domingo, 14 de abril de 2024

 

“CLAUSTROFOBIA”

OU

(O QUE EU SEMPRE ESPERO VER QUANDO VOU AO TEATRO.)




         Ninguém sai de casa, para ir ao Teatro, esperando assistir a um espetáculo “capenga”, aborrecer-se e lamentar o tempo perdido. Sempre que vou, carrego comigo a certeza de que não deixarei a sala de espetáculo frustrado, para dizer o mínimo. Mas é do jogo; às vezes, não há como não fugir do arrependimento, por ter ido, e da procura por uma “penitência”, para expiar, por não ter feito uma escolha certa. Não sou adivinho; se o fosse, teria aproveitado melhor muitas preciosas horas da minha vida. Ontem, assistindo à penúltima sessão, INFELIZMENTE, do monólogo “CLAUSTROFOBIA”, no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro, voltei para casa como sempre gostaria de que acontecesse: em total “estado de graça”, agradecendo, a quem quer que seja, pela possibilidade de me emocionar muito. No caso dos agradecimentos de ontem, além de a todos os fabulosos profissionais que fazem parte da FICHA TÉCNICA do espetáculo, reservo alguns aos DEUSES DO TEATRO, os quais, de vez em quando, é verdade, acho que para testar a minha fidelidade às ARTES CÊNICAS, me carregam para cada “furada”, e para PAULA CATUNDA (assessoria de imprensa).

        



SINOPSE:

“CLAUSTROFOBIA” reúne um ascensorista, uma executiva ambiciosa e um porteiro que sonha em ser policial.

Pressionados pelo sistema, os três personagens se cruzam dentro de um prédio empresarial, no centro de uma metrópole brasileira.

O solo estabelece um jogo cênico dinâmico, que transita entre a estranheza e o humor.

Através de três vidas que se entrelaçam, a peça expõe o isolamento e a alienação da vida urbana atual.

O prédio onde se passa a história é um microcosmo das relações trabalhistas, humanas e sociais do país.

O espetáculo parte de uma circunstância em que essas questões são não apenas a base das relações interpessoais, mas até definitivas para como os personagens enxergam a si próprios e julgam o outro.

 


 

 

         “CLAUSTROFOBIA”, que não trata de pessoas trancadas dentro de um elevador, por conta de alguma pane, como era de se pensar, e MÁRCIO VITO se merecem. Foram feitos um para o outro. Um espetáculo impecável, para comemorar os 30 anos de bons serviços prestados ao TEATRO BRASILEIRO de um dos melhores atores que conheço no Brasil e que, apesar de ser bastante reconhecido e respeitado, por seus pares e pelos amantes do bom TEATRO, ainda não ocupa um lugar de destaque, de que é merecedor, na galeria dos grandes atores deste país. Talvez seja – aliás, com certeza – pelo fato de não ter uma grande visibilidade, por pouco atuar na telinha. MÁRCIO também tem uma considerável carreira no cinema, mas é, essencialmente, um ATOR DE TEATRO, conhecido, portanto, por um público mais restrito. Não é tão frequente ver, em cena, um ator que se joga de cabeça num personagem – no caso em tela, três – de forma tão íntegra, profissional, competente e profunda. Traduzo, dessa forma, minha admiração por seu precioso trabalho, evitando contrariar os “patrulheiros de plantão”, que se arrepiam diante do adjetivo “VISCERAL”, que EU ADORO E ACHO PRECISO E O MAIS APLICÁVEL A ALGUMAS RARAS ATUAÇÕES. É fascinante, nesta peça, o trato que ele dá à desconstrução de um personagem para, imediatamente, entrar em outro, armando-se de máscaras faciais e posturas corporais precisas. Trata-se de um ator muito premiado, e não foram poucas as vezes que tive a oportunidade de aplaudi-lo tão efusivamente, como ontem. Jamais me esquecerei, por exemplo, de seu marcante trabalho em “Incêndios”, uma OBRA-PRIMA, dirigida pelo saudoso diretor Aderbal Freire-Filho. Em “CLAUSTROFOBIA”, MÁRCIO é milimétrico, em detalhes, na construção e representação das três personas, de maneira comedida, sem nenhum excesso.


(Márcio Vito.)


         ROGÉRIO CORRÊA nos proporciona uma “aula-show” de dramaturgia, com um texto “enxuto”, dito em justos 60 minutos de duração, porém com uma profundeza indescritível e uma excepcional estrutura dramatúrgica poucas vezes reconhecida por mim, num palco. É digna de todos os elogios a construção de seu arco dramático, que consiste na progressão de conflitos que o protagonista atravessa, transformando-se, a cada etapa, até chegar ao ponto mais crítico da jornada, descendendo, finalmente, em direção à resolução da história”. O autor foi muito feliz na escolha e construção dos três personagens, na consistência e nas particularidades das personalidades do trio, e na maneira como trança suas idiossincrasias, utilizando um humor ácido, característico de sua dramaturgia.


