“O JULGAMENTO
DE ZÉ BEBELO”
ou
(NEM MELHOR, NEM PIOR QUE OS DOIS PRIMEIROS; APENAS MAIS UM
EXCELENTE ESPETÁCULO.)
ou
(GUIMARÃES ROSA
É ETERNO.)
ou
(UM ESPETÁCULO
QUE TRANSPIRA BRASILI
Muito feliz o momento em que o ator GILSON DE BARROS, apaixonado, como eu, pela obra de JOÃO GUIMARÃES ROSA, meu escritor
brasileiro favorito, ao lado do “hors-concours” MACHADO DE ASSIS, resolveu adaptar, para o palco, a obra máxima do
escritor mineiro, o imenso ROSA, “Grande
Sertão Veredas”, um dos mais notáveis livros da literatura brasileira, numa
trilogia,
com cada unidade focada numa de suas partes. O espetáculo em tela é o último da
referida proposta, que já se deteve em “Riobaldo” e “O Diabo na Rua, no Meio do
Redemunho”, espetáculos que já mereceram críticas minhas: https://oteatromerepresenta.blogspot.com/2024/01/riobaldo-ou-um-aulao-de-talento-e.html
e https://oteatromerepresenta.blogspot.com/2024/01/o-diabo-na-rua-no-meio-do-redemunho-ou.html.
SINOPSE:
“O
JULGAMENTO DE ZÉ BEBELO” transporta o público para o contexto
da transição entre a República Velha e o início do
governo de Getúlio Vargas, traçando um panorama detalhado do sistema
jagunço e do poder dos coronéis.
Zé Bebelo, um chefe
jagunço rival, é derrotado, na guerra, pelos homens de Joca Ramiro e, em vez de
ser executado, como de costume, exige um julgamento “correto e legal”.
Essa passagem, além de ilustrar um
pluralismo jurídico no sertão, apresenta uma teoria da justiça única, em que Joca
Ramiro, o chefe dos chefes, assume o papel de juiz, garantindo a Zé
Bebelo o direito à defesa, com todas as garantias de um processo
civilizado.
Não vou me estender muito na análise deste espetáculo, uma
vez que poderia transpor para esta crítica tudo o que escrevi nas duas anteriores, visto que todos os elementos presentes nas duas primeiras montagens
se repetem nesta, com a mesma intensidade, a partir da mesma FICHA TÉCNICA e do idêntico grau de
excepcionalidade da parte do ator.
A peça é apresentada em forma de um monólogo, dirigido por um
dos mais importantes homens de TEATRO deste país, AMIR HADDAD, cofundador
do emblemático “Teatro Oficina”, hoje rebatizado como “Uzyna Uzona”, onde
dirigiu produções notáveis e recebeu reconhecimento pela sua habilidade na
direção. AMIR também é fundador, e
se dedica a ele até hoje, de um dos grupos teatrais mais influentes do Brasil,
o “Tá
na Rua”. Para a alegria dos brasileiros, aos 87 anos, AMIR não perdeu nada de sua
criatividade e “abençoada loucura mansa”, como eu, carinhosamente, o vejo,
continuando ativo, liderando o “Grupo Tá Na Rua”, além de, sempre
que convidado, dirigir ou supervisionar espetáculos de tantos outros renomados
artistas, sempre sucessos garantidos.
Costuma-se dizer que “o cinema é a arte do diretor”, da
mesma forma como “o TEATRO é a arte do ator”, com o que concordo, acrescentando
que, num palco, quem representa, sem contar com as lentes e os truques que a
sétima arte oferece, tem a oportunidade de demonstrar mais o seu talento na
sublime tarefa de interpretar. Mas acrescento que isso só pode acontecer em sua
plenitude, se o ser actante contar com um bom texto. No caso de “O JULGAMENTO DE ZÉ BEBELO”, o que pode
ser dito sobre a obra de GUIMARÃES ROSA?
