quarta-feira, 24 de abril de 2024

 “32º FESTIVAL DE CURITIBA”

 “ANA LÍVIA”

ou

(UMA “MASTER CLASS”

DE INTERPRETAÇÃO TEATRAL

QUE VALE CADA CENTAVO PAGO 

PELO INGRESSO.)

ou

(UM “DUELO DE TITÃS”:

DUAS DIVAS 
NUMA SÓ.)







 

Tanto me interesso por assistir a espetáculos incensados, como também aos que recebem duras críticas de amigos, da crítica especializada ou de pessoas em geral. Quanto a isso, sou o próprio “São Tomé”: “Ver, para crer.”. Há algum tempo, vinha desejando assistir a uma peça sobre a qual ouvira e lera rasgados elogios e, também, comentários desabonadores, menos estes que aqueles, e me lamentava por não ter tido a oportunidade de assistir a ela em São Paulo, numa das vezes em que lá estive, no final do ano passado. Agora, corta para noite do dia 26 de março de 2024, quando os DEUSES DO TEATRO, que parecem encarnar, de vez em quando, nos curadores do “Festival de Curitiba”, me proporcionaram a oportunidade de realizar aquilo que seria, naquele momento, um sonho, para mim. O espetáculo que escolhi para assistir, no segundo dia do “32º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA” foi “ANA LÍVIA”, encenado no Teatro da Reitoria. A escolha se deu por três motivos especialmente: os comentários que eu já levava para Curitiba, de quem já havia assistido à peça; a excelente entrevista concedida, naquela mesma manhã, na coletiva de imprensa, por CAETANO GALINDO, autor do texto, e a oportunidade de ter o prazer de ver, mais uma vez, no palco, o estupendo talento de BETE COELHO, de quem sou um fã declarado. BETE divide o palco com a atriz e diretora GEORGETTE FADEL, cujo trabalho de direção eu já conhecia “de muitos outros carnavais”, entretanto – nem, sei como explicar, atribuindo sempre a “culpa” à “vontade” dos DEUSES DO TEATRO, que sempre querem que tudo aconteça na hora certa. Momento descontração. – jamais tivera a oportunidade de conhecê-la como atriz, talvez pelo fato de eu ir poucas vezes, por ano, a São Paulo, onde ela desenvolve seu trabalho com mais frequência, e, também, porque penso que seja mais atuante fora do palco, presencialmente, como diretora. O fato é que, se, na noite anterior, eu já me afogara em adrenalina, assistindo ao espetáculo de abertura do “FESTIVAL”, depois de ter visto o trabalho irretocável de BETE e GEORGETTE (Até os nomes rimam, uma complementando a outra.) em “ANA LÍVIA”, fiquei quase sem fôlego. Aliás, essa sensação me acompanhou durante os 70 minutos de duração da peça, o coração disparado, numa frequência cada vez mais ascendente.

 

SINOPSE:

         A trama conta a história de duas irmãs atrizes, Ana e Lívia, e se passa inteiramente em um palco de TEATRO.

         Ana (BETE COELHO) precisa contar uma coisa terrível, mas Lívia (GEOREGETTE FADEL) não quer deixá-la falar.

         Lívia quer falar de uma nova peça, enquanto Ana sente que chegou ao seu terceiro ato.

         Ambas estão sozinhas, com suas dores, seus desvios e seus medos, sendo que uma tem apenas à outra.

A vida passada, o TEATRO, a vida que tiveram e têm, uma na vida da outra, o futuro que não sabem que terão.

Tudo isso volta à tona numa conversa em que as duas tentam fugir da verdade, da juventude, da vida, do fato de estarem sozinhas no palco e da dependência de um texto escrito por outra pessoa, esquivando-se do ponto central que precisa ser dito, sem saber se haverá um futuro, dividindo duas de uma só personagem.

Duas atrizes que não têm mais um dramaturgo; dois papéis de uma personagem só.

