sexta-feira, 12 de abril de 2024

 “UM FILME ARGENTINO!

ou

(HUMOR INTELIGENTE

E REFINADO

É OUTRA COISA.)

ou

(QUEM SABE APRECIAR UM BOM TEATRO

GOSTA MUITO.)





Inicio este texto, esclarecendo que o motivo de eu estar publicando esta crítica apenas agora – ELE FOI ESCRITO NO DIA SEGUINTE AO DA SESSÃO A QUE TIVE O PRAZER DE ASSISTIR. - deve-se ao fato de eu ter ficado sem internet, DURANTE 35 DIAS, por total incompetência e descaso da operadora VIVO (VIVO FIBRA), pelo que peço desculpas a todos os envolvidos neste projeto.




           Sempre tive por hábito não me deixar influenciar, quando alguém me diz que “não vale a pena ver essa peça, porque é ruim”. Da mesma forma, vou ao Teatro quando tenho interesse pelo espetáculo, pelo elenco, pelo diretor ou por outros motivos, mas nunca porque alguém me disse para ir, que eu tenho que ver. Preciso assistir, para firmar uma opinião. No português claro, se fosse me deixar “emprenhar pelos ouvidos”, no popular, como dizia minha avó, teria deixado de assistir a muitos excelentes espetáculos, na minha visão. Poderia enumerar dezenas deles, em mais de 60 anos dedicados ao Teatro. Antes de ir, no dia 08 de março de 2024, ao Teatro Adolpho Bloch, que já foi Manchete e Prudential, um querido amigo me disse ter ouvido, no “foyeur” de um outro Teatro do Rio de Janeiro, alguns comentários desabonadores sobre a peça “UM FILME ARGENTINO”, com texto e direção de MICHEL MELAMED, com este e LETÍCIA COLIN no elenco. Um dos que, segundo o meu amigo, não gostaram da peça é um velho conhecido comum, de gosto muito duvidoso, a meu juízo, daquelas pessoas bem pudicas, que acham que um palavrão, numa peça teatral, é o suficiente para depreciá-la. Sim, infelizmente, ainda existe quem pense dessa maneira, num tempo em que um mosquitinho ou um vírus podem matar milhares e milhares de pessoas, coisas muito mais importantes com que se importar. A propósito, essa questão do “palavrão no TEATRO”, para mim – eu pensava, pelo menos -, é uma discussão totalmente ultrapassada, que eu julgava já ter sido enterrada, sem direito a missa de sétimo dia. “Então, a peça abunda em palavrões?” De jeito nenhum! E os que existem não são gratuitos ou “para causar” e estão perfeitamente inseridos no contexto das cenas; e não são nada ofensivos. Mas respeito a opinião alheia. Só que ela não vai me convencer, JAMAIS, de que não devo assistir a um determinado espetáculo, por este ou aquele motivo. Antes de prosseguir nas minhas considerações sobre a montagem, à qual gostaria muito de rever, se tempo, na agenda, eu tivesse para isso, já adianto que ADOREI A PEÇA.

 

 


SINOPSE:

A trama de “UM FILME ARGENTINO” começa após uma briga do casal Cláudia (LETÍCIA COLIN) e Cláudio (MICHEL MELAMED), quando ela decide dormir na portaria do edifício onde vivem e, por ali, “cria raízes”.

O par de atores encarna vários personagens que habitam o nosso cotidiano urbano, outros arquétipos que permeiam os diversos momentos de um casamento, cada um mais hilário que o outro, com suas idiossincrasias e particularidades.

O objetivo da peça, além de muito divertir, é tornar possível o “casamento” da “ARTE mais elaborada” com o “popular”, sem, contudo, vulgarizá-lo; quebrar o fosso entre “ARTE e entretenimento”.

