MOLÉSTIA
(TENSÃO E INTENÇÃO.
ou
AS APARÊNCIAS ENGANAM.)
O
Rio de Janeiro vem perdendo espaços
para o TEATRO numa proporção, infelizmente,
maior que a da abertura de novas salas. Ainda bem que o povo do TEATRO se adapta a essa triste
realidade, resiste bravamente, e aproveita qualquer novo espaço, para
desenvolver seus trabalhos, mesmo que isso seja feito “no grito”, sem
patrocínios e quase sem apoios, muitas vezes sem boas condições técnicas também.
No
Humaitá (Rua Visconde de Irajá, 98),
vem funcionando, já há algum tempo, um espaço alternativo, chamado Reduto, localizado num casarão,
abrigando um complexo gastronômico-cultural, com bares, restaurantes, um lindo
espaço externo e, o principal, uma sala para a apresentação de espetáculos intimistas, com acomodação
para um pequeno e privilegiado grupo de 30
pessoas. Foi lá que, no último sábado
(18 de agosto de 2018), tive a oportunidade de assistir a uma peça instigante, impactante, de temática
muito forte, pesada, mas que, nem por isso, não deve ser varrida para baixo do
tapete. Ao contrário, a montagem deveria
ser levada a um número maior de pessoas, uma vez que trata de um assunto que frequenta
os noticiários, diariamente, em todas as mídias. A peça aborda o abuso sexual praticado
contra crianças. Mais uma vez, infelizmente, a pedofilia é o foco de uma peça
teatral, desta vez, pelas mãos ainda incipientes de HERTON GUSTAVO GRATTO, um jovem e ator e poeta, que está
vendo seu primeiro texto dramático representado,
tornado público, sob uma excelente e
criativa direção, também de outro jovem ator, MARCÉU PIERROTTI,
o qual também se arrisca, pela primeira vez, num trabalho de direção.
Ainda
que bastante incomodado e mexido – o
TEATRO é ótimo para isso -, saí do Reduto
muito feliz pelo resultado do espetáculo
que me proporcionaram o autor, o diretor e o quarteto de atores.
SINOPSE:
O
casal BRENO (FELIPE DUTRA) e MABEL (CAMILA MOREIRA) hospeda, em sua
casa, CADU (CIRO SALES), amigo de
longa data, desde a infância, passada próximo a BRENO, dando oportunidade para aprofundarem suas relações dúbias de
amizade e atração física. O casal é pai de THIAGO,
um menino cuja idade não é revelada, mas fica patente que é muito pequeno.
CADU vinha do cumprimento de dois anos de prisão, por estupro
contra uma adolescente de 15 anos.
Havia sido condenado a mais tempo, porém houve uma revisão no processo e ele se
viu livre da pena.
CADU
é professor e passou a trabalhar numa escola (católica) em que THIAGO estuda, por indicação do casal
amigo, além de conquistar a amizade e a confiança do menino.
Mas a confiança entre eles
- o casal e o hóspede - é quebrada, quando BRENO
e MABEL são chamados à escola, uma
vez que fora descoberto que THIAGO,
uma criança autista, fora abusado sexualmente.
Todos os indícios apontam
para CADU, disparando um agressivo
jogo de manipulação, que também envolve a diretora da escola em que o menino
estuda, a IRMÃ CONCEIÇÃO, MADRE SUPERIORA (DEBORAH FIGUEIREDO,
numa trama que revela as sombras, melindres e julgamentos das personagens e da criação
da criança.
A
montagem, muito bem cuidada, por
sinal, ainda que franciscana, reúne duas
linguagens, para passar a mensagem
desejada pelo autor, TEATRO e cinema, este em perfeita harmonia com aquele, servindo de grande
apoio à ação dramática. Tal prática
não é nenhuma novidade. Muitas peças,
ultimamente, têm-se valido dessa combinação, algumas com resultados não tão
positivos, até desastrosos, o que não acontece aqui; muito pelo contrário. O espetáculo não poderia existir, pelo
menos no ótimo nível em que se dá, sem a utilização das imagens projetadas na parede, em função do espaço físico onde
ocorre a encenação e as brilhantes
ideias de ocupação desse espaço, por parte da direção. Em apresentações fora do Reduto, a concepção cênica
e a utilização das imagens terão de sofrer radicais modificações e, certamente,
darão lugar a outro espetáculo, totalmente diferente do que vi.