Ana foi, Lívia é, Ana Lívia... será?

 

         “ANA LÍVIA” é uma peça de alguém que tem uma necessidade orgânica de falar a uma outra pessoa, que não quer ouvir. Comunicação X Alienação. A leitura da SINOPSE supra não esclarece muito o que o espectador verá no palco. É truncada, misteriosa, opaca, porém, ao mesmo tempo, aguça a curiosidade das pessoas. Se a leitura de James Joyce é para poucos, não é diferente a “leitura” desta peça, até para os que são “ratos” de TEATRO, como eu, porém, se, mesmo sabendo disso, a pessoa decidir assistir à peça, terá uma gratíssima surpresa e se sentirá gratificada, ainda que tenha sentido dificuldade para entender o que a dramaturgia pretende comunicar. Confesso que eu mesmo, ator e com formação em Letras, além de “mais de meio século rodados de TEATRO”, em alguns instantes, desafiei meu cérebro, para decodificar alguma coisa que era dita ou representada. Trata-se de uma “peça cabeça”, com um texto hermético, denso e, ao mesmo tempo, poético. O que aconteceu foi que, a partir de um determinado momento, passados, talvez, 15 minutos do início do espetáculo, quiçá por estar, psicologicamente, já cansado do esforço para entender o texto, não consegui escapar da tentação de me fixar no preciosíssimo trabalho de interpretação da dupla de magníficas atrizes. A partir daí, só houve importância, para mim – com o devido perdão do autor -, ver aquelas duas divas se envolvendo num embate cada vez mais robusto. Acho que isso também se deu, além, obviamente, da qualidade do trabalho de interpretação da dupla de atrizes, pelo fato de, nos últimos tempos, eu não estar muito aberto a ter que mergulhar, abissalmente, em escritos rebuscados, abordando temáticas que demandam muito o ter que refletir. Atualmente, interessa-me mais contemplar do que pensar, raciocinar, “intelectualizar”. Seria isso errado?

  

CAETANO GALINDO, que escreveu a peça – É sua primeira experiência como dramaturgo. -, curitibano, é um renomado escritor, tradutor e professor de História da Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Paraná, doutor em linguística, pela Universidade de São Paulo, considerado, no meio acadêmico, como um dos melhores tradutores, atualmente, no Brasil. Admirador, pesquisador e profundo conhecedor do legado literário de James Joyce, publicou, em 2016, uma das mais importantes obras sobre o festejado escritor irlandês, um guia, chamado “Sim, Eu Digo Sim: Uma Visita Guiada ao Ulysses de James Joyce”, livro no qual, de forma bastante didática, nos leva a entender e esmiuçar detalhes e miudezas que passaram, ou não, despercebidos aos olhos de leitores comuns que encararam o desfio de ler a mais famosa obra de Joyce: mais de mil páginas. Sua mais recente publicação, que acabei de encomendar (Meu interesse gira em função do fato de eu ser professor de língua portuguesa.), é o livro “Latim em Pó: Um Passeio pela Formação do Nosso Português”, publicado há pouco mais de um ano, “com o intuito de expor o trajeto de formação da língua portuguesa e instigar o leitor a se questionar sobre o idioma que utiliza no dia a dia”. GALINDO é detentor de vários prêmios, conferidos pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e outras entidades, já tendo sido finalista no mais concorrido prêmio brasileiro de literatura, o “Prêmio Jabuti”.

