quarta-feira, 8 de agosto de 2018



QUARTO 19


(UMA DAS MELHORES SURPRESAS
TEATRAIS EM 2018,
NO RIO DE JANEIRO.)







            Não é comum - um fato raro, mesmo - eu escrever sobre um espetáculo que já saiu de cartaz, mas, como, por estar fora do Brasil, só pude assistir a ele na última semana em que esteve em cena, no Teatro Poeirinha, e porque se trata de uma magnífica peça e tenho esperança de que os DEUSES DO TEATRO não vão permitir que só fique na primeira temporada, no Rio de Janeiro, resolvi dizer o que ele representou para mim, na noite de 26 de julho de 2018.

Sabe quando você sai do Teatro completamente impactado, mexido, sem saber se volta para casa ou o que faz da vida? Aconteceu, naquela noite, comigo, depois de ter assistido ao fantástico monólogo “QUARTO 19”, no Teatro Poeirinha. Incrível é o texto, de DORIS LESSING, a 11ª mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, e mais incrível, ainda, é a irretocável interpretação de AMANDA LYRA, indicada ao Prêmio Shell SP, na categoria de MELHOR ATRIZ.

O solo, um drama, que foi concebido, com algumas “intervenções”, a partir de um esplêndido conto da consagrada e premiada escritora britânica DORIS LESSING, falecida em 2013, (“To Room Nineteen”) “conta a história de uma mulher de classe média, casada e com três filhos, que se vê despersonalizada pelo casamento burguês, pela maternidade e pela fragmentação de sua identidade feminina”, segundo o “release” da peça, enviado por STELLA STEPHANY (JSPONTES COMUNICAÇÃO).

            O espetáculo, desde sua estreia, na ex-Cidade Maravilhosa, se tornou um fenômeno, grande sucesso de público e de crítica, sempre com lotação esgotada, aclamado, por unanimidade, como um dos melhores, até agora, apresentados no Rio de Janeiro, neste ano de 2018, ainda que feito por pessoas desconhecidas pelo grande público carioca. Antes de aportar no Rio, a peça fez temporadas muito bem sucedidas em São Paulo, onde estreou em março de 2017.











SINOPSE:

A peça conta a história de uma mulher de classe média, que vive o que se conhece como uma vida perfeita: tem um marido bonito e amoroso, três lindos filhos, uma bela casa, dinheiro, estabilidade material. Vive o que se convencionou chamar de um ”amor inteligente”.

Após anos sem trabalhar fora, por escolha própria, para se dedicar à criação dos filhos, ela espera o momento em que o mais novo entrará para a escola, quando, finalmente, voltará a ter algum tempo para si.

Mas, quando isso acontece, ela não encontra, dentro de si, a liberdade que buscava.

Numa tentativa de se livrar da irritação doméstica e do intenso ritmo familiar, ela decide alugar um quarto de hotel, diariamente, no período das 10h às 17h, três vezes por semana, no Centro da cidade - o quarto 19.

É lá que ela procura preencher o seu vazio e se sentir um ser humano pleno.

Dizer mais seria tirar, do público, as surpresas que o espetáculo oferece.











            É interessante notar que as questões abordadas pelo texto, embora sejam direcionadas à mulher, não somente a uma determinada mulher, a protagonista, também se aplicam aos homens. É um problema de qualquer ser humano. Qualquer um é capaz de se ver, por outros vieses, na pele da personagem. Percebe-se, na plateia, pelas reações de algumas pessoas, que elas se sentem mais tocadas pelas palavras e ações da personagem, o que é muito natural, já que o TEATRO é, ou pode ser, uma imitação da vida.

            O espetáculo ganha uma dimensão mais ampla, em função do momento em que vivemos, quando a mulher assume um papel que lhe é devido, de empoderamento, de imposição de seu valor numa sociedade, até agora, marcada pelo tom machista, mas que, à custa de muita luta e persistência do, nada verdadeiro, “sexo frágil”, começa a ganhar novos contornos.