 

 

 

 

          O título da COMÉDIA pode provocar alguma inquietação: se é TEATRO, como entra, na história, um “filme”? Baseei-me no “release” que a assessoria de imprensa – leia-se GUILHERME SCARPA - me enviou. Segundo MICHEL MELAMED, a explicação para o título “vem de vários lugares”. Primeiro, porque lhe soa poeticamente. E também tem a ver com a cisão que há no cinema brasileiro: “filmes superpopulares, que são sucesso de bilheteria, e os “de arte”, que concorrem a prêmios” (Contém ironia.). “O cinema argentino consegue reunir os dois”. Sinceramente, não consegui assimilar bem essa segunda justificativa, o que, em absolutamente nada, interfere na minha apreciação e aprovação do espetáculo, o qual poderia até se chamar “Cocada de Maracujá” ou “Paquetá Jamais”. Não faria a menor diferença para mim.

 

 

 

 Creio que, talvez, a proposta da COMÉDIA, de não isolar, em compartimentos estanques, a ARTE e o entretenimento, seja o que possa ter desagradado a algumas pessoas. Repito que respeito todas as opiniões, porém isso não me impede, muito menos me proíbe, de tentar explicar por que vou na direção de uma apreciação contrária à de outros. Repito: ADOREI A PEÇA! Quem for ao Teatro Adolfo Bloch na expectativa de encontrar um texto raso, simples, de fácil compreensão, uma historinha linear, na qual tudo o que se quer ver tem que ser mostrado nos mínimos detalhes, bem ao gosto popular, sem exigir raciocínio e muita atenção, voltará para casa lamentando, talvez, a “perda de tempo” por seu deslocamento até o Teatro. Isso porque não encontrará o que esperava. Não encontrará mesmo!!!

 

 


 O texto da peça é de uma engenhosidade rara, de uma sagacidade robusta, de um bom gosto a toda prova, por meio do qual MELAMED escancara sua inteligência invulgar, sua perspicácia, sua maneira muito própria de, com extremo bom humor, criticar e apontar as fraquezas humanas. A peça é dividida em duas partes. Chamarei a primeira de “Prólogo”, correspondendo a segunda ao desenvolvimento da história, propriamente dita.

 

 

  Esse “Prólogo” não é, como podem pensar, uma espécie de “esquenta”, mas sim uma preparação, um ótimo “aperitivo” para a narrativa a ser contada, em cerca de 80 minutos de puro dinamismo. Durante um bom tempo, na cena inicial, o casal de atores, sentado em duas cadeiras, lado a lado, disserta sobre o casamento e a separação, desfilando teorias, definições e reflexões, utilizando piadas inteligentíssimas e hilárias. O que poderia ser enfadonho, maçante, muito ao contrário, é um dos melhores momentos do espetáculo. A peça já começa “em cima”. E eu, entre uma gargalhada e outra, me dizia: “Isso não tem como não ser muito engraçado, não ser bom. Não há como o espetáculo ‘cair’; será, cada vez mais, ‘para cima’”. E não me enganei.


 

(Foto: Cristina Granato)


  Durante a história, propriamente dita, há muita utilização da linguagem não-verbal, que considero uma forma bem mais difícil para se explorar o humor quando não se tem capacidade para isso, o que não é, absolutamente, o caso de LETÍCIA e MICHEL. A cumplicidade de uma casal, na vida real, é totalmente transferida para o palco, quando estão representando os vários personagens. Não pretendo entrar em detalhes, para não “dar spoilers” e roubar o prazer às pessoas que ainda irão assistir à peça.

 

 

(Foto: Cristina Granato)


  O par, junto, idealizou este trabalho e MICHEL se pôs a escrevê-lo, já sabendo que seria ele o diretor da peça. Isso é um dado importante, porque parece-me que, à medida que as cenas iam surgindo, ele já “rascunhava” o desenho de cada uma. Dirigir um texto próprio creio facilitar as coisas e dar maior liberdade ao diretor. As muitas cenas são rápidas, bem ágeis mesmo, e, a cada nova, uma surpresa mais agradável e cômica surge, já no visagismo de cada personagem. A união disso, do texto e do subtexto só nos provoca uma sucessão de gargalhadas. Ri “a bandeiras despregadas” (Entreguei a idade. Momento descontração.). Para os “novinhos”: Ri com muita vontade e prolongadamente. Por vezes, ainda estava rindo de uma situação, quando já havia outra me provocando.