Gostei bastante da peça, pela proposta
e por diversos fatores, que passo a dissecar, começando pela direção, de MARCÉU PIERROTTI, já que acabei de mencioná-la. O diretor executa um trabalho correto e
bastante inventivo, sabendo utilizar cada canto do local em que se dá a representação, imprimindo um tom bem realista ao trabalho e extraindo, de
cada ator, uma “verdade” que
contagia o público, mesmo o espectador mais insensível, que nem sabe por que
está ali. Sim, isso, a “obrigatoriedade” de ir ao TEATRO, acontece. O que ocorre, de verdade, é que ninguém consegue
sair daquela sala da mesma forma como entrou.
A
função de MARCÉU vai além do que,
simplesmente, cuidar das marcações e indicar, aos atores, o que cada um deve fazer em cena. Ele não só funciona como
uma espécie de “guia”, percebendo a forma mais confortável para que cada ator
represente, da melhor forma possível, o seu personagem. Ele não se apresenta, neste espetáculo, apenas, como um “montador de cenas”. Essa visão de quem
dirige uma peça de TEATRO cedeu espaço a um outro tipo de direção, surgindo a figura do encenador, aquele que se preocupa com o
todo, que participa, diretamente, de todos os elementos que vão dar forma ao espetáculo. É aquele que estende seus
tentáculos à idealização dos figurinos,
da cenografia, da iluminação, da sonoplastia, do visagismo...
E, inclusive, durante o processo de
montagem, está sempre em contato com o dramaturgo,
quando este é vivo, obviamente, para dar e receber sugestões, dentro de como
ele pensou em conceber a encenação.
É o “maestro” regendo seus regidos.
É assim que vejo sua ótima participação
neste projeto.
É
muito boa a sua ideia, que também não é original, mas é bem executada, de que
os próprios atores modifiquem as
posições dos elementos cenográficos,
limitados a uma mesa e três cadeiras, além de poucos objetos de cena, como um
telefone, uma garrafa de vinho e três taças, por exemplo. O responsável pelo cenário é MARCÉU. Também são os atores
que operam a câmera de um telefone celular, com o objetivo de “gerar
novas perspectivas ao espectador”, o qual “é convocado a testemunhar não
apenas a história contada, mas também a beleza e os ruídos da engrenagem
teatral que se desvela no palco”.
Sem
uma boa composição musical, o trabalho do maestro se torna muito difícil. O
mesmo se dá com relação às tarefas do encenador,
quando o texto não “facilita”,
eufemismo para dizer que não é bom. MARCÉU
tinha em mãos um bom texto, de HERTON, bastante simples,
descomplicado, direto e enxuto, direto, com diálogos muito significativos e muito
bem arquitetados. É um texto que
atinge, logo nas primeiras cenas, o espectador e não permite que este se
distancie delas. HERTON parte de
acusações mútuas, difíceis de serem provadas, gerando uma situação em que
qualquer um dos quatro personagens
poderia ser o verdadeiro culpado por aquele abuso. A cada cena, a cada
situação, a cada diálogo, a plateia vai formulando um julgamento, partindo do
que está vendo e ouvindo e de suas próprias vivências e conhecimentos do caráter
humano, da vida real e dos personagens.
E isso pode ir mudando e confundindo, salutarmente, a cabeça do espectador, o
que é muito bom.
A
atenção na peça, que o texto e a direção despertam no público, pelo que este vai vendo e ouvindo,
também se deve muito ao excelente
trabalho do quarteto que forma o elenco: FELIPE DUTRA (BRENO), CAMILA
MOREIRA (MABEL), CIRO SALES (CADU)
e DEBORAH FIGUEIREDO (MADRE SUPERIORA).
Apesar de ter citado o nome de FELIPE
DUTRA, seguindo a ficha técnica,
não posso avaliar seu trabalho, nesta peça,
uma vez que, no dia em que assisti a ele, o ator foi substituído por MARCÉU
PIERROTTI.
As quatro atuações são merecedoras de
elogios. Cada um conseguiu construir um estereótipo perfeito para seus personagens.