Ainda retirado do “release”, anteriormente citado, “Nesse conto, LESSING aborda, com simplicidade e força, alguns de seus temas mais persistentes, como o cabo de força entre o desejo humano e os imperativos do amor, da traição e da ideologia; as tensões entre o doméstico e a liberdade; a responsabilidade e a independência. A construção da identidade, o trabalho para estabelecê-la, defini-la e refiná-la, talvez seja o fio que liga toda a obra de LESSING”.

            Apesar de o conto “To Room Nineteen” ter sido publicado em 1963, seu texto continua atual, e isso é perturbador e preocupante. Como, em mais de meio século, as coisas não mudaram? O ser humano não evoluiu? Não consegue se descobrir, não tem condições administrar a sua vida, de encontrar o caminho para a felicidade? Não consegue de livrar do labirinto em que se vê envolvido e peredido? Não consegue fugir de um final trágico, ainda que “libertador” (Não darei “spoiller”.)?

            Viver uma vida de aparências, “pollyannesca”, sendo uma vitrine decorada, para os outros, porém um ser humano oco de verdades e realizações, interiormente, não pode fazer bem, não é o que merece um ser humano. A personagem vive uma situação aparentemente harmoniosa, de felicidade, tudo aquilo que se possa desejar. Vive um casamento movido a um “amor inteligente”, o que representa um amor regido pela cartilha da razão, em torno da qual tudo, ou quase tudo, gira, na vida, fazendo com que atinjamos o que supomos ser a felicidade, tudo funcionando azeitadamente e, cada vez mais, nos aproximando dos nossos objetivos. “Um casal que vive a vida a dois, baseados na razão, vive o que chamamos de ‘amor inteligente’. As pessoas acham que o amor precisa ser uma emoção, mas a verdade é que o amor, para dar certo, precisa ser racional. (...) Muitas vezes você não quer fazer algo que seu par gostaria de fazer. Talvez você nem goste daquilo, mas faz exatamente para poder agradar seu amor, ou seja, você age racionalmente, para não causar desconforto dentro da vida a dois. Isso significa que você age com inteligência e, assim, você sabe que evita muitas brigas. O ‘amor inteligente’ funciona (até a página cinco – grifo meu), porque ele é racional, ele não dá espaços para emoções interferirem nas decisões. Quando você usa a sua inteligência para levar o seu relacionamento, ele tem tudo para dar certo. Quando você usa a emoção, prepare-se para ficar sofrendo” (extraído de um texto de Alan Ribeiro, responsável pelo “site” sobrerelacionamento.com.).

            Embora publicado há mais de cinco décadas, o texto é totalmente atemporal e universal, mesmo com todo o avanço do movimento feminista no mundo, e “...vai além de um retrato da condição da mulher. O conto de LESSING questiona o ideal de felicidade da família burguesa, o modelo social racional e inteligente que soterra nossa sensibilidade, nossa selvageria. É uma grande tarefa lutar pela sobrevivência da própria identidade numa sociedade com modelos tão sufocantes. O quarto 19, aqui, é mais do que um espaço físico. Ele é uma metáfora de libertação. Um espaço/estado onde qualquer pessoa pode ser o que quiser, a despeito do que se exige dela na sociedade.” (extraído do “release”).

            O ser humano tem seus limites, para suportar tudo, inclusive o que lhe “faz feliz”, até o momento em que se descobre infeliz, incompleto, pela metade, levando uma vida sem sentido, e é capaz de partir para qualquer situação que lhe preencha, que lhe traga um sentido para a vida. E é o que faz a personagem, que tem nome, no conto original, assim como seu marido, mas que, nesta adaptação, muito inteligentemente, foram trocados por ELA e ELE, respectivamente. ELA e ELE. Quem são? Podem ser pessoas da plateia, alguém de nossa família ou do nosso círculo de amigos; ou o nosso chefe, o/a nosso/a companheiro/a, amigo/a; ou um inconveniente qualquer “ser feliz”, que gira na nossa órbita.

