território e às diversas influências de imigrantes, observemos tantos regionalismos, o que, às vezes, dificulta a comunicação entre irmãos patriotas (Não estou me referindo aos “patriotários”, aqueles que prestam continência a pneus ou “se comunicam”, por meio de celulares, com extraterrenos.) ou a obstruem completamente, causando, no mínimo, desagradáveis mal-entendidos. Vejam, por exemplo a palavra “injeção”, que, em Portugal, é “pica”, e a palavra “bunda”, que, além-mar, é “cu”. Vai causar um mal-estar enorme, no Brasil, um português desavisado entrando numa farmácia e dizer que precisa, da parte do farmacêutico, “tomar uma pica na bunda”. Pode acabar até em morte (Momento descontração.).


 

  Um trecho da peça extremamente interessante é quando o ator faz, em linha reta, umas rápidas caminhadas no palco, saltitando e pisando forte nas sílabas tônicas de alguns versos, para mostrar a presença destas e marcar o ritmo dos versos decassílabos. Eu, em sala de aula, fazia algo bem parecido.

 


  A peça é daquelas que, mesmo que se procure alguma coisa para ser rotulada como “supérflua”“gordura”, podendo, pois, ser aparada, encurtando-se o texto, não se vai encontrar nada disso. Tudo é perfeito e cabe na dramaturgia, ou melhor, no inteligentíssimo texto de GREGÓRIO DUVIVIER. E tudo é dito com total segurança, firmeza, propriedade e graça. E para quem pensa que, por ser um tema “árido”, digamos, a peça possa se tornar “chata, morosa, desagradável”, em algum momento, afirmo, peremptoriamente, que, em segundo nenhum, isso ocorre. Pense exatamente no contrário. O dramaturgo promove um rico passeio pelos meandros de nosso idioma, de forma leve e muito engraçada. GREG não é somente um impecável escritor e dramaturgo, mas também um ator completo, que até me surpreendeu cantando; bem. E cantando, divinamente, ele quase me levou às lágrimas, quando interpreta "Que Não Se Vê" ("Come Tu Mi Vuoi"), uma canção belíssima, tentando - tive a impressão de - imitar a voz e os falsetes de Caetano Veloso, autor dessa OBRA-PRIMA, uma valsa lenta, que o compositor e cantor gravou, ao vivo, em 1999, no álbum "Omaggio a Federico e Giuiietta" (Federico Fellini e Giulieta Massina, sua esposa. ("Homenagem a Federico e Giulietta)


 

  Pegando um gancho no final do parágrafo anterior, GREGÓRIO DUVIVIER não poderia ser mais feliz e preciso, ao escolher, para terminar a encenação, a magistral canção “Livros”, de Caetano Veloso, que faz parte do seu álbum “Livro”, lançado em 1997. GREGÓRIO não deixa, também, de citar aqueles que são considerados, por muita gente estudiosa, os mais lindos versos da poesia contida nas letras das canções da Música Popular Brasileira: “Tu pisavas nos astros distraída.”, na composição “Chão de Estrelas”, de Orestes Barbosa, lançada em 1937, na interpretação de Sílvio Caldas.


 

 

“LIVROS”

(Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada,
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria.
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro,
Apontando pra a expansão do Universo,
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
E, sem dúvida, sobretudo, o verso
É o que pode lançar mundos no mundo,


Tropeçavas nos astros desastrada,
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada, que vai do nada ao nada,
São livros e o luar contra a cultura.


Os livros são objetos transcendentes,
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro.
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas.
Talvez isso nos livre de lançarmo-nos
Ou, o que é muito pior por odiarmo-los,
Podemos, simplesmente, escrever um.


Encher, de vãs palavras, muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada,
Mas, pra mim, foste a estrela entre as estrelas.

 


 


   Coube à atriz Luciana Paes, parceira de GREGÓRIO no espetáculo de improvisação “Portátil” e nos vídeos do canal Porta dos Fundos, a direção do solo, executada com muito cuidado, criatividade e bom gosto. Eu arriscaria dizer, até mesmo – e, talvez, possa não ser isso -, que o trabalho de direção tenha sido feito a quatro mãos: LUCIANA e GREGÓRIO. E vale a pena acrescentar que se trata de uma montagem que coloca em segundo plano um elemento como a cenografia – o palco está, praticamente nu. Não há referência na FICHA TÉCNICA. A iluminação é mais um grande acerto, da parte de ANA LUZIA DE SIMONI. E o que dizer do caprichado figurino, criado por ELISA FAULHABER e BRUNELLA PROVVIDENTE? Que as duas acertaram no alvo, quando resolveram vestir o ator com um traje de Camões, uma bela confecção, com destaque para a enorme gola rufo, traço marcante nos trajes do século XVI, na Europa, e uma bela estampa de Camões nas costas.


 

  É mais que evidente que GREGÓRIO DUVIVIER representa o núcleo desta célula, porém ele não está sozinho em cena. Têm uma participação marcante nesta obra duas outras pessoas: o instrumentista PEDRO AUNE, criando a deliciosa ambientação musical, uma trilha sonora original, com o seu contrabaixo, além de ser o diretor musical da peça, e a “designer” THEODORA DUVIVIER, que manipula interessantes e curiosas projeções, exibidas ao fundo da cena. Nas palavras da diretora, “O CÉU DA LÍNGUA” não é um recital. O ‘stand-up comedy’, aqui, é uma pegadinha pra falar de literatura.” E GREG complementa: “A peça fica na esquina do poema com a piada.”

 

 

 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Gregório Duvivier

Direção: Luciana Paes

 

Interpretação: Gregório Duvivier

 

Direção Musical e Execução da Trilha Sonora: Pedro Aune

Criação Visual e Projeções: Theodora Duvivier

Figurino: Elisa Faulhaber e Brunella Provvidente

Iluminação: Ana Luzia de Simoni

Costureira: Riso Monteiro

Fotos: Demian Jacob

Assessoria de Imprensa: Pedro Neves

“Designer” Gráfico: Laercio Lopo

Visagismo: Vanessa Andrea

Administração: Andréia Porto

Produção Executiva: Lucas Lentini

Produção: Pad Rok Produções Culturais - Clarissa Rockenbach e Fernando Padilha


 


 





 

SERVIÇO:

Temporada: De 06 a 24 de fevereiro de 2025.

Local: Teatro Carlos Gomes.

Endereço: Praça Tiradentes, s/nº - Centro – Rio de Janeiro.

Telefone: (21) 2224-3602.


Dias e Horários: Quintas e sextas-feiras, às 19h; sábados e domingos, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia entrada).

Classificação Indicativa: 12 anos.

Duração: 70 minutos.

Gênero: Monólogo.


 



  “O CÉU DA LÍNGUA” é uma COMÉDIA poética, na qual o artista “usa o seu discurso sedutor, para convencer o público de que tropeçamos, diariamente, na poesia, e o assunto é prazeroso e divertido”. Sim, GREGÓRIO consegue isso, com seu inimitável talento. Cumpre dizer que o espetáculo teve sua estreia, primeiro, em Portugal, como parte das comemorações dos 500 anos de Luís de Camões, onde foi recebido com grande sucesso, de público e de crítica, em novembro do ano passado. É uma pena que a temporada carioca seja tão curta! Este espetáculo é para atravessar anos em, cartaz.


 

 




FOTOS: DEMIAN JACOB

 

  

GALERIA PARTICULAR

(Foto: João Pedro Bartholo)



Com Gregório Duvivier.



 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!

 

 



















 
























































 

 

































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