ELEFANTE -
COMO SÃO LINDAS AS MARCAS DO TEMPO!
O maior medo
do Homem contemporâneo deve ter surgido com Adão e está sendo retratado, de
forma brilhante, no palco do Espaço SESC Copacabana (Arena), desde o último 30
de agosto, e lá vai permanecer em cartaz até 22 de setembro. Não é tanto o medo da morte, mas o de
envelhecer.
Diriam aqueles
que ainda não assistiram ao espetáculo que esse tema é muito “batido”, já tendo
sido abordado milhares de vezes, por grandes artistas e nas mais diversas modalidades
de arte, incluindo, é claro, o TEATRO. Faltaria,
portanto, originalidade, que despertasse o interesse de um espectador por
assistir à peça ELEFANTE, uma ideia
de Igor Angelkorte, que recebeu o tratamento dramatúrgico de Walter Daguerre,
sobre a direção do próprio Igor e interpretado por seis atores, quatro dos
quais se revezando em dois papéis.
O problema do
ineditismo da ideia é muito válido, entretanto, o “batido”, quando explorado de
forma original e criativa, torna-se “novo”, quase “inédito”, instigante,
arrebatador. É o que se pode ver na
encenação do espetáculo ELEFANTE. Tudo lá é apresentado de forma muito bem
definida, definidíssima, sem a necessidade de que alguém nos auxilie com um “desenho”.
O texto retrata uma
família que, com a ajuda e dependência total de uma certa “pílula”,
ingerida uma vez ao dia, obedecendo ao soar de uma histriônica sirena, permanece
eternamente jovem, a partir do momento em que, talvez, tenham se considerado -
cada um de seus membros (pai, mãe, filho e nora) - no auge, na plenitude física
e mental de suas vidas, momento que desejam, e conseguem, de forma “mágica”, perpetuar. Vivem numa cidade, não geograficamente revelada,
onde ninguém morre e envelhece.
Elenco da peça (incluindo os atores substitutos e o autor do texto, Walter Daguerre)
Às vésperas de mais um
aniversário, Francisco, o filho, fotógrafo, demonstrando um comportamento “estranho”
e transgressor, após ter retornado de uma viagem a um lugar, Sêneca, onde vivem
pessoas normais, portanto mortais, subverte o “status que” de sua família e decide
abandonar sua casa e passar a viver lá, em Sêneca, sem deixar referências para
a sua mulher e seus pais, apenas fascinado pelo modo natural como as pessoas
que lá vivem, nascendo, crescendo, envelhecendo e morrendo, cumprindo cada
etapa natural da vida humana. Ou, como
diz o poeta Carlos Drummond de Andrade, numa de suas mais lindas crônicas, “FALA, AMENDOEIRA”, cumprindo o ciclo natural
dos vegetais: nascimento (primavera), desenvolvimento, até atingir a plenitude
de seu vigor físico (verão), envelhecimento (outono) e morte (inverno), como um
ciclo sazonal, a cada trimestre.
Não é preciso dizer que a
atitude “desafiadora e inconsequente” de Francisco não só não é compreendida
pela família, como, igualmente, não é bem aceita. Como é que alguém abre mão de um “privilégio”
tão grande e desejado para aceitar a degeneração física do corpo e a demência
da alma?
Ocorre que, após dez anos de seu
autoexílio, durante os quais trabalhou, incessantemente, no registro fotográfico
dos últimos elefantes do mundo, em Sêneca, ele volta para casa, naturalmente envelhecido,
com a aparência de um septuagenário, revelando a todos que deixara de tomar a
tal pílula, e reencontra o clã da mesma forma como o deixou. A partir daí, inicia-se o conflito entre os
que não enxergam o que há de positivo e belo na velhice e Francisco, que vê
nela algo mais do que ter cabelos brancos, e ralos, perder dentes, sentir
enfraquecido o tônus muscular, exibir as rugas e todas as demais marcas físicas
que, implacavelmente, o passar dos anos reserva aos “normais”, qualquer que
seja o ser vivo.
Deve ser pinçada, do texto,
uma fala de Francisco, na tentativa de justificar, perante a família, a sua “tresloucada”
decisão: “Envelhecer é uma conquista da
humanidade. O ser humano se desapega da
coisas, das pessoas, das histórias e dos objetos que fizeram parte da nossa
vida.” Como essa fala me tocou e me
provocou o brotar de algumas lágrimas, que escorreram sobre a pele do meu rosto
envelhecido!
A partir daqui, respeitando
aqueles que ainda irão assistir à peça, reservo-me o direito de interromper a
sinopse do texto e passo a analisar as “peças” da engrenagem desta encenação.
Já me considero até suspeito
para falar sobre um texto de Walter Daguerre, que considero mais uma grande
estrela na constelação dos melhores dramaturgos nacionais, surgidos há menos
tempo, na qual incluo, entre outros nomes, os de Júlia Spadaccini e Renata
Mizhari. Daguerre trabalha muito bem a
elaboração de diálogos, simples na forma e profundos em conteúdo. Desenvolveu muito bem a
ideia de Igor Algelkorte, numa simbiose entre ambos, que merece ser repetida
outras vezes. Quem quiser conhecer mais
sobre o trabalho de Walter Daguerre, é só conferir o seu talento de dramaturgo
num outro espetáculo em cartaz: JIM,
no Teatro do Leblon (Sala Tônia Carrero), nunca sendo demais lembrar seu outro
grande sucesso, reeditado este ano e transformado em livro: A MECÂNICA DAS BORBOLETAS.