(Rogério Corrêa.)


 Em cena, três vidas totalmente estranhas, uns aos outros personagens, mas que, no fundo, convergem para um mesmo ponto. Trata-se de um trio comprimido entre o elevador e a portaria de um prédio de escritórios. Marcelino é um personagem encontrado, à farta, nas principais metrópoles do Brasil: migrante do interior - mais propriamente, do nordeste -, é tímido, introvertido e trabalha como ascensorista, para mandar dinheiro para casa. Quem não conhece um “marcelino”, que seja? Conheci, e conheço, dezenas deles. Ele passa seus dias enclausurado, descendo e subindo, dentro de uma caixa metálica, sem se dar conta de que é totalmente dispensável, em seu labor, e sem maiores aspirações na vida, lutando apenas por sobreviver, com o mínimo de dignidade, na “selva de pedra” de uma grande cidade. Stella é uma executiva ambiciosa, uma espécie de “coach” de si mesma, que está começando em um novo emprego. Preocupa-se, invariavelmente, com sua aparência e a passar, aos outros, uma imagem que não corresponde, na verdade, à sua real essência. Vive presa a uma autocobrança, pressão que coloca sobre si mesma, para atingir ou cumprir uma determinada tarefa de forma perfeita, conforme as expectativas que ela mesma estabeleceu, representada por uma espécie de “alter ego”, que tenta corrigi-la, a cada nova espontânea “escorregada e fraqueza”. O ser humano não pode sair da personagem criada por ela mesma. Por último, porém não menos importante, o porteiro Webberson, o qual, da portaria, controla tudo, até mesmo a música que toca no elevador, e seu volume, só para infernizar, deliberadamente, a vida do colega de trabalho. Ele sonha em ser policial e ter em mãos uma arma que lhe traga “poder” – a arma seria o “passaporte”, o “salvo-conduto” para o “poder”, um pensamento esdrúxulo de uma boa parte dos policiais brasileiros - embora, do alto de sua “importantíssima função”, ele já se julgue o “dono do pedaço”, aquele que detém o poder de regular, comandar, reger e regulamentar vidas alheias, as quais “dependem” dele. Os três não poupam julgamentos, uns aos outros, com o indicadores apontando alguém, esquecendo-se da velha máxima de que, ao fazer isso, os quatro outros dedos se voltam para si mesmos.



 Segundo MÁRCIO VITO, “o texto põe uma lupa nos pensamentos e preconceitos que separam as personagens em classes às quais eles julgam pertencer, que, realmente, são diferentes, entre si, mas eles apenas se imaginam mais distantes uns dos outros do que de fato estão”, o que, de verdade, facilmente está expresso no texto. E o diretor, de forma muito precisa, arrematata: “Esses três personagens se esbarram num mesmo contexto arquitetônico, que é um prédio típico de centro empresarial. Se nos aprofundarmos um pouco mais, as situações acontecem em torno do ascensorista, que está dentro do elevador. São representações de um sistema traduzido pela arquitetura de um prédio. A partir daí, vamos entendendo as humanidades”.



 Como diretor, CESAR AUGUSTO ratifica a minha teoria de que não é preciso ser ator para se tornar um bom diretor, e vice-versa, porém, quando, antes de dirigir, o diretor também atua, parece-me que sua função de “maestro” do espetáculo é melhor desenvolvida. Ótimo ator, ele carrega, para as suas direções, a experiência de décadas de atuação e também é destaque, nas FICHAS TÉCNICAS, como diretor, em espetáculos premiadíssimos, como, por exemplo, “A Tropa”, em cartaz há sete anos, “Cerca Viva” e “Julius Caesar – Vidas Paralelas”, para citar apenas os trabalhos mais recentes. Em “CLAUSTROFOBIA”, ele abusou do direito de esmiuçar um brilhante texto, decodificando-o ao extremo, e de explorar todo o potencial de um ator do gabarito de MÁRCIO VITO. Suas marcações e resoluções de cenas são magistrais.  


(Cesar Augusto.)


 Quando, por total felicidade, e competência, principalmente, todos os artistas da FICHA TÉCNICA “acertam a mão”, o resultado não pode ser outro: sucesso de crítica e de público, este o mais importante: sessões com lotação esgotada e muitas pessoas em filas, aguardando desistências, e/ou voltando para casa, por falta de lugares.



