sexta-feira, 12 de abril de 2024

 

“ROMEU MAIS JULIETA”

ou

(DA ARTE DE SE FALAR

A LÍNGUA DO POVO.)

ou

(NA VERONA DO SERTÃO,

TUDO VALE,

SE CAUSA EMOÇÃO.)

 

 

 

         Em 2019, a convite do Serviço Social do Comércio, fui a Natal, para os eventos de abertura do “Projeto Palco Giratório” daquele ano, uma fantástica iniciativa do SESC, em prol do TEATRO BRASILEIRO e das ARTES, em geral. Fazia parte das atividades a apresentação de um dos espetáculos que circulariam pelo Brasil por conta do “Projeto”, naquela edição. Era “Meu Seridó”, apresentado pelo “Grupo Casa de Zoé”. Fiquei encantado com a qualidade do espetáculo e, quando, posteriormente, ele passou pelo Rio de Janeiro, assisti à montagem mais duas vezes. Durante a festa que sucedeu à apresentação da peça, pude conhecer muitos artistas locais, e me tornar amigo de alguns, de vários grupos teatrais do Rio Grande do Norte, principalmente os da capital, e tive a oportunidade de vê-los, depois, em ação, no Rio de Janeiro, o que me fez concluir que aquele pequeno estado do nordeste brasileiro - aquele conjunto de nove estados, o qual nos livrou de continuarmos mergulhados no mundo da “treva artística e cultural”, em 2022 -, principalmente, repito, sua capital, Natal, é uma verdadeira “incubadora” de grandes talentos, sendo que muitos daqueles artistas já foram até descobertos, nos palcos, pela televisão – Pode, talvez, não ser “uma boa”, porém, sem sombra de dúvida, lhes agrega visibilidade. - e estão se dividindo entre suas carreiras sobre as tábuas e diante das câmeras.

 

 

 

         Um desses grupos é o “ASAVESSAS”, que esteve em cartaz, no SESC Tijuca, com um espetáculo delicioso, ao qual assisti, a convite de MARIO CAMELO (assessoria de imprensa), no dia 15 de março de 2024, ao ar livre, sob um céu estrelado, abraçado por uma brisa leve e suave, num dia de muito calor no Rio de Janeiro, numa área chamada “Pátio das Tamarineiras”, que deveria ser “das Tamarindeiras”, visto que a árvore “dá” tamarindos, e não tamarinos (Momento descontração.). O motivo de eu estar publicando esta crítica apenas agora – O TEXTO FOI ESCRITO NO DIA SEGUINTE AO DA SESSÃO A QUE TIVE O PRAZER DE ASSISTIR. - deve-se ao fato de ter ficado sem internet, DURANTE 35 DIAS, por total incompetência e descaso da operadora VIVO (VIVO FIBRA), pelo que peço desculpas a todos os envolvidos neste projeto. Trata-se de uma versão de um clássico de Shakespeare, “Romeu e Julieta”, ali transposto para uma Verona que, por conta da magia do TEATRO e da imaginação fértil de quem fez a adaptação, foi, geograficamente, transferida para o sertão nordestino, mais propriamente, o Seridó, e ganhou cores e sabores de uma brasilidade ingênua, divertida e poética.

 

 


Percebi, nos últimos cinco anos, que há uma grande camaradagem e entrosamento entre os grupos de TEATRO potiguares, o que pode ser exemplificado por um excelente espetáculo a que assisti, há exatamente um ano, no mesmo local de encenação de “ROMEU MAIS JULIETA”. Era o premiado grupo de TEATRO “Clowns de Shakespeare”, que estava comemorando 30 anos de existência e resolveu encenar uma versão própria de “Ubu Rei”, de Alfred Jarry, um dos gênios do TETRO do Absurdo, chamada “Ubu: O Que É Bom Tem Que Continuar!”, e, para tanto, reuniu atores próprios do “Clowns” e outros de dois grandes grupos coirmãos: “Facetas” e “ASAVESSAS”. Deste, dois atores, CAJU DANTAS e DEBORAH CUSTÓDIO, estavam naquela montagem e, agora, voltam ao Rio, ao lado de seus colegas de cena, GLÁUCIA DE SOUZA, JOSÉ DE MEDEIROS, RUBINHO RODRIGUES e SALÉSIA PAULINO, os quais se revezam em vários personagens, durante 60 minutos, cravados, de um salutar humor e muito divertimento.