O elenco é formado por jovens
e talentoso atores, contando com a experiência de um veterano, Fernando Bohrer,
que vive o protagonista, Francisco, após o envelhecimento. Há uma harmonia entre o quarteto de atores
que contam a história, a saber:
O elenco:
IGOR ALGELKORTE – Francisco (o filho) – Muito seguro no papel,
agrada-me muito a naturalidade como ele atua, o que já me impressionara no seu último
trabalho como ator (DES)CONHECIDOS. No papel de Francisco, Igor se reveza com
Pedro Nercessian, que não vi atuar.
CHANDELLY BRAZ – a Mãe – Desde que chegou ao Rio, vinda de Pernambuco,
para integrar o fantástico elenco de uma das melhores produções dos últimos anos,
“CLANDESTINOS”, do mestre João Falcão,
Chandelly só faz crescer, a olhos vistos, como uma excelente atriz, das
melhores de sua geração. Excelente no
papel atual. Seu personagem, às vezes, é
interpretado por Júlia Lund, que não tive a oportunidade de ver em cena.
SAMUEL TOLEDO – o Pai – Esse ator também vem percorrendo uma trajetória
ascendente em sua carreira. Defende, de
forma muito convincente, o seu papel e sabe aproveitar, muito bem, algumas
cenas de destaque para o seu personagem.
FERNANDO BOHRER – Francisco (velho) – Além de bom ator, é diretor e professor de teatro da CAL, com
formação de ator no Teatro Tablado, tendo sido assistente de direção de Maria
Clara Machado. Precisa de mais informações
de seu currículo, para justificar seu excelente desempenho em ELEFANTE? Louve-se o desprendimento, a coragem, o espírito
profissional desse grande ator, de quase setenta anos de idade, ao se permitir
despir-se totalmente, numa cena linda, comovente, de fazer perder o fôlego. Nela, as marcas do tempo são insignificantes
e se transformam na bela imagem que cada um conseguir enxergar.
Samuel Toledo
Chandelly Braz
Igor Angelkorte
Demais nomes da ficha técnica que merecem destaque:
DIREÇÃO – segura, eficiente e criativa,
de Igor Algelkorte.
ASSISTENTES DE DIREÇÃO – Paula Vilela e
Philipp Lavra
CENOGRAFIA – André Sanches – Ótima. Despojada e perfeitamente adequada à encenação. Uma grande mesa de formato insólito e quatro
cadeiras, de um “design” interessante, porém nada confortáveis, que, no
conjunto, remetem à ideia de uma ossada de elefante (Francisco faz uma referência
a um cemitério de elefantes que ele fotografou em Sêneca.). O detalhe do piso, revestido de uma mistura
(aguada) de areia, água e cimento (é o que parece) produz ruídos, com o
deslocamento (as passadas) dos atores em cena, que causam uma sensação estranha,
desconfortável (difícil explicar) ao espectador. Parece algo velho, deteriorado, morto, em
contraste com a “juventude” dos personagens.
Não sei se embarquei numa viagem, mas foi o máximo que pude atingir para
descrever as sensações táteis, visuais e auditivas que provocam, no espectador,
um “desconforto positivo”. Não deu para entender? Vai conferir pessoalmente.
ILUMINAÇÃO – Renato Machado –
Brilhante, com detalhes de fixação de luz para realçar determinadas atitudes
dos personagens e culminando com a ideia utilizada por esse grande iluminador
para o desfecho da peça. Se eu disser, perde
a graça que o fator surpresa nos reserva.
Os
FIGURINOS, de Ronald Teixeira, e a TRILHA SONORA ORIGINAL, de Felipe Storino,
são igualmente ajustadas à encenação.
Para
terminar, apenas três considerações:
1)
Normalmente, quando se pergunta a alguém maduro se
preferia ser um balzaquiano ou estar vivendo o vigor da juventude, algo como: “Gostaria
de estar agora com 40 ou 18 anos?” A
resposta, via de regra, é: “Eu queria ter o vigor dos meus 18, mas com a experiência
e a vivência que tenho agora.” Utopia
pura. Essa mistura é tão impossível como
juntar água e óleo. Para se atingir estas,
faz-se necessário abdicar daquele. Como
eu sou apaixonado, por exemplo, pelas marcas do tempo no rosto de uma
Fernandona!
2)
Aconselho a todos, recomendo
mesmo, inclusive ao elenco, que leiam a crônica “FALA, AMENDOEIRA”, de Carlos Drumonnd de Andrade, e reflitam
bastante sobre ela. É autobiográfica,
inclusive.
3)
A dois dias de completar 64 anos, saí do teatro, no último
dia 5, quinta-feira, totalmente impactado com o texto, mas com muita certeza de
que a última frase de Carlos Drummond de Andrade, na já referida crônica “FALA, AMENDOEIRA” é o indicativo
maior, a verdadeira receita para se aceitar a idade e todos os riscos,
obstáculos, dores, tristezas e, também, alegrias, felicidade, prazeres que ela
nos impõe e oferece. Mais que isto, saí
feliz, com a certeza de que é preciso aceitar e saber viver o outono, para não
temer o inverno: “OUTONIZA-TE COM
DIGNIDADE, MEU VELHO!”
Detalhe, que me
deixou muito feliz: ontem, tendo ido ao mesmo Espaço SESC Copacabana, para
assistir, no mezanino, ao espetáculo TODAS
AS COISAS ESSAS VIAGENS, deparei-me com uma fila enorme para assistir a ELEFANTE. Acho que houve lotação esgotada. Muito merecido.
(Fotos de divulgação e de Marisa Sá)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBelíssimo texto para um espetáculo surpreendente!
ResponderExcluirOnde posso encontrar o texto Elefante?
ResponderExcluir