quinta-feira, 4 de julho de 2024

 

“3 MESES 

3 DIAS”

ou

(DAQUELAS SURPRESAS AGRADÁVEIS QUE NOS PEGAM QUANDO MENOS ESPERAMOS.)


      

         Faz bastante tempo, passa de um mês e meio (15/05/2024), assisti, no penúltimo dia da temporada, a um espetáculo que me agradou sobremaneira e disse a um dos atores, MARCÉU PIERROTTI, que não teria tempo hábil para escrever sobre a peça, mas demonstrei-lhe esse desejo e prometi-lhe que, tão logo terminasse de escrever várias críticas acumuladas, pelo volume de trabalho e falta de tempo, eu procuraria registrar minha admiração pela peça, para que isso, talvez importante para ele e seu companheiro de cena, RICARDO BURGOS, servisse para alguma coisa; para um registro, pelo menos, de alguém que respira TEATRO o tempo todo e sabe reconhecer o valor de um bom espetáculo. É o que passo a fazer agora, com muito prazer.

 

 




SINOPSE:

“3 MESES EM 3 DIAS” retrata as jornadas de Caio (RICARDO BURGOS), pai do garoto Abel, e Ivan (MARCÉU PIERROTI), neurocirurgião que operou o menino, após uma tragédia que mudou suas vidas para sempre.

Abordando questões sobre paternidade e a relação entre pai e filho, a peça provoca reflexões sobre a fragilidade da vida e as complexidades das relações humanas.

 


 

 



              Trata-se de uma produção bastante franciscana, sem patrocínios, porém feita com muita garra, amor, dedicação, competência e qualidade, o que, muitas vezes, como aqui, supera algumas superproduções que envolvem verbas vultosas. Disse, no primeiro parágrafo, que se tratava de “um espetáculo que me agradou sobremaneira”, na mesma proporção que, paradoxalmente, me deixou bastante “para baixo”, porque mexeu muito com o meu emocional. Fez com que eu me reportasse à minha vida particular também, ao meu passado, assim como deve ter atingido a tantas outras pessoas. Dirigi, numa noite fria e chuvosa, o que ajuda a criar “um clima melancólico”, de volta do Teatro Solar de Botafogo, no bairro do mesmo nome, até a minha casa, a cerca de 30km de lá, em total silêncio, pensando na peça, tentando não chorar e me concentrar na direção do veículo. Todos aqueles que têm filhos já passaram, passam ou passarão por momentos em que surge um questionamento acerca da maneira como educa/educou suas crias e se lhes dá/deu a atenção que eles merecem. E, quando se chega a uma conclusão de que poderia, ou teria que, ser diferente, que estamos “em dívida”, isso é muito doloroso. Eu me considero um “devedor”, mas não porque busquei isso; foi tudo obra da vida, de muita lida, trabalhando em vários colégios, do “iniciozinho” da manhã até o “finalzão” da noite, além de carregar tarefas para serem feitas em casa, nos finais de semana: provas, redações, trabalhos e relatórios para serem corrigidos. O que se pode fazer, quando se é professor num país como o Brasil, onde tudo é mais importante do que a educação. Mas acho que nem deveria enveredar por aí. A peça é que merece os focos mais intensos.

 

 





SINOPSE:

O espetáculo é dividido em dois monólogos independentes, mas que se intercalam. 

PRIMEIRO MONÓLOGO: Ivan (MERCÉU PIERROTTI), um neurocirurgião experiente, relembra o dia em que fez de tudo para salvar um garoto de dez anos durante uma cirurgia de emergência.

Enquanto questiona suas habilidades como cirurgião, por conta de seu insucesso, e a competência para ter um filho, ele também enfrenta o medo de não ter conhecido, verdadeiramente, seu pai, morto prematuramente.

SEGUNDO MONÓLOGO: Caio (RICARDO BURGOS) conta a história de seu filho, Abel, que faleceu, aos dez anos de idade, devido a um acidente doméstico.

Ele relembra anedotas divertidas sobre o filho e expõe as dificuldades que precisou carregar, ao lidar com essa perda, e as consequências que isso gerou em seu casamento com Danilo.

Também questiona a sua capacidade como pai e o temor de se esquecer do seu filho falecido.

 

 

 

 

             Serei breve, porém o mais contundente possível, nos meus comentários, a começar por enaltecer o texto da peça, que corresponde a uma dramaturgia assaz interessante, com uma arquitetura cênica de fazer inveja a qualquer bom dramaturgo, com bastante experiência no ramo, o que penso não ser o caso de RICARDO BURGOS, uma vez que, salvo engano, não conhecia, ainda, nenhum texto anterior seu. Com relação a “3 MESES EM 3 DIAS”, afirmo que o autor foi muito feliz na escrita da peça, para o que contou com uma “colaboração dramatúrgica” de MARCÉU PIERROTTI, como consta na FICHA TÉCNICA. MARCÉU diz que foi convidado por RICARDO para dirigi-lo em num monólogo sobre um acidente traumático, ocorrido com ele, na infância, que o levou a ficar três meses internado”. RICARDO apresentou-lhe o texto e MARCÉU percebeu que havia uma conexão de temas entre o que o amigo lhe apresentou e sua relação com o pai e sua morte repentina. Propôs, então, criar um texto com dois monólogos “que se entrelaçam e se complementam”. Sugestão aceita, estava ali o pontapé inicial para o espetáculo. Antes que possam ensaiar um pensamento errado, o texto passa longe de ser piegas e apelativo.

