POR ELAS
(O TEATRO PRESTANDO UM GRANDE
SERVIÇO, COMO MULTIPLICADOR DE ALERTAS COM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA CONTRA AS
MULHERES.)
Assisti, anteontem (15 de agosto de 2018), no Museu da Justiça –
Centro Cultural do Poder Judiciário (CCMJ), a um ótimo espetáculo de TEATRO documental, que, longe de ser fonte de
entretenimento, é, antes de tudo, um grito de alerta para um problema que
acomete as mulheres no mundo inteiro, notadamente no Brasil, que é a violência
de que elas são vítimas, por parte dos homens, sejam seus maridos, namorados,
companheiros e, até mesmo, os que não dividem, com elas, uma suposta relação de
afeto, como um policial, por exemplo, numa delegacia. Falo de “POR ELAS”, uma peça escrita a quatro mãos,
por SÍLVIA MONTE e RICARDO LEITE LOPES, dirigida por
aquela, oferecida, gratuitamente, a
quem tiver interesse em assistir a ela (VER
SERVIÇO.).
SINOPSE:
Um
grupo de mulheres, quase todas desconhecidas entre si, as quais, em comum, têm
a violência na sua vida amorosa, se
reúne, para falar sobre suas histórias.
Conforme
os relatos vão acontecendo, os conflitos, preconceitos, a dor e a própria
violência surgem no grupo.
A
peça aborda, acima de tudo, o
círculo da violência e do feminicídio, em razão da situação de
“submissão” e “inferioridade” imposta à mulher, por uma sociedade machista e
patriarcal, que precisa ser revista e transformada.
O
espetáculo reserva, ao espectador,
um final surpreendente, totalmente inesperado.
O que se vê e ouve, em cena, tudo reunido num comovente
e bem escrito texto, são situações-limite, com extrema carga de perigo,
covardia e injustiça, tudo baseado em fatos reais, pesquisados pelos
autores, SÍLVIA e RICARDO, este advogado, além de dramaturgo.
Como diz o “release” da peça, enviado por SHEILA
GOMES (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO), “Originada de retalhos de histórias reais, a dramaturgia
(...) passeia pelo épico e pelo dramático, pelos tempos presente e passado.”.
Ao entrar
na sala multiuso da APJ-Rio, o público
vê sete mulheres, sentadas em
banquinhos, circunspectas, e surge, logo, a curiosidade de se saber quem são elas
e que lugar é aquele. Elas são vítimas da violência
contra o sexo feminino, cada uma com uma história própria e mais triste e
revoltante que a da outra, com “ingredientes” distintos, personagens idem, entretanto convergindo para um mesmo ponto. Elas
são a voz de tantas mulheres espalhadas por todo o Brasil, com idades diferentes e pertencentes a classes sociais
diversas, do extremo de uma moradora numa favela (Recuso-me a utilizar o termo “comunidade”.) a uma mulher de alto nível
socioeconômico, “feliz” moradora de um dos prédios da avenida Vieira Souto, em Ipanema, Rio de Janeiro,
um dos metros quadrados mais valiosos deste país, passando por outras de classe
média.
Quanto
ao lugar em que elas se encontram, a dúvida, ou a não-revelação do qual seja,
se mantém, como um mistério, até o quase apagar do último refletor. E não sou
eu quem vai dar “spoiller”.
Todas
são vítimas de uma sociedade extremamente machista, opressora, cruel, que,
desde priscas eras, independentemente de credos, raças ou posições sociais,
maltrata as mulheres, a ponto de “seus” homens as considerarem um objeto de
consumo e de sua propriedade, podendo, portanto, a seu torto e torpe juízo, mantê-las
sob suas rédeas, como animais irracionais ou mercadorias, das quais se torna
fácil se desfazer, como e quando bem decidem fazê-lo.
A
dinâmica do espetáculo faz-nos crer
em se tratar de alguma sessão de psicanálise em grupo, ou algo parecido, com uma das sete
mulheres conduzindo os depoimentos. Estes vão sendo ilustrados, teatralmente,
por pequenas cenas, envolvendo a depoente e seu algoz. Todos os personagens
masculinos são interpretados por um só ator,
ANDERSON CUNHA, na sessão a que
assisti. Seu trabalho é alternado, em outros dias, com LUCAS GOUVÊA, outro ótimo ator.
