terça-feira, 22 de dezembro de 2015


MAMÃE



(CORAGEM E SENSIBILIDADE

EM FORMA DE UMA

CATARSE POÉTICA.)









            E eu, que achava que não assistiria a mais nenhum monólogo, nesta temporada de 2015, no Rio de Janeiro! Pensava ter visto todos, até que me lembrei de que não havia assistido, ainda, a “MAMÃE”, um belíssimo e emocionante espetáculo, que encerrou carreira no último domingo, no Mezanino do Espaço SESC (Copacabana), mas retornará, em 9 de janeiro de 2016, em outro teatro (Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto) (VER SERVIÇO).


            Não me lembro de um ano em que houvesse tantas, e boas, estreias, nos meses de novembro e, principalmente, dezembro. Mas foi exatamente isso o que aconteceu em 2015. Ao apagar das luzes tradicionais e ao acender das luzes natalinas, fomos surpreendidos com magníficas estreias, excelentes surpresas. Uma delas é esse lindo monólogo, escrito, interpretado e dirigido por ÁLAMO FACÓ, direção dividida com CÉSAR AUGUSTO.


            O mínimo que se pode dizer sobre “MAMÃE” é que, num arroubo de muita coragem e sensibilidade, ÁLAMO FACÓ nos presenteia com um belíssimo espetáculo em forma de uma catarse poética, expondo um problema particular, real, sem nenhum pudor, e mostrando uma ferida que parece estar cicatrizada, a custa de muito sofrimento, é claro.





Álamo Facó.




           
SINOPSE:
Depois de a arquiteta Marpe Facó ter recebido um diagnóstico de um tumor cerebral, em 2010, ÁLAMO FACÓ, um de seus três filhos, vivenciou 100 dias de uma verdadeira jornada emocional.
Sempre ao seu lado, o ator e dramaturgo acompanhou, em detalhes, o tratamento, a luta e o dia a dia de sua mãe.
Após seu falecimento, mergulhou em um processo de criação, que chamou de “A Síntese do Relevante”, de onde nasceu o monólogo “MAMÃE”.
Influenciado por artistas, como Sophie Callle, Lygia Clark e Bruce Nauman, a peça não traz o drama exacerbado das histórias com essa temática nem, tampouco, sua estética traz os tons pastéis de um hospital.
A peça tem, como prioridades, o encontro com o espectador e a busca pelo ineditismo, como possibilidade.





FACÓ, um cenário incrível e uma luz idem.



            De acordo com o “release”, enviado pela assessoria de imprensa (Lu Nabuco) (com mínimos acréscimos deste crítico), já voltado para a reestreia, “O espetáculo solo nasceu da necessidade de levar, aos espectadores, uma história real, sem sentimentalismos. ‘Apesar do tema, a peça é coloridaça, uma peça para cima’, diz ÁLAMO FACÓ.


Não se atendo a uma realidade documental, o texto dá voz à personagem MARTA, que, perdendo suas faculdades, começa a expandir sua consciência a limites inesperados. ‘Eu sou o cérebro dela. Aqui, a dramaturgia é usada como limite’, continua FACÓ.


‘MAMÃE’ traz à cena os tabus que permeiam a morte, as variações do consciente e os limites do amor entre mãe e filho.


Este é o segundo monólogo, na carreira de ÁLAMO FACÓ, e foi construído através de parcerias entre ele e pessoas pelas quais cultiva respeito e admiração. ‘Esse é um espetáculo híbrido. Eu estou envolvido em todos os âmbitos da peça. Eu a dirijo, mas, ao mesmo tempo, convido o CÉSAR AUGUSTO, que é um artista que eu admiro muito, para dirigir comigo. Com a BIA JUNQUEIRA, que é uma artista plástica completa, em quem confio e a quem admiro, a mesma coisa; chamo-a para criar uma instalação/cenário comigo. E isso se estendeu ao figurino, iluminação, som, tudo!”.




Lázaro.