 

 

 


SINOPSE:

“JULIETA MAIS ROMEU” traz um dos maiores clássicos de Shakespeare para o cenário do interior nordestino, em um universo da COMÉDIA popular e de rua, dando um novo olhar à obra.

Envolta por canções, a peça é narrada por seis convidados da grande festa que celebra a trégua entre as famílias de Romeu e Julieta, os “Montéquio” e os “Capuleto”.

Os narradores relembram toda a história do casal, símbolo universal do amor eterno, ilustrando as cenas vividas e dando muitos “pitacos” hilários na relação proibida dos dois.

 


 

É a primeira vez que o Rio de Janeiro recebe uma montagem do “GRUPO ASAVESSAS”, e também é a primeira cidade fora do nordeste em que a peça em tela é representada, e tenho certeza de que a receptividade não poderia ter sido melhor, a julgar pela reação das plateias que assistiram ao espetáculo, desde sua estreia. Acredito que seja por conta do talento dos atores e da direção, bem como a deliciosa e muito inventiva adaptação de um clássico, visto que os atores não são conhecidos do grande público – É o “boca a boca” agindo e funcionando, como sempre, quando o espetáculo é bom. -, contado por meio de uma linguagem popular do TEATRO de rua, que já viveu, no Rio, momentos de glória, sob o comando do grande “Homem de TEATRO, Amir Haddad, com seu “Grupo Tá Na Rua”. Agrada-me muito esse formato de encenação e a proposta, que nos reporta ao TEATRO mambembe, ainda hoje presente nos interiores do país e que teve sua origem nos saltimbancos medievais.


 

A originalidade da dramaturgia adaptada, marcada por muitos elementos da regionalidade nordestina, em que há espaço, inclusive, para a literatura de cordel, começa pelo título, quando a conjunção coordenativa aditiva “E”, com valor de adição, foi substituída pelo vocábulo “MAIS”, normalmente um advérbio de intensidade, aqui “travestido” daquele conectivo, totalmente à maneira do falar nordestino, de forma geral. Em vez de dizerem “João E Maria foram à festa.”, normalmente, formulam a sentença desta forma: “João MAIS Maria foram à festa.”; ou “João foi à festa, MAIS Maria.”, emprego mais usual. Essa singularidade criativa dos adaptadores do texto original, CAMILA CUSTÓDIO, DEBORAH CUSTÓDIO e JOSÉ DE MEDEIROS, foi capaz de condensar, em 60 minutos, e com muito excelente humor, todo o conteúdo da história, de uma tragédia, escrita entre 1591 e 1595, em cinco atos, nos primórdios da carreira literária de William Shakespeare, sem omitir nada de importante, de mais significativo, para o desenvolvimento da trama. Confesso que, quando recebi o “release” da peça e vi que o seu tempo de duração era de apenas 1 hora, fiquei bastante intrigado, pensando em qual “milagre” fora empregado para se contar a história dos “amantes de Verona” em tão pouco tempo. Depois de ter assistido à peça, entendi como do quanto o talento e a capacidade são capazes. Já assisti a “trocentas” montagens de “Romeu e Julieta”, as que seguiram o texto original e outras que fogem a ele, porém confesso que nada se compara à originalidade desta encenação, divertida e lúdica.

 

 

Como, no original, as duas famílias inimigas resolvem viver harmoniosamente, depois do trágico destino do casal de amantes, o trio de adaptadores resolveu iniciar o espetáculo com seis personagens indo a uma festa, patrocinada pelas duas famílias, antes rivais, para celebrar a trégua entre elas. A partir daí, começa a ser contada, e representada, a história de amor dos personagens, com muita música, poesia e comicidade. O que está reservado para o público é uma versão da clássica tragédia shakespeariana sob uma ótica totalmente diferente do que já se conhece sobre a obra, de uma forma inusitada, na qual a linguagem clássica e densa do “Bardo Inglês” é substituída por uma “língua de gente”, como se diz, popularmente, sobre uma linguagem de fácil assimilação por qualquer pessoa do povo.

 


Trata-se de uma montagem “franciscana”. Primeiramente, porque não comporta muita sofisticação e aparato técnico, uma vez que foi projetada para ser exibida, principalmente, em logradouros públicos, e, em segundo lugar, porque está cada vez mais difícil arcar com os custos de uma produção teatral. Isso, todavia, é compensado pelo talento e a garra de todos os envolvidos no projeto; e o resultado é excelente.