 

 


 

    A estrutura escolhida para alinhavar as ideias e dar forma final ao texto da peça recaiu na chamada autoficção, uma espécie de “gênero teatral”, que, a cada dia, vem ganhando mais adeptos no Brasil. Um texto de autoficção corresponde a uma escrita que “embaralha as categorias da autobiografia e ficção, de maneira paradoxal, ao juntar, num mesmo texto, duas formas de escrita que, em princípio, deveriam se excluir”. Realidade é uma coisa; ficção é outra, ao pé das letra. A autoficção pode ser compreendida, pois, como “uma nova forma de escrita autobiográfica, própria, talvez, da era pós-moderna, em que a narrativa dos fatos da vida do autor é feita através de uma linguagem própria do gênero romanesco, ou seja, de uma escrita que se pretende artística”. Confesso que esse tipo de TEATRO muito me agrada e que, há algum tempo, venho assistindo a ótimas montagens do “gênero”, como a que ora comento. Dessa forma, os autores se basearam em episódios reais, para criar este novo trabalho, que retrata a jornada pessoal de cada um, porém sob a ótica de dois personagens ficcionais. Os dois colegas de cena contam que “encontraram, na autoficção, uma forma de rever suas crenças sobre masculinidade e explorar suas relações com seus pais e mães, bem como com a paternidade.”.

 

 

 

 


 

    Ambos os monólogos prendem muito a atenção dos espectadores. Assim como eu, o público que quase lotava os 180 lugares da simpática casa de espetáculos não conseguia piscar, de tão atento a cada frase dita pelos dois atores. Cada nova revelação contada abre o caminho da curiosidade do espectador, que fica à espera de algo mais surpreendente que virá, com certeza, não fosse o enredo extremamente importante, pertinente e tratado de um modo tão respeitoso, reverente, além de requerer muita coragem do dramaturgo para mexer em feridas ainda não cicatrizadas de todo; foi a minha percepção. Tanto é assim, que houve a necessidade de transformar em peças algumas recordações, como se houvesse o desejo de exorcizá-las. A pertinência da peça está ligada à necessidade de se colocar sob uma lente de aumento temas profundos e delicados, questões importantes que também devem ser, cada vez mais, discutidas na sociedade contemporânea: a fragilidade masculina e a paternidade. Isso concede à peça um caráter universal e atemporal. Aliás, cada vez mais concernente aos nossos dias.

  

 


 

           É muito importante realçar que a fragilidade do ser humano, suas dores e culpas, que, normalmente, em outros textos, cai sobre a mulher, aqui, sem nenhum pudor, atinge “o mais forte da relação”; ou seja, há uma feliz e oportuna desconstrução do arquétipo do “machão”, que não chora, que não se arrepende, que não erra... 

 

 


 

            MARCÉU PIERROTTI faz um correto trabalho de direção e, além de ser um dos intérpretes do drama, também assina a uma cenografia simples, mas que atende às necessidades do texto. VITOR ROQUE é o responsável pelos figurinos adequados aos personagens, na linha “casual”. FERNANDA MANTOVANI responde pelo desenho de luz, que valoriza bastante cada cena. 

 

 


 

      Os dois atores se entregam, magistralmente, aos seus personagens e transferem a eles a emoção e a marca de suas reminiscências particulares, fazendo com que fiquemos diante de dois ótimos trabalhos de atores, ambos em igual bom nível de excelência.

 

  




 

FICHA TÉCNICA: 

Dramaturgia: Ricardo Burgos

Direção e Colaboração Dramatúrgica: Marcéu Pierrotti

 

Atuação: Marcéu Pierrotti (Ivan) e Ricardo Burgos (Caio)

 

Interlocução Artística: Camila Moreira

Cenário: Marcéu Pierrotti

Figurino: Vitor Roque

Iluminação: Fernanda Mantovani

Direção de Movimento e Preparação de Atores: Thiago Félix

Trilha Sonora: Seth Evans

Operação de Som: Anna Padilha

Fotos: Whangeoud

Coordenação de Produção: Joaquim Vidal

Realização: Hit the Lens e Marcéu Pierrotti Prod.

 

 

 



 

   Já que, infelizmente, o espetáculo já não se encontra mais à disposição de quem não assistiu a ele, desnecessário se faz apresentar o SERVIÇO da peça. Caso consiga uma nova pauta – Torço por isso! -, não só republicarei esta crítica, como recomendarei a montagem, com o SERVIÇO completo. E viva o BOM TEATRO, mesmo quando é feito sem ostentação!

 

 

 


FOTOS: WHANGEOULD

 


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