O casal,
representado por MARCÉU e CAMILA, vive uma relação “escorregadia”,
frágil, longe de parecer uma real vida feliz, em comum; uma relação desgastada
pelo tempo e, mais ainda, por terem um filho autista, com o que não sabem
lidar. São pais ausentes, culpados e cientes de sua ausência na educação do
menino. BRENO demonstra uma grande
insegurança, no seu papel de macho, marido, chefe da família. MABEL tem dificuldade de resistir ao
assédio de CADU, já que tiveram um
relacionamento, breve, ao que parece, quando mais jovens. A insegurança atribuía
ao personagem BRENO também está, de
certa forma, caracterizando MABE,
preocupada com a reeleição do pai a um cargo político. Os dois atores estão excelentes em suas representações.
Não
menos interessantes são as participações de CIRO SALES e DEBORAH FIGUEIREDO.
O CADU, de CIRO, é um personagem
sedutor e passa a imagem de um cínico contumaz, entretanto a força de sua
interpretação, pelo menos para mim, deixou claro que estava sendo sincero, quando
numa situação-limite, se viu jogado às feras, acusado de ser o molestador da
pobre criança. Seu personagem, por
conta do seu poder de sedução, é carismático e, ao mesmo tempo, dúbio. Em todas
as suas cenas, o ator se destaca e
demonstra que, ainda bastante jovem, já merece uma atenção maior dos críticos e
jurados de prêmios de TEATRO. Quanto
a DEBORAH, só tenho a dizer que
fiquei encantado com sua interpretação da diretora
da escola, que se vê numa situação de difícil solução, principalmente por
ter de ser dissimulada, ao conduzir a discussão sobre quem seria o(a) pedófilo(a)
e como chegar a uma solução para aquele doloroso impasse.
Extraio,
do “release” da peça, um trecho, por considerá-lo muito interessante e bastante
de acordo com o que pude ver: “As relações entre os quatro vão se
revelando e se desdobrando a cada cena, que subvertem o eixo temporal: a trama
se desenrola em dois tempos, alternando instantes de passado e de presente, em
uma encenação que coloca a ação muito próxima à plateia, envolvendo o público
numa eletrizante experiência de tensão pelo que acaba de ver e curiosidade pelo
que está por vir”.
FERNANDO NICOLAU executa um correto
trabalho de iluminação, em consonância
com as intenções do diretor.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia:
Herton Gustavo Gratto
Direção:
Marcéu Pierrotti
Supervisão
Cênica: Eleonora Fabião
Supervisão
Plástica e Visual: Lívia Flores
Assistência
de Direção: Filipe Leon
Elenco:
Ciro Sales (Cadu), Camila Moreira (Mabel), Deborah Figueiredo (Madre Superiora)
e Felipe Dutra (Breno)
Ator
“stand-in”: Marcéu Pierrotti
Cenografia:
Marcéu Pierrotti
Figurino:
Ticiana Passos
Iluminação:
Fernando Nicolau
Fotos:
Filipe Leon
Programação
Visual: Luísa Figueiredo e Ciro Sales
Realização:
Otimistas Artes e Projetos, Marcéu Pierrotti e Reduto
SERVIÇO:
Temporada:
De 04 de agosto a 02 de setembro (Possibilidade
de se estender por mais uma semana).
Dias
e Horários: Sábados e domingos, às 20h.
OBSERVAÇÃO: Como todas as sessões estão com a lotação
esgotada, vem sendo apresentada uma SESSÃO EXTRA, aos sábados, às 21h30min.
Local:
Reduto
Endereço:
Rua Conde de Irajá, 98, Humaitá – Rio de Janeiro.
Valor
do Ingresso: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Duração:
50 minutos
Indicação
Etária: 16 anos.
Recomendo, com empenho, o espetáculo,
que merece outras temporadas, além da atual, por ser mais um agente
multiplicador das campanhas contra a pedofilia
no Brasil.
(FOTOS: FILIPE LEON.)
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO
DO BRASIL!!!
DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM, À VONTADE, ESTA
CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO
BRASILEIRO!!!
GALERIA PARTICULAR:
(FOSTOS: ALEXANDRE POMAZALLI.)
Aplausos I.
Aplausos II.
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