sexta-feira, 19 de julho de 2024

“A CASA DE HUGO IVO”

ou

(“ABRA AS SUAS ASAS,

SOLTE SUAS FERAS,

CAIA NA GANDAIA,

ENTRE NESTA FESTA!”

- “DANCING DAYS” –

NELSON MOTTA 

E RUBAN)

 

 

       Desde quando recebi o convite para assistir a uma peça teatral, “A CASA DE HUGO IVO”, em cartaz no Teatro III do CCBB – Rio de janeiro (VER SERVIÇO.), fiquei bastante curioso e agendei, junto à assessoria de imprensa (Marrom Glacê Comunicação) minha ida àquele simpático e importantíssimo Centro Cultural, no mais breve tempo que me fosse possível. E meu interesse pelo espetáculo só fez crescer, à medida que ia ouvindo comentários elogiosos à peça, vindos de amigos próximos, em cujo bom gosto confio. A temática central da montagem gira em torno do estigma relacionado ao vírus HIV, ainda que este tenha perdido bastante do seu lado “assassino”, graças aos avanços da Ciência, mas não podemos negar que ainda existem muitas pessoas que se afastam de indivíduos diagnosticados como soropositivos, com medo sabe-se lá de quê, e outras que ainda morrem por causa do HIV. Visto apenas por este ângulo, deixando-se de lado outros, o espetáculo já tem seu valor garantido, como um vetor de informação e, portanto, algo de interesse público, uma vez que, aborda o HIV por meio de metáforas, trabalhando a desestigmatização do tema.

 

 

 




            Foi com tal intenção que o multiartista ZÉZA escreveu o texto da peça para esta montagem teatral inédita, feita pela MULTIFOCO CIA. DE TEATRO, dirigida por RICARDO ROCHA. Trata-se de uma interessante encenação que se utiliza de diversas formas de linguagens cênicas, a saber: acrobacia circense, TEATRO e dança, oferecendo, a pessoas com necessidades especiais, a oportunidade de se sentirem acolhidas, em sessões com tradução em língua de sinais (LIBRAS). De um total previsto de 28 apresentações8 são com tradução simultânea de LIBRAS e 2 contando com audiodescrição ao vivo. E mais: com incentivo da Prefeitura do Rio de Janeiro e focada em receber um público de jovens e estudantes, a montagem realiza também apresentações gratuitas e vespertinas, em paralelo com a temporada noturna e independente, “para alcançar o grande público”, ambas no CCBB - RJ.

 

 



SINOPSE:

A peça aborda o vírus HIV, isento de estigmas, trabalhando o tema através de metáforas.

Hugo Ivo (ZÉZA) recebe pessoas para uma festa em sua casa e promete “diversão sem limites”.

Mas o que parecia um acordo com consentimento se revela invasivo e tóxico. 

A festa, que nunca acaba, chega à beira do colapso, e é preciso parar.

Será necessário encontrar novas formas de habitar e conviver; novos horizontes serão abertos.

Um pacto para a construção de novas pontes contra a desinformação, contra os estigmas e o preconceito, em favor do respeito, da diversidade e da saúde.

 

 



           O “didático” costuma caminhar, no imaginário popular, de mãos dadas com o “chato”, o “enfadonho”. Seriam capazes de imaginar um espetáculo extremamente didático, sem o menor ranço de entediante, algo nada maçante e, muito pelo contrário, uma encenação que dura 90 minutos cronológicos e um tempo muito inferior, do ponto de vista psicológico, quando o nosso tempo interior não bate com o exterior? A peça termina e temos a impressão de que mal começara; e sentimos aquele pesar: “Que pena que já acabou!”. Fica o gostinho do “quero mais”, o que é um bom sinal.

 

 



 

          Voltando a bater na mesma tecla, fico muito feliz, quando vou ao Teatro com uma boa expectativa e, ao sair, constato que ela se tornou muito mais robusta do que eu imaginara. Foi como deixei o histórico prédio do CCBB – Rio, na noite de ontem (18/07/2024), voltando para casa agradecendo à assessoria de imprensa da peça, na pessoa der BRUNO MORAIS, pelo convite, e ao elenco, pelo imenso prazer que me proporcionaram.