 

(Foto: Sandra M. Stroparo)

Na entrevista concedida na manhã do dia da estreia do espetáculo, em Curitiba, inserido na “Mostra Lúcia Camargo”, a principal do “32º Festival de Curitiba”, na Sala de Imprensa Zé Celso, GALINDO admitiu que seu texto é hermético e que não atinge muitas pessoas, contudo não se importa muito com isso e, num tom bem descontraído, afirmou: “Tem gente que vai achar ‘cabeção’, no sentido de que não é uma história ortodoxa, com um desfecho limpinho e bonitinho, com um enredo claro. Tem uma certa loucura envolvida”. E tem mesmo: muita; não “certa”. E acrescentou que “a pior situação que vem vivendo é encarar a pergunta sobre o que é a peça, até porque cada um tem uma resposta diferente”. Eu também não saberia dizer. E vai além: “Espero que as pessoas saiam mais se perguntando ‘o que diabos foi aquilo?’ do que tendo entendido uma história clara; tem muita coisa para você ficar com a pulga atrás da orelha”. Foi meio assim que aconteceu comigo mesmo. E arremata, dizendo que não se sabe, ao certo, a identidade das duas mulheres em cena e a relação existente entre elas, nem o que estão fazendo ali. É isso mesmo. É dessa forma que a grande maioria da plateia deve ter saído do Teatro da Reitoria naquela noite, o que, a meu juízo, é o de menos.


       (Foto: Gilberto Bartholo.) 

“ANA LÍVIA”, um vitorioso projeto da “CIA. BR116”, foi escrita por encomenda de BETE COELHO e teve como inspiração o último episódio de “Ulisses”, a icônica obra de James Joyce, traduzida por GALINDO. Na peça, são encontradas referências joycianas, a começar pelo título, inspirado em uma das personagens do escritor irlandês: Anna Livia Plurabelle. O autor do texto resume a peça como “Duas atrizes em busca de um desfecho.”, enquanto a diretora do espetáculo, DANIELA THOMAS, responsável, também, pela econômica e ótima cenografia desta montagem, considera a peça, como eu também, “uma declaração de amor ao TEATRO”.

Voltando ao final do parágrafo imediatamente acima do anterior (“...é o de menos.”), torna-se até “irrelevante, compreensível e aceitável” o fato de alguém não ter captado o que está escrito ou sugerido nas entrelinhas do texto, por mais que isso possa soar como uma “heresia”, mas é que o trabalho entregue pela dupla de formidáveis atrizes é algo tão magnífico, que o mais importante, para um espectador, é ter testemunhado um dos momentos mais inesquecíveis do TEATRO BRASILEIRO de todos os tempos – É ASSIM QUE EU PENSO. – diante da atuação de BETE COELHO e GEORGETTE FADEL. Um “duelo de titãs”: FURACÃO X TSUNÂMI; VULCÃO EM ERUPÇÃO X DILÚVIO; TERREMOTO X QUEDA DE METEORO; INCÊNDIO NA FLORESTA X ATAQUE POR BOMBA ATÔMICA... Não é frequente um encontro de duas estupendas atrizes, dando o seu melhor num palco, como BETE e GEORGETTE. As duas se entregam, numa “velocidade supersônica”, a seus papéis, ora uma, ora outra, emocionando o público, arrancando-lhe aplausos, em cena aberta, e risadas. Muito haveria a ser escrito sobre elas, naquele palco, contudo tudo seria uma sucessão de repetições. Por meio de uma estupenda “batalha” verbal e um intenso trabalho de corpo – Não consta, na FICHA TÉCNICA, o nome de quem assina a “performance” corporal, o que me faz crer que tenha sido obra das duas artistas. -, a(s) personagem(ens) “esgrima(m)”, sem qualquer arma branca nas mãos, sobre a ARTE de representar. Duas que parecem (Ou são?) uma, com características distintas de atrizes. Enquanto ANA carrega um peso mais dramático, mais introvertido, que se aproxima da tragédia, LÍVIA circula, com seu histriônico, lépido e chistoso jeito, mais pelo universo da comédia. No fundo, uma complementa a outra e isso me parece ficar bem claro no final da peça.

