domingo, 15 de setembro de 2013

PARAÍSO AGORA - ou PRATA PALOMARES  -  e AGORA?  
 
Programa da peça (foto de Regina Cavalcanti)

           Você já saiu de um teatro sem saber se gostou ou não de um espetáculo? 
          Não me lembro, em quase cinquenta anos de frequentador assíduo das plateias, de ter vivenciado tal situação antes.  Isso aconteceu na última 5ª feira, 12 de setembro, quando fui assistir a PARAÍSO AGORA - ou PRATA PALOMARES, no Galpão do Teatro Tom Jobim.
           A pessoa pode gostar, gostar pouco, gostar muito, adorar...  Não gostar, achar horrível, detestar, arrepender-se de ter saído de casa e enfrentado quase duas horas de engarrafamento até o teatro, mas nunca ficar sem saber se gostou ou não.
           Eu não sei do que não gostei no espetáculo, mas tenho certeza do que me agradou na montagem das Cia Guerreiro e Nandi Produções, que estreou no Galpão do Tom Jobim, no último dia 7, para uma temporada de um mês e meio.
           Gostei muito do trabalho dos atores, que divido em apenas dois níveis: em primeiro plano, os protagonistas, Jorge Farjalla e Ipojucan Dias, excelentes; e, em mesmo nível, os demais atores, todos muito bons, nos diversos papéis em que se revezam.
           Também me agradaram bastante o cenário, de José Dias, reproduzindo uma igreja tosca, de interior, na cidade fictícia de Porto Seguro (o nome da cidade é bastante sugestivo), e os figurinos e adereços, de Rogério França.
           O espetáculo é a adaptação do filme PRATA PALOMARES, produzido, em 1971, (à época, não liberado para exibições no Brasil), pelo emblemático e inesquecível TEATRO OFICINA, com roteiro escrito, a quatro mãos, por André Faria e José Celso Martinez Corrêa, estrelado pela magnífica Ittala Nandi, que, nesta montagem teatral, se apresenta como dramaturga, dividindo a tarefa com Jorge Farjalla, e ainda como produtora, ao lado da Cia Guerreiro.
           A trama gira em torno de dois guerrilheiros, cercados por inimigos, que se escondem numa igreja abandonada, numa cidade fictícia (Porto Seguro), aguardando uma oportunidade para escapar em direção à área ocupada por seus companheiros. 
           Um deles se faz passar pelo padre, que os poderosos do lugarejo esperam, enquanto o outro permanece escondido, fabricando um barco para a fuga. 


Cartaz da peça (foto de Regina Cavalcanti)


           Estamos diante de uma história de ficção, que trata, alegoricamente, das possibilidades e dos sacrifícios do homem, na sua luta para conseguir liberdade no mundo, e das possibilidades de sobrevivência desse mesmo homem no século recentemente iniciado, e já tão conturbado. 
           É lógico que também não perde a oportunidade de provocar, no espectador, uma reflexão acerca da própria condição humana e a falta de comprometimento do homem com ele mesmo.  Está em cena, o tempo todo, a eterna luta pelo poder, a batalha incessante do opressor contra o oprimido, ou vice-versa.



           Cena da peça (foto da produção)
 
           Não se trata de um texto (a adaptação) de fácil assimilação para o grande público, mas há cenas, ainda que bastante violentas, capazes de prender muito a atenção do espectador e levá-lo, por meio de uma grande metáfora, a tentar estabelecer uma comparação entre aqueles anos de chumbo, que se seguiram após o covarde e terrível golpe militar de 1964, o horror, o terror da ditadura, e o momento sociopolítico atual. 
           Estariam sendo ressuscitados, nos dias de hoje, os porões da repressão, numa ditadura velada, travestida de "democracia"? 
           Um dos méritos desta montagem é   resgatar o tema da guerrilha, que ceifou tantas vidas, naqueles tempos, e que marcou, e até hoje marca, de forma tão profunda e indelével, toda uma geração (a minha) e é esquecida ou abafada por outras, às portas da triste comemoração, no próximo ano, de meio centenário de uma das páginas mais tristes da nossa história.

Cena de grande impacto (foto da produção)
 
           A encenação utiliza, em trechos ou na sua íntegra, várias canções que marcaram os movimentos de protesto contra o regime totalitário, imposto pelos militares brasileiros, e títulos atuais; nem todas as músicas, porém, pereceram-me muito propícias a determinadas cenas.
           Acho que a peça deve ser vista e gostaria, até mesmo, de poder trocar ideias com as pessoas que assistirem a ela.
           E, para aqueles que nunca viram um espetáculo do Teatro Oficina dos anos 60 e 70 (O Rei da Vela; Galileu Galilei; Os Pequenos Burgueses; Os Inimigos; Na Selva das Cidades; Gracias, Señor...), é uma ótima oportunidade para travar contato com uma montagem que, guardadas as devidas proporções, está muito carregada das características daquela época marcante do TEATRO BRASILEIRO.
           Vejo o espetáculo, também, como uma grande homenagem a José Celso Martinez Corrêa, Renato Borghi, Fernando Peixoto, Etty Fraser, Ittala Nandi, Ariclê Perz, Othon Bastos e tantos outros nomes importantes para o TEATRO BRASILEIRO e que resistiram, bravamente às atrocidades impostas pela ditadura militar e a desafiaram corajosamente.  O Brasil deve muito a eles. 
           Com certeza, aquela noite ganhou mais brilho com a presença da grande Ittala Nandi, quase solitária e "anônima" num dos bancos daquela "igreja".  Perdi a oportunidade de tietar.  Afinal, trata-se de um ícone da resitência à ditadura e uma grande atriz.
           Sabe de uma coisa?  Algo não me agradou - vou tentar descobrir o quê -, mas acho que gostei do espetáculo.
           E agora?  Vá conferir! 
 
O elenco da peça (foto da produção) 
 


Endereço: Rua Jardim Botânico
Horário: Quinta, sexta e sábado, às 19h30; domingo, às 18h30
Classificação Indicativa: 16 anos
                
FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro musical: Jorge Farjalla
Texto original: André Faria e José Celso Martinez Corrêa
Dramaturgia: Ittala Nandi e Jorge Farjalla
Elenco: Ana Debora Goal, Anna Machado, Claudio Albuquerque, Diogo Pasquim, Eval Fídias, Helio Souto Jr., Ipojucan Dias, Jaqueline Farias, João Monteiro, Jorge Farjalla, Matthias Schmeisser, V. Murici e Zímara 
Direção musical e preparação vocal: Mimi Cassiano
Cenografia: José Dias
Figurinos e adereços: Rogério França
Iluminação: David Israel e Jorge Farjalla
Músicos: Bruno Scantamburlo (violão, guitarra e baixo), Julia Ludolf (percussão), Rodrigo Viegas(violão) e V. Murici (rabeca e Gaita) 
Realização: Cia Guerreiro e Nandi Produções 
  
 (foto de Regina Cavalcanti)
 

 

 
 
 

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