 

 

 



           O espetáculo já começa no corredor que dá acesso à sala de exibição, com uma “pré-festa”, uma espécie de “aquecimento”. Recepcionados por alguns elementos do elenco, oferecem-nos preservativos, masculinos e FEMININOS também (Isso é importantíssimo!), com o apoio do “Grupo Pela Vidda!” – com dois “d” mesmo -, que merecerá, ao final destes escritos, um espaço de divulgação; uma cachacinha (Onde já se viu festa sem bebida?) e a oportunidade de cantarmos num karaokê. É muito alegre, leve e divertido. Eu, que já fui um “rato dos karaokês”, há muitos anos afastado dos microfones, jamais poderia imaginar que iria ao CCBB e receberia um microfone para cantar “Aparências”, a “canção-chiclete”, rainha desse tipo de entretenimento. Ninguém é obrigado a cantar, a fazer nada ali, que não seja de sua vontade. É claro que soltei a voz! Quem quiser também pode “soltar a franga”, sem nenhum pudor ou censura.

 

 




          Já no interior, propriamente dito, da sala de espetáculos, já acomodados, percebemos que, como “voyeurs”, também somos convidados para aquela celebração coletiva. Ninguém ali pode se comportar como “penetra”. Menos ainda, não se penetra nem se é penetrado. A única “penetração” permitida é na alegria daquela festa e se deixar levar por um texto inteligente, na boca de um formidável elenco, que, além de representar, demonstra uma força física e muita agilidade, assumindo posições acrobáticas, além de demonstrar ser um ótimo encontro de gente que sabe dançar. As coreografias são alegres; simples, porém interessantes. Não há, na FICHA TÉCNICA, alusão a quem as concebeu. Talvez tenham sido desenhadas pelo mesmo excelente profissional responsável pela direção de movimento: PALU FELIPE (A conferir.).

 

 

 




           “A CASA DE HUGO IVO” é daqueles espetáculos sobre os quais se pensa em quem seria o(a) protagonista e, ainda que, tecnicamente, essa rubrica caiba ao personagem dono da casa, pelo estupendo desempenho do quinteto de atores, não pestanejo e divido os 100% da atuação pelos cinco, em fatias iguais de 20%. Todos são protagonistas, na minha avaliação. São eles: BÁRBARA ABI-RIHAN, DIOGO NUNES, ERICK TULLER, FERNANDA XAVIER e ZÉZAÉ surpreendente o trabalho de todos, com uma nova surpresa no minuto seguinte ao de uma cena. Além do já difícil trabalho de interpretar, é digna de muitos elogios a capacidade de decorar todos movimentos que O QUINTETO tem que fazer, para movimentar, DURANTE TODO O ESPETÁCULO, as “peças” de uma cenografia “de fazer cair o queixo” de qualquer espectador sensível; uma obra de arte a merecer, no mínimo, indicações a prêmios. É criação de RICARDO ROCHA, que também dirige a peça e, por esse mesmo motivo, já projetou um cenário, naturalmente, pensando nas marcações e nas múltiplas disposições, e configurações daquela “peça-chave”, a única criação cenográfica da encenação, que lembra um origami gigante, o qual não apenas adorna, mas, sobretudo, interage com os atores e os desdobramentos da história. “O espetáculo traz uma grande metáfora da relação do HIV com as diversas etapas do vírus com o corpo humano: da entrada ao colapso do corpo, até o tratamento com os medicamentos antirretrovirais. A infecção é tematizada numa pessoa que não é LGBTQIAPN+ justamente para desassociar a infecção desta população, algo tão comum e equivocadamente relacionado”, pontua RICARDO. Não sei se poderão entender – TÊM QUE ASSISTIR À PEÇA!!! -, mas não considero nenhum exagero ou absurdo afirmar que o cenário é um sexto actante.


 

 



           HALYSON FÉLIX é responsável pelos ótimos figurinos, confeccionados em cores vivas, vibrantes, bem coloridas, como devem ser as “roupas de festa”.

 


 

            RICARDO ROCHA, o “mentor” daquela “saudável loucura”, por dirigir o espetáculo, também assina uma iluminação frenética, com efeitos de cores de uma incalculável paleta a cobrir de brilho e cores todo o espaço cênico. Sua direção é algo que marca o espectador sensível, o leigo, e, mais ainda, aqueles que têm algum conhecimento de TEATRO. Quando se pensa que o diretor já nos desafiou o suficiente, com suas ideias e marcas, eis que surge algo mais impressionante ainda. RICARDO deu ao espetáculo um colorido de festa; mas uma festa especial, na qual são discutidos assuntos seriíssimos, como mariposas em torno de uma lâmpada acesa, com destaque maior para o vírus HIV. Um trabalho que marca.