Absolutamente mais nada, além do que, até hoje, já se falou e escreveu sobre o
inimitável escritor. Sua narrativa, recheada de neologismos, é
inconfundível e, mesmo que o leitor/espectador nunca tenha ouvido alguns dos
termos cunhados por ROSA, é certo
que irá entender o que ele deseja comunicar, pelo contexto. Particularmente,
saboreio, como um “manjar dos deuses”, cada uma dessas contribuições à língua
portuguesa.
AMIR HADDAD,
cônscio de que a montagem tem como uma das “cerejas do bolo” o trabalho do ator
–
a outra, evidentemente, é o texto -, se mostra um profissional bastante
generoso, demonstrando muita inteligência e sensibilidade, ao deixar o ator
bastante à vontade, para a construção da exegese. A linha assumida pela direção
é a mesma utilizada nas duas peças anteriores. Em time que está ganhando, não
se mexe. Seguindo, então, essa sua visão de diretor, AMIR não privilegia elementos de sustentação de uma peça teatral, cenografia
(JOSÉ DIAS, também
responsável pela direção de arte), figurino (KARLLA DE LUCA) ou iluminação
(AURÉLIO DE SIMONI), dado
que texto e atuação já se sustentam por si próprios. Apoia-se firmemente, isso
sim, na regra que diz que “menos é mais”. E acerta, mais uma
vez.
Gilson Barros e Amir Haddad.
Também não julgo necessário falar, em detalhes, do estupendo
trabalho de ator de GILSON DE BARROS,
além do que já escrevi nas duas críticas anteriores, já que a correção como o
ator se apresentou naquelas duas montagens aqui se repete. GILSON atua com a maior naturalidade possível, como um contador de “causos”,
que se torna impossível, para o espectador, permitir que seja rompido o elo formado entre plateia e palco. São pausas perfeitas, diferentes vozes para
vários personagens, um domínio das expressões corporais – apenas da cintura
para cima, visto que atua sentado, e isso não torna o espetáculo moroso ou cansativo – e faciais, entonações justas... Ouvir e ver a interpretação de GILSON DE BARROS é um deleite total,
que não desejamos que acabe. O tempo parece galopar, sobre um garboso puro-sangue
inglês, além da velocidade normal. Viro uma “estátua de sal”,
hipnotizado pelo que sai da boca do ator.
Assim como os dois primeiros solos da trilogia, este
espetáculo traz à tona a complexidade da justiça e da moral no sertão
brasileiro, o das Gerais, com uma encenação que reflete os estudos intensivos da riquíssima
obra do genial escritor. Retirado do “release” a mim enviado por JÚLIO LUZ, assessor de imprensa da
peça, “A montagem preserva a especificidade da linguagem poética de GUIMARÃES
ROSA, utilizando técnicas de interpretação narrativa, que permitem uma imersão
profunda na história, respeitando a riqueza linguística do autor”, nas
palavras de GILSON DE BARROS.
Este espetáculo só funciona em espaços acanhados, como o do "Futuro
– Artes e Tecnologia", por seu aspecto bastante minimalista. No palco, apenas
um banco de jardim, onde o ator fica sentado, do primeiro ao último momento,
vestindo um elegante traje – calça e camisa de linho, em tons pastéis e um
chapéu “de coronel” – sob uma discreta luz que não muda, do início ao
fim da representação. Segundo o diretor, “O espaço cênico minimalista, com poucos
elementos visuais e sonoros, foi concebido para não sobrecarregar a narrativa,
criando um ambiente propício a que o espectador se entregue à força da história
e às questões universais que permeiam a obra”. Jamais poderia ser de
outra forma e é por isso que o espetáculo é tão bem recebido pelas plateias e
consegue lotar as casas de espetáculo, ganhando elogios por parte de gente que entende
como deve ser construída a magia do TEATRO, mas também pelo público
comum.