            A pior condição, para um ser humano, é se sentir prisioneiro de alguém ou de algo; é não conseguir ser autêntico, viver o que lhe vai na alma, se sentir completo, na sua plenitude total. Isso não é vivenciado pela personagem e ela parte, no escuro, à procura de si mesma, à cata de um “recheio”, para o seu vazio, e paga um preço muito alto por essa “ousadia”. Mas sempre é preciso arriscar. Vai que dá certo...

            Trata-se de um espetáculo de suprema qualidade, quer pela beleza do texto, em terceira pessoa, com surpreendentes toques de primeira, vez por outra, pela adaptação do conto, pelos elementos cênicos, de uma grande simplicidade e de tanta simbologia, como o lindo cenário, de MARISA BENTIVEGNA, que se resume numa parede, ao fundo, um carpete e uma poltrona, tudo em verde claro, em tom pastel, que passam uma sensação de paz e de profundidade, de um não-fim ou de um “eterno procurar”. MARISA também assina uma luz clara e quase, durante todo o tempo de duração da peça, perene, sem alterações.

            A própria AMANDA LYRA, que protagoniza o espetáculo, é responsável pelo figurino, simples, do cotidiano de uma mulher comum, de classe média, considerado, no “release”, “realista”.         

            LEONARDO MOREIRA, que também participa da adaptação, assina uma bela direção, na qual parece deixar a atriz muito livre, para desenvolver seu talento e passar o recado que a autora do texto deseja, embora sua participação, nesta montagem, seja muito importante, nas marcações e em alguns detalhes percebidos no comportamento de AMANDA em cena.

            O que mais me chamou a atenção, neste espetáculo, foi o trabalho de atriz, de AMANDA LYRA, o qual, infelizmente, eu, até então, não conhecia. Neste solo, AMANDA conseguiu uma unanimidade do público, por seu talento inquestionável e indescritível, que fez com que, por meio da divulgação de boca em boca, a peça se transformasse um “objeto de consumo” de todos os que amam o bom TEATRO. Conheço dezenas de pessoas que se lamentam por não terem assistido à peça, porque não conseguiam comprar ingressos, todas muito tristes por não terem tido a oportunidade de conhecer um grande potencial de interpretação, que AMANDA LYRA tem. Agradeço aos DEUSES DO TETRO, a oportunidade de poder ter aplaudido e de fazer ecoar meus gritos de “BRAVA” a essa grande atriz, que me conquistou, por seu talento e presença em cena. Quero, sempre, ver tudo o que ela fizer, daqui para frente.













FICHA TÉCNICA:

Texto: Doris Lessing

Idealização, Tradução e Atuação: Amanda Lyra

Adaptação: Amanda Lyra e Leonardo Moreira
Direção: Leonardo Moreira
Cenário e Iluminação: Marisa Bentivegna
Figurino: Amanda Lyra
Criação de Som: Miguel Caldas
Preparação Corporal: Tarina Quelho
Assistente de Cenário: Amanda Vieira
Cenotécnico: César Rezende
Programação Visual: Roberto Taddei
Fotos: Cris Lyra
Direção de Produção: Aura Cunha
Produção Executiva: Rodrigo Fidelis
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany


















            “QUARTO 19” é uma daquelas peças que chegam modestamente, sem causar grande estardalhaço, contudo, arrebatam qualquer espectador, tão logo as luzes da plateia se apagam e o foco se direciona para o brilhante trabalho de AMANDA LYRA.
            Tenho a certeza plena de que irei rever a peça, caso tenha essa oportunidade, e encontrarei, na mesma plateia, você, que me lê e que, na certa, está com o coração aos saltos e com a “boca cheia d’água”, esperando para, também, poder saborear esse manjar dos deuses (do TEATRO).







E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O BOM TEATRO BRASILEIRO!!!


(FOTOS: CRIS LYRA / DIVULGAÇÃO.)
































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