  Já tendo feito uma análise crítica, a meu juízo, do excepcional texto, da acurada direção e da magnífica atuação, ressalto a simplicidade e a pujança de uma cenografia integralmente a serviço da montagem. Não consigo imaginar nada melhor do que pensaram BELI ARAUJO e CESAR AUGUSTO: um cubo, vazado em todos os lados, pendurado, a uma altura de cerca de 10cm do piso, representando um elevador, que se presta a uma estonteante surpresa, ao final da peça, “spoiler” que me recuso a dar e que tem um significado muito expressivo e pertinente ao texto.



 Os dois cenógrafos também assinam o figurino único da peça, o qual se ajusta aos três personagens, ainda que sejam dois homens e uma mulher, permitindo, ao espectador, “enxergar” o que lá não está, como complementos e uniformes. É um traje neutro, na forma de um macacão estilizado, que funciona muito bem na encenação.



E com que maestria ADRIANA ORTIZ ilumina a peça, com um desenho de luz dos melhores que conheci nos últimos tempos! Uma iluminação bem setorizada, branca, pondo em destaque as áreas de atuação em cada cena. Os recortes de luz, nesta peça, são uma atração à parte. O mesmo posso dizer com relação ao cuidadoso e belo trabalho de ANDRÉ POYART, na criação de uma trilha sonora original, indispensável ao espetáculo. Da mesma forma como me referi à cenografia, não posso pensar na falta daquela trilha, para o brilho do espetáculo. Injusto eu seria, se não mencionasse, de forma elogiosa, o trabalho de ANDREA MACIEL, responsável por um corretíssimo trabalho de direção de movimento, que exige muito do ator e que o auxilia na coroação de seu trabalho.



  Preciso dizer, para terminar, que o projeto foi idealizado por ROGÉRIO CORRÊA, estreante, no Rio de Janeiro, em espetáculo presencial. Ele está radicado em Londres, há 30 anos, com algumas breves passagens pelo Brasil, durante esse tempo. Veio para o Rio de Janeiro, onde se encontra até hoje, para acompanhar os detalhes da montagem de sua peça. Tive o prazer de conhecê-lo, pessoalmente, ontem. Apreciador de seu trabalho – Durante a pandemia de COVID-19, já havia assistido, virtualmente, a trabalhos seus, como “Entre Homens”, também dirigido por CESAR AUGUSTO. – acrescento que ROGÉRIO tem preferência por temas políticos e polêmicos e teve a ideia de escrever “CLAUSTROFOBIA” em 2009, durante uma temporada no Rio. Segundo ele, a a motivação para a peça surgiu quando percebeu que, no Brasil, ainda havia muito ascensorista trabalhando e descobriu que, para si, “aquele trabalho era uma metáfora da alienação do capitalismo, do trabalho contemporâneo”. CORRÊA trabalha, em Londres, como roteirista, pela Universidade Goldsmiths, com várias premiações na Inglaterra.

 

 

 


FICHA TÉCNICA:

Texto: Rogério Corrêa

Direção: Cesar Augusto

Ator: Márcio Vito

Cenário e Figurino: Cesar Augusto e Beli Araujo

Iluminação: Adriana Ortiz

Trilha Sonora Original: André Poyart

Assistente de Direção: João Gofman

Direção de Movimento: Andrea Maciel

Assistente de Iluminação: Jandir Ferrari

Assessoria de Imprensa: Paula Catunda

Fotografias: Nil Caniné

Redes Sociais: Rafael Teixeira

“Designer” Gráfico: Rita Ariani

Produção: Malu Costa

Assistente de Produção: Rômulo Chindelar

“Controller”: Cristiane Cavalcante

Contabilidade: Mauro de Santana

Realização: Treco Produções

 


 

 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 07 de março a 14 de abril de 2024.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – RJ – Teatro III.

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Centro (Candelária) – RJ.

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.

Informações: (21) 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br

Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada).

(Estudantes, maiores de 65 anos e Clientes Ourocard pagam meia-entrada.)   

Bilhetes disponíveis na bilheteria do CCBB ou pelo site bb.com.br/cultura  

Funcionamento da Bilheteria: De 4ª a 2ª feira, das 9h às 20h (Fechado às 3ªs feiras).   

Capacidade Teatro III: 86 lugares.

Classificação Etária: 16 anos.

Duração: 60 minutos.

Gênero: Drama.

 


 



         E o que mais dizer sobre esta peça, que, INFELIZMENTE, encerra sua temporada hoje, ainda que eu tenha esperança de que volte em outros Teatros maiores? Que tudo nela é protagonismo e que é um dos melhores espetáculos a que já assisti até agora, neste ano de 2024. Se voltar ao cartaz, irei revê-lo, É uma peça que recomendo a quem sabe apreciar um TEATRO de qualidade.



 

 

 

FOTOS: NIL CANINÉ

 

 

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