quarta-feira, 22 de maio de 2024


“A JORNADA

DE UM HERÓI”

ou

(FALTAM RECUR$O$

E SOBRA TALENTO.)

ou

(A “SOFISTICAÇÃO” 

DE UMA SIMPLICIDADE NO PALCO.)




         Venho, nos últimos anos, mais especificamente nos dois anteriores, me aborrecendo, profundamente, com os critérios que vêm sendo empregados no julgamentos e premiações referentes a espetáculos de TEATRO. Não aceito, de jeito nenhum, que se privilegie e valorize este ou aquele artista, este ou aquele grupo, por questões de raça, gênero, orientação sexual, condição socioeconômica, região de origem e “otras cositas más”. Acho tudo isso deplorável!!! Quando sou apresentado a uma produção teatral, só tenho olhos para o TALENTO dos envolvidos no projeto e a QUALIDADE do que me oferecem. Não me interessa se o elenco é branco, preto, amarelo, azul, laranja, cor de rosa... Se os atores são indígenas ou não; se Fulano(a) é homem, mulher ou se apresenta como LGBTQIA+ e o resto do alfabeto; se nasceu em berço de ouro e anda de carro próprio ou se mora numa favela e enfrenta o horror do transporte público. E quem não aceitar a minha opinião, que coma menos! Não estou a fim de alimentar discussões, porque não mudarei de opinião. Cada um que fique com a sua!.

 

 

 

         Feito o “desabafo” supra, passo a escrever, com muito prazer e a certeza de dever cumprido, sobre um espetáculo que, há dois anos, vem sendo apresentado, em várias temporadas ou apresentações avulsas, em locais os mais diversos possíveis, inclusive fora do Rio de Janeiro, mas que só agora, no último sábado (18 de maio de 2024), pude conhecer e que me impactou tremendamente. Justifico o fato de não ter assistido, até dias atrás, a esse excepcional espetáculo pelo fato de ele ter sido encenado em locais de difícil acesso, para mim, e/ou por falta de sintonia entre as nossas agendas. Mas o que importa é que vi, gostaria de rever e já vou logo RECOMENDANDO. Falo de “A JORNADA DE UM HERÓI”, um monólogo escrito e interpretado por MATEUS AMORIM, um talentosíssimo artista, de apenas 22 anos, que precisa, urgentemente, ser descoberto para o grande público. Seu trabalho de artista, como dramaturgo e, principalmente, como ator, merece ser conhecido por quem aprecia o bom TEATRO. O solo conta com a primorosa direção de ALEXANDRE O. GOMES, responsável pelaEscola Fábrica de Atores” - ou "dos" - de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense.

 


 

 

SINOPSE:

Após ter sido demitido de uma fábrica de carvão, ao questionar a diminuição do seu tempo de almoço, que passa de dez para cinco minutos, José (MATEUS AMORIM) vai atrás do seu Fundo de Proteção e Garantia ao Trabalhador Desempregado, como única opção de sustento de sua família.

Tal como os heróis de Homero, José enfrenta monstros e diversos outros perigos ressignificados nas dificuldades cotidianas de um homem negro, pobre, semianalfabeto e desempregado, marcando uma verdadeira epopeia urbana, em que os percalços de um ônibus cheio, uma fila quilométrica e um esnobe gerente de banco, escancaram, na resistência de José, o seu heroísmo.

 

 

 

O espetáculo narra o cotidiano de um operário, um homem negro, pobre, periférico e analfabeto, vítima de exploração, por meio de um trabalho análogo ao regime de escravidão, insalubre, numa fábrica de carvão. Após sua demissão, José embarca numa épica jornada, para chegar ao banco e alcançar o seu objetivo: conseguir o Fundo de Proteção e Garantia ao Trabalhador Desempregado, um direito seu, que lhe é dificultado, de todas as formas; o que lhe é devido e que se torna tão distante. Surgiu de um esquete, vencedor do “FESTU” (“Festival de Teatro Universitário”), nas categorias Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Texto Original, Melhor Cenografia, Melhor Iluminação e Melhor Esquete. 6 prêmios e um total de 9 indicações. 