 

 


FERNANDO YAMAMOTO, que também se fez presente na orientação de direção, é o responsável por uma cenografia simples e muito representativa de uma praça do interior, com um pequeno praticável e um pórtico florido, lembrando um coreto de pracinha, o qual serve a, praticamente, todas as locações exigidas pelo roteiro. É só o público entrar no clima proposto e dar asas à sua imaginação. ANDRÉ MARTINS assina os figurinos, simples, criativos e práticos, com elementos do artesanato nordestino, enriquecido pelos adereços, criados por PIERRE KEYTH. RONALDO COSTA é o responsável por uma iluminação adequada à proposta, com uma luz perene, marcada por gambiarras de pequenas lâmpadas, como as que existem, por exemplo, em festas nos adros de igrejas do interior.



(Fotos: Gilberto Bartholo.)


É excelente a direção, de PAULA QUEIROZ, que me pareceu ter muita experiência nesse tipo de TEATRO, o “de rua”, que carece de bastante dinâmica, muito bem explorada e desenvolvida por DUDU GALVÃO, com sua direção de movimento, cheia de gestos e marcações precisos. Aqui, entra o trabalho indispensável de THASIO IGOR, na preparação corporal. A parte relativa à música foi muito bem conduzida por CAIO PADILHA (direção musical) e MAYRA MONTENEGRO (preparação vocal).

 

 

 

Para finalizar estas modestas, porém sinceras, considerações, resta-me exaltar o imenso talento de seis estupendos artistas, três atores e três atrizes - CAJU DANTAS, DEBORAH CUSTÓDIO, GLÁUCIA DE SOUZA, JOSÉ DE MEDEIROS, RUBINHO RODRIGUES e SALÉSIA PAULINO - com um imenso potencial de comunicação com uma plateia. O sexteto faz com que todas as ações se passem num piscar de olhos. Nunca vi um período de 60 minutos ter a cara de 10 e, ainda por cima, nos deixar aquele “gostinho de quero mais”. Não tenho como destacar ninguém do sexteto, pois considero todos nivelados por um sarrafo colocado numa altura muito considerável. Todos se expressam magnificamente, interpretando e cantando, de forma muito natural e espontânea, parecendo que se divertem, no espaço cênico, tanto quanto as pessoas acomodadas em seus lugares. Caracterizados em seus múltiplos personagens, todos nos passam uma brejeirice e simplicidade próprias dos interioranos. De tal forma são brilhantes no que fazem, que, por vezes, ficamos na dúvida se prestamos atenção a quem está atuando, num determinado momento, ou se permanecemos olhando para quem acabou de participar de uma cena e se prepara, por trás do cenário, para a próxima. Que elenco homogêneo e competente, "da gota serena"!

 

 


FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Camila Custódio, Deborah Custódio e José de Medeiros

Direção: Paula Queiroz

Orientação de Direção: Fernando Yamamoto

 

Elenco: Caju Dantas, Deborah Custódia, Gláucia de Souza, José de Medeiros, Rubinho Rodrigues e Salésia Paulino

 

Direção de Movimento: Dudu Galvão

Direção Musical: Caio Padilha

Cenário: Fernando Yamamoto

Figurino: André Martins

Orientação de Figurino: João Marcelino

Iluminação: Ronaldo Costa

Preparação Vocal: Mayara Montenegro

Preparação Corporal: Thasio Igor

Aderecista: Pierre Keyth

Costrureira: Ilzen Carvalho

Cenotécnica: Rafael Telles, Rogério Ferraz e Rogério Pereira

Assessoria de Imprensa: Mário Camelo

Fotos: Tiago Lima

Produção: Talita Yohana (Tayó Produções)

Realização: Grupo ASAVESSA

 


 


         Por motivos mais que óbvios, deixo de apresentar o SERVIÇO da peça, dado que a temporada, infelizmente, terminou no último dia 31 de março, que, a partir de 1964, deveria ter sido consagrado como o “Dia das Mentira” (Pessoas inteligentes e perspicazes hão de entender. Momento descontração.). Depois de tudo o que eu escrevi, tentando condensar a minha alegria por ter tido a oportunidade de assistir a esta excelente COMÉDIA, acho que até seria dispensável dizer que RECOMENDO MUITO, COM TODO O MEU ENTUSIASMO, O ESPETÁCULO, caso volte ao cartaz, pelo que anseio.


 

 


FOTOS: TIAGO LIMA

 

GALERIA PARTICULAR:

 

 

 

 

VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!

RESISTAMOS SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!


























































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