Pela excepcionalidade desta produção, tudo leva a crer que
colherá os mesmos frutos que as duas anteriores conquistaram, na forma de
indicações a prêmios e algumas concretizações.
Para
os amantes da obra roseana e aqueles que desejam se inteirar mais dela, como
parte da programação cultural do “Futuro
– Artes e Tecnologia”, estão em andamento, todas as quintas-feiras, às 19h, um
ciclo de palestras, com entrada gratuita, dedicado ao universo do livro “Grande
Sertão: Veredas”, sob a curadoria de GILSON
DE BARROS, contando com a participação de professores renomados das
universidades UFRJ, UERJ, PUC e UFF,
trazendo diferentes perspectivas e reflexões sobre a obra de GUIMARÃES ROSA. Recomendo esse “a mais”.
Basta conferir a programação do “Futuros – Arte e Tecnologia”, no seu “site”
oficial.
Com
muita propriedade, GILSON DE BARROS,
antes do início da peça, depois de receber, gentilmente, cada espectador,
dirige-se à plateia para uma breve explicação do que o público verá no palco.
Julgo muito pertinente essa atitude, considerando-se que a obra de GUIMARÃES ROSA não é “água
com açúcar” e carece de que seja apresentada “em língua de gente”,
para que todos possam ter a mesma agradável experiência. De forma bastante
didática, o ator faz uma analogia muito bem feita, por sinal, da figura do “jagunço”
do sertão com a de um “miliciano” do asfalto.
FICHA TÉCNICA:
(Como, durante o mês de fevereiro/2025, quem desejar poderá assistir às três montagens, uma a cada dia – O QUE EU REECOMENDO -, aqui está a FICHA TÉCNICA dos três espetáculos:
“RIOBALDO”
A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa
Recorte e Atuação: Gilson de Barros
Direção:
Amir Haddad
Cenário e
Figurinos: Karlla de Luca
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Programação
Visual: Guilherme Rocha e Pedro Azamor
Fotos e Vídeos:
Renato Mangolin
“O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO”
A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa
Recorte e Atuação: Gilson de Barros
Direção:
Amir Haddad
Cenário e
Direção de Arte: José Dias
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Programação
Visual: Guilherme Rocha e Pedro Azamor
Fotos e Vídeos:
Renato Mangolin
“O JULGAMENTO DE ZÉ BEBELO”
A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa
Recorte e Atuação: Gilson de Barros
Direção:
Amir Haddad
Cenário e
Direção de Arte: José Dias
Figurinos:
Karlla de Luca
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Programação
Visual: Guilherme Rocha e Pedro Azamor
Fotos e Vídeos: Renato Mangolin
Realização:
Barros Produções Artísticas Ltda.
SERVIÇO:
Temporada:
“O JULGAMENTO DE ZÉ BEBELO” – De 24/01 a 09/02 e 16 e 23 de
fevereiro de 2025.
“RIOBALDO” – De
14 e 21 de fevereiro de 2025.
“O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO” – De 15 e 22 de fevereiro de 2025.
Horário:
Sempre às 19h.
Local: Futuros
- Arte e Tecnologia.
Endereço:
Rua Dois de Dezembro, nº 63 – Flamengo – Rio de Janeiro (próximo à estação
Largo do Machado, do metrô).
Capacidade:
63 lugares.
Valor dos
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada).
Duração:
70 minutos.
Classificação
Etária: 16 anos.
Se o leitor não teve a oportunidade de assistir aos dois
solos anteriores, recomendados por mim, como também merece a
minha recomendação “O JULGAMENTO DE ZÉ BEBELO”, ainda há a oportunidades
de assistir a eles, visto que as três peças apresentam tramas
independentes e podem ser conferidas na ordem em que o espectador preferir: “Riobaldo”, nos dias 14 e 21 de fevereiro,
e “O
Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”, em 15 e 22 de fevereiro.
FOTOS: RENATO MANGOLIN
GALERIA PARTICULAR:
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais.
Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro!
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