 

 

 

   É o primeiro trabalho que conheço feito por gente oriunda da Escola Fábrica de Atores e Materiais Artísticos” (“FAMA”), ou, simplesmente,  Escola Fábrica dos Atores”, como é mais conhecida, uma iniciativa que nasceu em 2001, em Nova Iguaçu, oferecendo aulas de TEATRO para a comunidade, sobrevivendo a partir de doações e editais, sem nenhum patrocínio, sob a orientação de ALEXANDRE O. GOMES, ator, diretor e um dos fundadores da companhia, o qual, no ano passado, se sagrou vencedor, na categoria “Melhor Iluminação”, por este espetáculo, num famoso prêmio de TEATRO, do Rio de Janeiro. É cobrado um valor simbólico aos alunos, pelas mensalidades, entretanto os que não tiverem condições de pagar são acolhidos da mesma forma e com a mesma atenção. O maior objetivo da “Escola” é contribuir para a formação de atores e cidadãos conscientes, promovendo, assim, uma transformação social por meio da ARTE. “A ‘Escola Fábrica dos Atores’ é um exemplo inspirador de resiliência e compromisso social, e merece todo o apoio e reconhecimento pela sua contribuição à cultura e à comunidade.”. Li a frase em algum lugar, concordo com quem a escreveu e, por isso mesmo, despudoradamente, dela aqui me aproprio.

 

 


   Segundo o escritor e mitologista norte-americano Joseph Campbell (1904 / 1987), A Jornada do Herói”, ou monomito, é um conceito de jornada cíclica presente em mitos. “Como conceito de narratologia e mitologia comparada, é o modelo comum de histórias que envolvem um herói, que parte em uma aventura, é vitorioso, em uma crise decisiva e retorna à casa mudado ou transformado.”. O mito é um herói. Ou não seria bem assim? O conceito popular e genérico que se tem sobre o que se pode considerar um “mito”, a meu juízo, nunca ficou muito claro e definido entre os homens, tornando-se totalmente desgastado e muito longe de seu significado real nos últimos anos, entre nós, brasileiros, com o surgimento de uma nefasta liderança política neofacista, de extrema direita, negacionista, incompetente e perversa, que promoveu e o caos, no Brasil, levando o país a um retrocesso de décadas.

 

 

 

  E sobre o herói? Quem é o verdadeiro herói, ou pode ser assim considerado. É outro vocábulo que perdeu seu real sentido, hodiernamente, a ponto de um apresentador de TV, num programa de extremo apelo popular, se referir aos competidores do “reality show”, chamando-os de “heróis”. Herói de quê? Por quê? Quem são os verdadeiros heróis? São os milhões de "josés", representados pelo protagonista da peça aqui comentada. É aquele que “tem que matar não um leão por dia, mas uma alcateia deles”, para garantir a sua sobrevivência e a daqueles que lhe são caros, com um mínimo de dignidade. É o “josé” que sofre todo tipo de preconceito e perseguição; que é explorado; que não tem direito a uma educação digna, a uma saúde compatível com o que merece um ser humano; é aquele de quem é, covardemente, roubado o direito de estudar, para garantir um futuro melhor...

 

 

 

  É por isso que “A JORNADA DE UM HERÓI” faz tanto sucesso. Porque trata de um assunto tão comum e “batido”, que, porém, jamais deve ser ignorado e discutido. E, também, por ser uma forma de denunciar as injustiças praticadas por uma sociedade apática, quando deveria ser empática, uma sociedade indiferente, fechada, fria, que não se permite ser tocada pelo sentimento alheio. É claro que isso é em termos gerais; há, felizmente, as exceções. E MATEUS AMORIM faz isso de forma simples, direta e dinâmica, por meio da vertente do humor. Sobre tal utilização, pode parecer que não combine tratar um tema tão árido e triste com pinceladas que provocam risos, contudo é sempre bom lembrar que todo humor é crítico e que “o que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e medida”, como já dizia o poeta e compositor Billy Blanco, na canção “Canto Chorado”. Sobre a questão do humor no espetáculo, diz ALEXANDRE O. GOMES, o “maestro da orquestra”: “Nada é tão inclusivo como uma boa comédia, porque o riso atrai as pessoas, desarma a todos e provoca a reflexão. É uma comédia política, que busca, através desse gênero, se comunicar com todas as classes sociais, principalmente as menos favorecidas”. E que bom que ele atinge os “josés” e os “não-josés” empáticos!