Ainda
extraído do “release”, “A figura masculina – evocada pelas
lembranças das mulheres – provoca a reflexão do que o homem representa para
elas, dentro desse universo perverso de ‘amor e ódio’, ‘submissão e poder’, das
relações entre mulheres e homens, numa sociedade patriarcal e machista. Por
último, os coros de ‘mulheres’ e ‘homens’ espelham o sentimento, o preconceito,
a dor, a violência e as ambiguidades da nossa sociedade, frente à violência de
gênero.”.
Nas
palavras da diretora e idealizadora do projeto, SÍLVIA MONTE, “A
questão da violência contra a mulher é um tema que não pode deixar de ser
pensado na arena da dramaturgia brasileira. O TEATRO, ao representar os
conflitos e as ambiguidades do humano, acolhe e aproxima - de forma menos cruel
- as pessoas da realidade. O espetáculo se propõe a ser um espaço de
comunicação, sensibilização e visibilidade para o fenômeno da violência de
gênero. Precisamos pensar sobre essa questão, e o TEATRO é um lugar ideal para
atingir mentes e corações”.
Gostei
muito da peça, emocionei-me bastante com todas as situações desfiladas.
Nada era desconhecido para mim e, creio, para a grande maioria dos que faziam
parte daquela assistência, no entanto sentir aquela realidade, tão bem representada
por um elenco afinado bate mais forte e tenho certeza de que todos os
envolvidos no projeto estão conscientes de quão valioso é o serviço que estão
prestando, com seu trabalho, a uma causa que, felizmente, está ganhando corpo,
não tanto, porém, na mesma proporção em que aumentam as estatísticas com
relação às mulheres vítimas de homens violentos, animais irracionais, numa
selva ou num campo de pedra.
A montagem
é bastante simples, contudo nem por isso menos interessante. Pelo contrário.
Prende a atenção do espectador, do início ao fim e promove uma bela integração,
entre atores e público, já que estão tão próximos, graças às marcações da direção, a qual faz com que os personagens transitem entre as pessoas,
ocupando todos os vazios do espaço cênico.
SILVIA MONTE, cujo talento já havia identificado
em trabalhos anteriores, não tentou inventar a roda. Consciente de que o forte
do espetáculo é o texto, apenas conduziu os atores a
mergulhar, profundamente, em seus personagens
e deixar a emoção aflorar, resultando num trabalho em que dialogam o
naturalismo com o realismo. Há uma marca, muito interessante, por sinal,
algumas vezes repetidas, que simboliza a reação das pessoas, de uma forma
geral, quando testemunham situações brutais pelas quais passam as mulheres. Isso
está bem claro nos momentos em que as atrizes
que não estão participando, diretamente, da ação, voltam as costas para a
agredida da vez. Quanto a isso – é só
uma posição pessoal, que, ainda bem, encontra eco em várias pessoas – fica a
proposta de desconstrução de uma frase tão ouvida por nós, ao longo de nossas
vidas: “Em briga de marido e mulher, não se deve meter a colher”. Isso
já era. Devemos, todos, sim, meter a colher e o faqueiro inteiro, ligando para
a polícia (190) ou para o número 180 (Central de Atendimento à
Mulher), denunciando a barbaridade que esteja ocorrendo.
Ainda sobre a simplicidade da peça, ela
não conta com cenário; apenas há
sete banquinhos, em cena, e alguns praticáveis, à volta. E não precisava,
mesmo, de mais nada.
O figurino,
criado por LUCI VILANOVA, também
segue a linha da simplicidade. São todos na cor preta, sobre modelos muito
parecidos, com um ou outro pequenino detalhe, que não os torna uniformes, porém
a semelhança que há ente os trajes indica a intenção de mostrar que todas são “iguais”,
ou estão ali pelo mesmo motivo. Os detalhes em cada roupa correspondem às
peculiaridades das histórias de cada uma. Foi assim que decodifiquei os belos e
sóbrios trajes das atrizes. O preto
também está presente na roupa do único ator,
em todos os personagens que faz.