Confesso que fui ver ao espetáculo com bastante medo de não suportar assistir a ele até o fim, uma vez que minha mãe também faleceu de câncer, em outra região do corpo, e uma “transferência” minha, da plateia para o palco, estaria por um fio, com certeza. Temi muito sofrimento, mas FACÓ tem toda a razão, quando diz que o espetáculo, a despeito de falar da morte, é “para cima”. É é mesmo!


Sozinho, em cena, num cenário fantástico, o qual, apenas ele, já valeria uma ida ao teatro, reproduzindo um espaço onde habita uma pessoa doente, condenada à morte, cujo sofrimento durou exatamente cem dias, a partir de um diagnóstico fatal, ÁLAMO FACÓ mostra que é um ator intenso, entranhado, que mergulha no abissal, em busca das emoções, para dizer um texto, como nesta peça, em que lhe bastariam apenas as emoções da superfície, para a comunicação com uma plateia, a qual deixa o teatro totalmente arrebatada, tocada, mexida, de forma positiva.





Memórias...



ÁLAMO é um dos três filhos da falecida Marpe Facó. Ao elaborar o texto, resolveu trocar o nome da mãe-personagem para MARTA, cujo significado é "senhora", "patroa" ou "dona de casa", "protetora do lar". Reuniu os três irmãos num só personagem, LÁZARO, nome de um personagem bíblico, Lázaro de Betânia, que, segundo as sagradas escrituras (Evangelho de João), era irmão de Marta e Maria Madalena, o qual ressuscitou, por milagre de Jesus Cristo, de quem era amigo. O significado do nome LÁZARO é "Deus ajudou" ou “Deus socorreu”.


A despeito de desconhecer a religião que segue FACÓ, se é que segue alguma, e, também, não saber se a escolha do nome do personagem foi proposital, de qualquer forma, o LÁZARO da cena é aquele que “ressuscitou” de uma morte em vida, a quem “Deus socorreu”, pois, quando perdemos um ente querido, morre, também, uma parte de nós.




A imagem fala por si I.



O espetáculo alterna momentos em que a dor da despedida é potencializada com outros em que o personagem demonstra, até, um certo alívio, pelo fato, talvez, de MARTA, uma criatura tão produtiva, sensível, inteligente, tão especial deixar de sofrer, livrar-se daquele padecimento.


Para mim, o trecho mais comovente do espetáculo é exatamente o momento da passagem, quando o personagem, vai “incentivando” a mãe a “partir”, como num rito, louvando seus feitos, sua vida de glória, andando, ao redor da “cama”, aumentando, gradativamente, o volume da voz e o ritmo da fala, culminando com aplausos e um olhar para alguém invisível, que ascende.


Foi o instante que me fez chorar. ÁLAMO ultrapassa o limite do espaço cênico, sai de sua área de atuação e se aproxima da plateia, dizendo seu texto, cada vez mais emocionado, e, a um pequeno desviar do olhar do que seria o leito de morte de MARTA para a plateia, sem dizer nada, esta entende que ele a convida a também aplaudir a "senhora", a "patroa" ou a "dona de casa", "protetora do lar". E todos o seguem. Momento de comoção extrema!





A imagem fala por si II.



Mas o texto também tem seus momentos leves, nos quais até cabe uma pitada de bom humor, que parece ter sido uma das características de MARTA, em vida. Em passagens em que a enferma demonstra perturbações mentais, momentos de falta de lucidez, de ausência do domínio pleno da consciência, já que o câncer se localizava no cérebro, ela diz e faz coisas esdrúxulas, recriadas pelo filho, o qual reproduz as falas da mãe, com voz e trejeitos, grosseira e propositalmente, femininos.           


            O nível de interpretação de ÁLAMO FACÓ é algo absurdamente perfeito, irretocável, digno de premiação.


Não é fácil encarar um monólogo, menos ainda este, em que está em jogo remexer em gavetas que, talvez, devessem ficar trancadas, para sempre. Mas ele, corajosamente, as abre, escancara-as, o que parece lhe fazer um grande bem. E a nós também.





Álamo Facó.



            Falar da direção do espetáculo parece ser desnecessário, uma vez que o próprio ator é responsável por ela, contando com a colaboração de CÉSAR AUGUSTO. Não sei como se deu o processo de criação de montagem do monólogo, mas, sendo assim, parece quase um trabalho “livre” de direção, embora haja marcações e intenções estudadas e estabelecidas previamente, facilmente perceptíveis. 