 

 


 

  Sobre o embrião da peça, tudo teve início em 2020, durante a pandemia de COVID-19, quando os estudantes do Laboratório de Estudo e Criação do Movimento, terceiro módulo da Escola Fábrica dos Atores, desenvolveram cenas curtas, para serem apresentadas, no mês de junho, no formato “on-line”, para uma mostra chamada “Solos Reflexivos”. Uma delas era “A JORNADA DE UM HERÓI”, que foi gravada, em vídeo, no Teatro Ipanema, e veiculada, pelo Youtube, dentro do já citado “FESTU”, o que deu mais capilaridade ao trabalho. Tratava-se de uma competição, em nível nacional, vencida pelo grupo, o que lhe rendeu um prêmio no valor de R$ 30.000, para que o esquete fosse transformado numa peça de TEATRO, para ser montada e exibida ao público, tão logo os Teatros fossem reabertos. O processo transcorreu em dois anos, de 2020 a 2022.  Foi o início de uma promissora carreira de sucesso, mais que merecido.

   

 

 

          O texto é muito bem escrito, do ponto de vista dramatúrgico. A direção soube criar as cenas da forma mais dinâmica e criativa possível, contando com a participação de uma competente equipe de profissionais, cada um no seu ofício, o que, evidentemente, agregou mais qualidade à montagem. Falo do cenário, tão simples quanto criativo, engenhoso e significativo, obra de ALESSANDRA FERNANDES, que também assina o figurino da peça, totalmente acorde com a proposta do espetáculo e o personagem. O próprio diretor ocupou-se da linda iluminação, que, como já dito, lhe rendeu uma premiação. ALEXANDRE também responde pela direção de movimento, que explora, ao máximo o talento de MATEUS AMORIM, para mim, a grande revelação de ator dos últimos tempos. Além de estar sempre atenta ao seu trabalho de contrarregragem, importantíssimo na encenação, KAREN MENEZES, também aluna da “Escola”, participa, como atriz, em algumas cenas, num correto apoio coadjuvante.  


 

 



(Foto: Gilberto Bartholo.)

 


FICHA TÉCNICA:

Texto: Mateus Amorim
Direção: Alexandre O. Gomes

Atuação: Mateus Amorim

Cenário: Alessandra Fernandes

Figurino: Alessandra Fernandes
Iluminação: Alexandre O. Gomes

Direção Musical: Adilson Muniz
Direção de Movimento: Alexandre O. Gomes
Contrarregra: Karen Menezes

Cenotécnico: Carlos Elias

Desenhos: Jean Carvalho
Preparação Vocal: Jane Celeste
Preparação Musical: Adilson Muniz
Trilha Sonora Original: Mateus Amorim
“Design” Gráfico: Fernando Alax @casa136laranjeiras
Assessoria de Imprensa: Monteiro Assessoria – Laís MonteiroMídias Digitais: Amanda Sibanto
Fotos: Sérgio Danilo
Direção de Produção: Fernando Alax @casa136laranjeiras

Produtora Executiva: Alessandra Fernandes

Realização: Escola Fábrica dos Atores

 


 


 

 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 02 de maio a 01 de junho de 2024.

Local: Teatro Léa Garcia (antigo Teatro dos Correios).

Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, nº 20, Centro, Rio de Janeiro – RJ

Dias e Horários: De quinta-feira a domingo, sempre às 19h.

Valor do Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).

Duração: 70 minutos.

Classificação Etária Indicativa: 12 anos.

Gênero: COMÉDIA Dramática.


 

 


 

         “A JORNADA DE UM HERÓI” não é, como pode, a princípio, até parecer, uma peça para divertir; também o é, porém, antes de qualquer coisa, deve ser encarada como um espetáculo que convida, e consegue levar, o público a refletir sobre questões da sociedade contemporânea, como o racismo estrutural, as relações de trabalho abusivas e desigualdades sociais, de uma forma geral, por meio de uma linguagem popular, de fácil assimilação. Merece os mais calorosos aplausos e todo o respeito a “Escola Fábrica dos Atores”, que se dedica a oferecer novas perspectivas aos jovens da comunidade de Nova Iguaçu e arredores, além de já ter formado diversos artistas que, no momento, atuam profissionalmente, como apurei. E, a julgar pelo trabalho de MATEUS AMORIM, afirmo, categoricamente, que a “Escola” merece mesmo ter esse vocábulo em seu título. Só espero que, depois de ler estas considerações sobre a peça, o maior número possível de apreciadores da ARTE CÊNICA trate de assistir logo ao espetáculo, em sua reta final de temporada. E que venham outras! Serão sempre muito bem-vindas!

 

 

 

 


FOTOS: SÉRGIO DANILO

 

 

 

GALERIA PARTICULAR

(Fotos: Produção do espetáculo.)





(Com Mateus Amorim.)





(Idem.)



(Com Mateus Amorim, Karen Menezes 
e Alexandre O. Gomes.)




VAMOS AO TEATRO!

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A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

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