 

 

 



          Já falei um pouco sobre o formidável elenco, assim como da direção, contudo reconheço que a genialidade do diretor “ficaria no vácuo”, se ele não pudesse contar com cinco profissionais talentoso, dedicados e atentos ao que fazem. Todos têm seus momentos de protagonismo real e sabem muito bem como aproveitá-los, em cenas mais tensas e dramáticas e naquelas que são usadas como válvula de escape, provocando risos.

 

 

 



        O espetáculo é uma soma só de acertos, que contou, também, com importantes participações, como a de AYANA DIAS, que prestou uma consultoria dramática a ZÉZA, autor do texto e das composições; VINÍCIUS MOUSINHO, na direção musical e na trilha sonora, além de parceiro de ZÉZA, nas composições originais; CAROL FUTURO, na preparação vocal; DIEGO NUNES, no visagismo; além de VIVIANE PEREIRA, atriz que, durante a encenação “invade”, pontualmente, o espaço cênico, com algumas breves intervenções em LIBRAS.

 

 

 


             Dando um delicioso mergulho no excelente “release” a mim enviado pela assessoria de imprensa, vi que ZÉZA, autor do texto, considera sua obra como uma “saída oficial desse segundo armário, chamado HIV”. São palavra dele: “Qualquer pessoa tem o direito, assegurado por lei, de manter a sua sorologia em sigilo, mas, há anos, eu falo sobre ser uma pessoa vivendo com HIV. Só que é difícil falar abertamente sobre esse tema ainda tão estigmatizado e silenciado pelo preconceito. As pessoas têm dificuldade de falar de HIV, porque toca em dois temas tidos como polêmicos: o sexo e a morte.”. Diferente de hoje em dia, antes, o “HIV era sinônimo de uma sentença de fim; na contemporaneidade, o cenário é bem outro”, graças aos cientistas, que não se cansam de se empenhar pela cura da AIDS e, ainda não tendo conseguido, pelo menos chegam perto, criando mecanismos de defesa contra o vírus, capacitando o infectado a levar uma vida como qualquer outra pessoa.  Segundo ZÉZA, a comunidade LGBTQIAPN+, da qual é um dos representantes, “sempre foi o principal alvo de todos os preconceitos ligados ao vírus e, talvez por isso mesmo, seja a grande responsável pelos avanços que conseguimos em relação a esta epidemia. Esta história se compromete a afirmar que o vírus pode acometer qualquer pessoa, independente (sic) da raça, gênero ou orientação sexual”, pondera.

 

 





FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia e Composições: Zéza

Consultoria Dramatúrgica: Ayana Dias

Direção: Ricardo Rocha

 

Elenco: Bárbara Abi-Rihan, Diogo Nunes, Erick Tuller, Fernanda Xavier e Zéza

 

Cenografia: Ricardo Rocha

Iluminação: Ricardo Rocha

Figurino: Halyson Félix

Direção de Movimento: Palu Felipe

Direção Musical e Trilha Sonora: Vinícius Mousinho

Composições Originais: Vinícius Mousinho e Zéza

Preparação Vocal: Carol Futuro

Assistente de Preparação Vocal: Zéza

Visagismo: Diogo Nunes

Preparação em Libras: Laís Rosa

Intérprete de Libras: Claudia Chelque

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação

Mídias Sociais: Viviane Dias

Filmagem e Fotografia: Daniel Debortoli

Audiovisual: Codigos.art

Programação Visual: Zéza

Produção Executiva: Clarissa Menezes e Fernanda Xavier

Assistência de Produção: Chris Rebello

Direção de Produção: Multifoco Produções Culturais (Bárbara Abi-Rihan, Clarissa Meneses, Ricardo Rocha e Viviane Pereira)

Realização: Multifoco Companhia de Teatro

 






SERVIÇO:

Temporada: De 11 de julho a 11 de agosto de 2024.

Local: CCBB Rio de Janeiro (Teatro III).

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Centro (Candelária) – Rio de Janeiro.

Tel. (21) 3808-2020.

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), disponíveis na bilheteria física ou no “site” do CCBB (bb.com.br/cultura) (Estudantes, maiores de 65 anos e Clientes Ourocard pagam meia entrada.)