   

          Um dos quatro elementos da Natureza - a água - se faz presente, nesta encenação, de maneira marcante. O som do oceano, o marulho das ondas, o barulho delas quebrando nas pedras, se faz ouvir bastante, de duas formas: por meio de uma sonoplastia muito bem pesquisada, que valoriza bastante as cenas nas quais entra, e as onomatopeias produzidas pelas próprias atrizes em ação. Ainda a mesma água nos reserva uma cena deslumbrante, pela qual não esperamos, ao final da montagem, impactando o público. Sem “spoiler”! Tal elemento dá, a cada espectador que o deseje, o direito de decodificá-lo como quiser.

Sobre as contribuições trazidas pelos artistas de criação, o maior destaque, como já era de se esperar, corresponde à fascinante iluminação, do grande mestre curitibano BETO BRUEL, uma luz que valoriza o contraste da claridade e do breu, em alternâncias milimetricamente calculadas, com pontuais momentos de uma proposital hipervalorização da luminosidade.

Neste espetáculo, no qual salta aos nossos olhos, predominantemente, o trabalho de interpretação, os demais elementos de criação, como cenografia e figurinos “coadjuvam” a obra. Aquela, assinada pela diretora DANIELA THOMAS e por FELIPE TASSARA, se resume a uma mesa comprida, em cujas cabaceiras as atrizes se mantêm sentadas, mais BETE que a colega de cena, na maior parte do tempo da encenação, e três cadeiras. A longa extensão da mesa parece representar a distância que há entre elas.  Para levar à cena a ideia de um real palco de TEATRO, a direção optou por deixar à mostra as coxias, o que achei de excelente gosto. Os figurinos, criados por BETE e DANIELA, são simples e confeccionados em tecido preto, lembrando roupas de ensaio.

 



FICHA TÉCNICA:

Texto: Caetano W. Galindo
Direção: Daniela Thomas

Codireção: Bete Coelho e Gabriel Fernandes


Elenco:
Bete Coelho e Georgette Fadel


Cenografia: Daniela Thomas e Felipe Tassara
Assistência de Direção: Theo Moraes

Direção Musical: Felipe Antunes
Assistência de Direção Musical: Fábio Sá

Figurino: Bete Coelho e Daniela Thomas 
Diretor Técnico: Rodrigo Gava
Desenho de Luz: Beto Bruel

Assistente de Luz: Sarah Salgado e Pamola Cidrack

Operadora de Luz: Patricia Savoy
Operador de Som: Rodrigo Gava
Contrarregra: Theo Moraes
“Design” Gráfico: Celso Longo + Daniel Trench
Direção de Comunicação: Maurício Magalhães
Assessoria de Imprensa: Fernando Sant’Ana
“Design” de Mídia Social: Letícia Genesini
Fotos: Annelize Tozetto (Fotógrafa Oficial do “Festival de Curitiba”)
Assessoria Jurídica: Olivieri e Associados
Dramaturgista da Cia.BR116: Marcos Renaux
Local de Ensaio: CASAVACA
Produtora Executiva: Mariana Mantovani
Direção de Produção: Lindsay Castro Lima
Produção: Cia.BR116 – Teatrofilme

 

 

 

         No decorrer da encenação, ANA e LÍVIA, vez por outra, fazem referência a uma determinada peça teatral que alguém – “ele” – escreveu, ficando no ar uma incógnita acerca da identidade dessa pessoa, um “terceiro personagem” (?), que não aparece em cena. Não foi necessário, para mim, demandar muito esforço mental para decifrar tal identificação. Sem correr o risco de ser julgado como um “viajante” – ainda que o TEATRO conceda, a qualquer espectador, o direito de “viajar” nas decodificações, cada um com sua leitura -, julgo que a menção seja dirigida ao próprio autor do texto, algo próximo a uma “metalinguagem”. No mais, fica a minha confiança nos DEUSES DO TEATRO e a esperança de poder rever a montagem e me entregar a uma melhor e mais profunda "degustação desta exótica iguaria".

 

 




 

 

FOTOS: ANNELIZE TOZETTO

(Fotógrafa Oficial do 

“FESTIVAL DE CURITIBA”)

 

 

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