 

 

           Tão admirável quanto o texto é a direção de MICHEL MELAMED, que me pareceu ter construído a peça em “takes’, à feitura de um filme, como, aliás, era a ideia quando a COMÉDIA ainda estava na forma de “embrião”. Marcações e resoluções criativas, em todas as cenas, não muito fáceis, talvez, para o espectador “comum”, desfilam diante dos nossos olhos, valorizando o “patético” e num ritmo frenético, que obriga o casal de atores a trocar de figurinos num brevíssimo tempo. Sem querer estabelecer nenhuma comparação, lembrei-me de “O Mistério de Irma Vap”, na inesquecível e genial montagem dirigida pela saudosa Marília Pêra, com Marco Nanini e Ney Latorraca, no elenco. Segundo o diretor, há uma intenção de projetar para a plateia, de forma escancarada, uma relação de “cumplicidade”, totalmente alcançada, e muito pela ótima ideia de, ao adentrar a sala de exibição, o público já encontrar os dois atores no palco, descontraidamente, aquecendo-se. Com as coxias à mostra, outra forma de provocar um clima de intimidade com o auditório, os espectadores vão explorando, com os olhos, toda a parafernália cenográfica, colocada nas laterais do palco, que será levada para a cena, no decorrer do espetáculo, da mesma forma como podem observar boa parte do que faz parte do urdimento de um Teatro. É o momento em que LETÍCIA e MICHEL cumprimentam um amigo ou outro quer vai entrando. Trata-se de um expediente antigo, em TEATRO, porém, se funciona, por que não repeti-lo quantas vezes se quiser?

 

 

           Numa postagem que fiz, numa rede social, no dia seguinte ao da minha ida ao Teatro Adolpho Bloch, disse que o espetáculo contava com uma excelente FICHA TÉCNICA, dando destaque a quatro elementos: cenografia, iluminação, adereços e sonoplastia. Aqui, quero acrescentar mais um e pedir desculpas, por não tê-lo mencionado no referido “post”: os figurinos, assinados por LUIZA MARCIER. São criativos e muito engraçados; alguns ultrapassam a noção do que possa ser considerado “normal”.

 

 


         Tão logo cheguei ao Teatro, encontrei uma conhecida que lá trabalha e, conversando com ela sobre a peça, disse-me a moça que achava que eu iria gostar muito do cenário, que, segundo ela, era “incrível”. Criei uma expectativa que, confesso, não ter se confirmado, tão logo me acomodei no lugar que me foi destinado. Pareceu-me uma cenografia interessante, sim, porém com nada que se destacasse. Durante a peça, porém, minha primeira impressão foi sendo transformada numa segunda, numa terceira, numa quarta..., todas as melhores possíveis, até o final do espetáculo, momento em que ocorre uma “intervenção cenográfica” fabulosa e totalmente inesperada – também não darei “spoiler” -, dentro do contexto da peça. Parabéns a MARIETA SPADA, por seu trabalho de cenógrafa!

  

 

           ADRIANA ORTIZ foi “cirúrgica”, no desenho de luz, contribuindo para o acerto da peça, fazendo com que a iluminação cumpra o seu papel, num espetáculo teatral: realçar o que deve ser evidenciado; encobrir o que precisa ser escondido, porque não é para ser mostrado em alguns momentos; valorizar os demais elementos de criação; e, até mesmo, funcionar como um “personagem” na narrativa. Belo trabalho, que continuo aplaudindo!

 

 

         Agindo em conjunto com a cenógrafa e a figurinista, JOSÉ COHEN e LUCILA BELCIC, fazem um ótimo trabalho de “adereçagem”, vocábulo ainda não registrado na língua portuguesa (Criei um neologismo.), cujo significado seria o “conjunto de adereços”, com dezenas de peças e objetos curiosos, criativos e interessantes, que ajudam a contar a história.

 

 

            Pode parecer a alguns que a sonoplastia, numa peça teatral, não seja lá tão importante; um mero elemento “decorativo”. Mas não é bem assim, e, nesta montagem, ela exerce uma importância vital, visto que os inumeráveis sons pesquisados e inseridos na encenação, por ENRICO BARALDI DE FELIPPES, além de serem extraordinários, são fundamentais na construção das cenas e – o que é mais importante – entram com muita precisão, no sentido de tempo e de necessidade, quando são requisitados, valorizando cada momento da montagem.