BIA JUNQUEIRA, que assina o cenário, é uma artista que dispensa adjetivos e teve, neste ano de 2015, vários momentos de extrema inspiração, criando cenários e instalações cênicas que haverão de ficar na memória dos amantes de TEATRO e apreciadores de obras de arte. Este trabalho é uma delas.

BIA projetou um espaço único, no fundo esquerdo da arena, que pode ser imaginado como o quarto da casa de MARTA, numa fase inicial da doença, ou de hospital, na fase terminal. Não utilizou móveis e objetos convencionais, para compor o ambiente. A “cama” é formada por quatro cadeiras de acrílico transparente, duas delas dispostas uma em frente à outra, como a cabeceira e a parte oposta da “cama”, com mais duas no meio daquelas, voltadas para a plateia. Quatro aparelhos de nebulização bem grandes, transparentes, voltam-se para a “cama”, na “cabeceira”, ligados, em ação, desde que o público adentra a sala, produzindo muito vapor aromatizado. Eles só param de funcionar quando MARTA morre. Representariam a ebulição da vida. Nada que lembre um quarto de uma casa ou de um hospital. Um trabalho muito criativo, de alguém que domina o seu ofício.




A iluminação, de FELIPE LOURENÇO, é outro detalhe que merece atenção, neste espetáculo. Toda a iluminação é feita com luz fria, produzida por lâmpadas fluoerescentes, tradicionais e coloridas, dispostas, irregularmente, no espaço cênico, em várias posições, inclusive no chão. As trocas de luz são excelentes e valorizam bastante cada cena e o trabalho do ator.




A imagem fala por si III.


São ótimos o trabalho de direção de movimento, de LUCIANA BRITES e a trilha sonora, do próprio FACÓ e de RODRIGO MARÇAL. Este também assina a direção musical.

O figurino, de TICIANA PASSOS, é simples e confortável, funcional, para que o ator possa se movimentar com destreza como o faz: descalço, uma calça comprida, uma camisa social e uma jaqueta, raramente usada. Na maior parte do tempo, ÁLAMO se apresenta sem camisa.



A “ressurreição” de Lázaro!




FICHA TÉCNICA:
Texto e Atuação: Álamo Facó
Direção: Álamo Facó e César Augusto
Direção de Produção: Carlos Grun
Direção de Movimento: Luciana Brites
Direção Musical: Rodrigo Marçal
Cenário: Bia Junqueira
Luz: Felipe Lourenço
Trilha Sonora: Álamo Facó e Rodrigo Marçal
Direção Musical do Performer: Lan Lanh
Figurino: Ticiana Passos
Preparação Vocal: Sônia Dumont
Fotos: Júlio Andrade e Ana Alexandrino
Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Projeto gráfico: Mary Paz
Produção e Realização: Bem Legal Produções e Álamo Facó
Colaboração Artística: Dandara Guerra, Fernando Eiras, Remo Trajano, Júlio Andrade, Tamara Barreto, Lidoka Martuscelli, Andrucha Waddington, Lully Villar, Marina Viana, Victor Garcia Peralta, Cristina Flores e Renato Linhares.




O SERVIÇO abaixo refere-se à segunda temporada,

que estreia no dia 9 de janeiro de 2016,

no Espaço Municipal Cultural Sérgio Porto.







SERVIÇO:

Local: Espaço Municipal Cultural Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá – entrada pela Rua Visconde Silva, sem nº, ao lado do posto Petrobrás) – Rio de Janeiro.
Categoria: Drama.
Temporada: Até 31 de janeiro de 2016.
Dias e Horários:  De 6ª feira a domingo, às 20h30min.
Valor do Ingresso: R$ 40,00 (meia-entrada, para quem fizer jus ao benefício).
Bilheteria: Das 17h às 20h30min.
Telefone: (21) 2535-3856.
Duração: 70min.
Classificação Etária: 12 anos.


           


(FOTOS: JÚLIO ANDRADE

e

ANA ALEXANDRINO.)

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