À proposta da montagem não cabe uma luz muito trabalhada e variada. ANA LUZIA DE SIMONI percebeu isso e nos oferece uma quase luz de salão,
com focos esparsos, em espaços e detalhes em que eles se fazem, realmente,
necessários.
A peça conta
com uma boa trilha sonora, de MAÍRA
FREITAS, com músicas originais “inspiradas a partir de elementos
sonoros das histórias dos personagens”.
Sem fazer qualquer destaque, visto que todos, no elenco, fazem um ótimo trabalho de interpretação, cito, aqui, os nomes dos que dele fazem parte, com
seus/suas respectivo(a)s personagens: ADRIANA SEIFFERT e GISELA DE CASTRO (SANDRA) – No dia em que assisti à peça, a personagem foi interpretada por GISELA.; ANA FLÁVIA (ÂNGELA);
LETÍCIA VIANA (MARIANA); DEBORAH ROCHA (MÔNICA); RENATA GUIDA (IEDA); ELISA PINHEIRO (DANIELA); ROSANA PRAZERES (JOSILENE); e ANDERSON CUNHA e LUCAS GOUVÊA (HOMEM – vários personagens masculinos) – No dia em
que assisti à peça, foi ANDERSON quem atuou.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Sílvia Monte e Ricardo Leite Lopes
Direção: Sílvia Monte
Diretor Assistente: Anderson Cunha
Elenco: Adriana Seiffert, Ana Flávia,
Deborah Rocha, Elisa Pinheiro, Gisela de Castro, Letícia Vianna, Renata Guida, Rosana
Prazeres, Anderson Cunha e Lucas Gouvêa.
Figurinos: Luci Vilanova
Assistente de Figurino: Monique Rosa
Trilha Sonora Original: Maíra Freitas
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Identidade Visual: Nena Braga
Fotografias: Vini Couto / Marcelo Carnaval
Operação de Som: Maíra Lemos
Operação de Luz: Cris Ferreira
Diretora de Produção: Viviani Rayes
Produtor Executivo: Yashar Zambuzzi
Produção: Rayes Produções Artísticas
Idealização: CCMJ
Realização: Poder Judiciário do Estado do
Rio de Janeiro
SERVIÇO:
Temporada: De 1º de agosto a 1º de setembro.
Local: CCMJ, Sala Multiuso, Antigo Palácio da Justiça.
Endereço: Rua Dom Manuel, 29 - Centro - Rio de Janeiro.
Dias e Horários: De quarta-feira a sábado, às 19h.
ENTRADA GRATUITA, COM DISTRIBUIÇÃO DE SENHAS ÀS 18h30min.
Recomendação Etária: 14 anos.
Duração: 80 minutos.
A possibilidade da apresentação deste espetáculo,
que tem VIVIANI RAYES, na direção de produção, e YASHAR
ZAMBUZZI, como produtor executivo, só existe graças a um
interessante projeto, chamado “Teatro na Justiça”, que já
patrocinou outras grandes montagens, sempre com ótimos espetáculos,
com temática ligada à justiça, como uma inesquecível “A Visita da
Velha Senhora”, de Friedrich Dürrenmatt, em 2015.
Recomendo muito a peça “POR ELAS” e acrescento que, todas as 4ªs feiras, após a sessão, acontece
um debate sobre o espetáculo e,
principalmente, o tema nele desenvolvido.
No dia em que tive o prazer de assistir à montagem,
pude, também, me deliciar com as palavras e os ensinamentos da renomada socióloga, escritora, professora e ativista dos direitos da mulher, JACQUELINE PITANGUY, que já foi
presidente do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher e, além de outras atividades, faz um belo trabalho na ONG CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa,
Informação, Ação).
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: VINI COUTO
e
MARCELO CARNAVAL.)
Gilberto!!! Querido, que análise profunda e, como de costume, valorizando ao máximo o trabalho dos profissionais do teatro. E seu trabalho tem sido não só precioso como fundamental para a cena carioca. Só quem ama teatro de verdade sabe compartilhar dessa forma. Muito obrigada. Você nos representa!!! Beijos, Gisela de Castro.
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