Apresentações gratuitas: 17, 19, 24, 26 e 31/07 e 01, 07 e 08/08 – todas às 14h.

Classificação Indicativa: 16 Anos.

Duração: 90 minutos.

Gênero: “Dramédia” (Termo, atualmente, em uso, para designar um Drama com pitadas de COMÉDIA.) 

 

 

 

 


 

 

SOBRE O “GRUPO PELA VIDDA”:

(Texto extraído da internet, com supressões e adaptações.)

O “Grupo Pela VIDDA do Rio de Janeiro (GPV-RJ)” foi fundado em 24 de maio de 1989, pelo escritor e ativista Herbert Daniel.

É uma ONG (Organização Não-Governamental) de luta contra a AIDS.

É uma instituição sem fins lucrativos, que realiza ações baseadas no trabalho voluntário e na solidariedade.

Atua, também, na parte de Direitos Humanos e Controle Social.

Trata-se do primeiro grupo fundado no Brasil por pessoas vivendo com HIV e AIDS, seus amigos e familiares.

Suas ações e iniciativas são garantidas pela intensa dedicação de voluntários e de profissionais engajados na luta contra a epidemia de AIDS no país.

São várias pessoas envolvidas no quotidiano da organização (dentre usuários, voluntários e funcionários) e um importante quadro de voluntários que atuam em várias ações, projetos e atividades pontuais e/ou estratégicas (manifestos, o 1º de dezembro (“Dia Nacional de Combate à AIDS”), eventos etc.).

Como não tem fins lucrativos, o “GPV-RJ” se mantém por meio de uma série de financiamentos de instituições brasileiras e internacionais que atuam em saúde e desenvolvimento social.

Conta, também, com um grande número de importantes parcerias locais, como organizações que lutam pela defesa da cidadania e a rede pública de saúde.

Os objetivos principais do “Grupo Pela VIDDA-RJ” são a ruptura do isolamento e a desconstrução do estigma relacionado à doença; a reintegração no quotidiano social das pessoas vivendo com HIV e AIDS; por fim, a defesa dos direitos e a garantia da dignidade dessas pessoas.

Para tanto, o “Grupo” desenvolve diversas atividades de ajuda mútua, em sua sede, para diversos grupos específicos (mulheres, homens, jovens, travestis etc.).

Desde 1990, a organização oferece assistência jurídica gratuita às pessoas afetadas pela epidemia, já tendo beneficiado mais de 3.500 indivíduos.

Criou o primeiro serviço regular de informações telefônicas sobre o assunto no Brasil (Disque-AIDS Pela VIDDA).

Dentre as atividades externas, destaca-se o “Projeto Rio Buddy”, de acompanhamento domiciliar a pessoas vivendo com AIDS, em parceria com o “Grupo Arco-Íris”, desde 1997.

O “GPV-RJ” dedica-se a uma forte articulação política, por considerá-la o principal meio de transformação social.

Busca, portanto, estar diretamente envolvido na formulação das políticas públicas de saúde, participa ativamente dos diversos foros, conselhos e assembleias municipais e estaduais de saúde e desenvolvimento social.

O “Grupo” contribui, direta ou indiretamente, em foros específicos sobre HIV-AIDS, como o “Comitê Nacional de Vacinas Anti-HIV”, a “Comissão Nacional de Aids”, o “Conselho Nacional de Saúde” e o “Grupo Temático do UNAIDS”, no Brasil.

Para manter a população esclarecida e mobilizada com relação aos temas que envolvem a epidemia, o “Grupo” desenvolve diversas atividades de prevenção primária e secundária, atividades de capacitação, publicações e material informativo para segmentos específicos.

Frequentemente, promove oficinas, seminários de atualização sobre diversos temas relacionados ao combate à AIDS, bem como seminários internacionais.

 

 



 

           Jamais poderia deixar de RECOMENDAR O ESPETÁCULO, pelo tanto que ele traz de informações, pela importância do tema, tão bem tratado, e pela teatralidade como é representada a temática. Tenho plena certeza de que aqueles que lerem esta minha modesta apreciação desta obra teatral se sentirão motivados a assistir à peça, da mesma forma com também estou certo de que deixarão o Teatro III do CCBB – RJ como saí: com as expectativas, que já eram boas, muito ampliadas e tornadas concretas.

 

 

 



 

 


 

FOTOS: DANIEL DEBORTOLI

 

 

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