 

 

           Para finalizar esta apreciação do espetáculo, só preciso falar do trabalho de interpretação de LETÍCIA COLIN e MICHEL MELAMED. Ela, transita, esplendidamente, pelo drama, da mesma forma como brilha nos musicais, desde quando a conheci, em 2009 (E lá se vão 15 anos.), marcando presença, com seu talento e beleza, como a atormentada Ilse, na montagem de “O Despertar da Primavera” (“Spring Awakening”), uma das maiores produções da “grife” “Möeller & Botelho”, no Teatro Villa Lobos, hoje um escombro só, por culpa da inépcia, desinteresse e falta de vontade política dos sucessivos (DES)governos do Estado do Rio de Janeiro. Que eu me recorde, esta é a primeira vez em que a vejo abraçando, por inteiro, a COMÉDIA, demonstrando uma outra faceta de suas múltiplas habilidades artísticas, como uma veterana atriz cômica. A cena em que LETÍCIA, “contracenando com uma porta”, interpreta, em ritmo de tango – Que ideia genial! – a canção “O Que É, O Que É?”, de Gonzaguinha, em espanhol castiço, é um dos pontos altos da peça. Jamais imaginei ouvir alguém cantar “Es hermosa, es hermosa y es hermosa!”, no estribilho. Acompanha-lhe os passos MICHEL, com um jeito muito seu de fazer rir, ambos dizendo o texto com muita naturalidade, como se aquele “non sense” tivesse todos os sentidos do mundo. A “química” que há entre os dois é, talvez, a maior responsável pelo ritmo e a dinâmica da peça.

        

 

 


FICHA TÉCNICA:


Texto: Michel Melamed

 Direção: Michel Melamed

Atuação: Letícia Colin e Michel Melamed

Cenografia: Marieta Spada

Figurino: Luiza Marcier

Iluminação: Adriana Ortiz

Preparação Vocal e Arranjo Tango: Claudia Elizeu

Adereços: José Cohen e Lucila Belcic

Assistência de Direção: Luisa Espíndula

Trilha Sonora: Letícia Colin, Luisa Espíndula e Michel Melamed

Preparação Tango: Neuza Abbes

Fotos: Rael Barja

Arte: Pedro Colombo / Estúdio Vírgula

Sonoplastia: Enrico Baraldi de Felippes

Secretária de Produção: Gabriela Newlands

Cenotécnico: André Salles

Direção de Palco: Lucia Martinusso

Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação e Dobbs Scarpa

Direção de Produção: Bianca de Felippes

Produção: Bianca de Felippes, Letícia Colin e Michel Melamed


 


 

 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 29 de fevereiro a 21 de abril de 2024.

Local: Teatro Adolpho Bloch.

Endereço: Rua do Russel, nº 804, Glória - Rio de Janeiro.

Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 18h.

Valor dos ingressos: R$ 100 (6ª feira) e R$ 120 (sábado e domingo). 

Classificação Etária: 12 anos.

Duração: 80 minutos.

Gênero: COMÉDIA.


 

 

 

        A depender de mim, a parceria laboral surgida entre LETÍCIA COLIN e MICHEL MELAMED já está mais que aprovada e oxalá se repita muitas outras vezes, para a alegria de quem aprecia um bom TEATRO, feito por quem tem competência e consciência de como atingir pessoas que sabem apreciar o que é bom. É uma redundância, mas não me importo de repetir: RECOMENDO MUITO ESTE ESPETÁCUO, e procurarei revê-lo e me divertir mais ainda. E, só para aqueles que, como eu, até bem pouco tempo, pronunciava, de forma errada, o sobrenome do MICHEL, é ME-LA-MED, e não ME-LA-MED(Segundo momento descontração.)

 

 

 


FOTOS: RAEL BARJA

 

GALERIA PARTICULAR

(Foto: Ana Cláudia Matos.)

 


(Com Letícia Colin.)

 

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