segunda-feira, 14 de agosto de 2023

“FURACÃO”

ou

(NO LODO, 

NASCE A

FLOR-DE-LÓTUS.)

 


    Ir a um Teatro, para assistir a um novo trabalho da “AMOK TEATRO”, que prima pelo bom gosto, elevado senso profissional e perfeccionismo, é sempre uma certeza de satisfação garantida. Em 25 anos de existência, ANA TEIXEIRA e STEPHANE BRODT, fundadores da CIA., jamais assinaram um espetáculo que não merecesse, de minha parte, no mínimo, a classificação de ÓTIMO, sendo que, a alguns, dedico a distinção de OBRA-PRIMA, como foi o caso, por exemplo de “Salina – A Última Vértebra” (2015) e “Os Cadernos de Kindzu” (2018). Na última 5ª feira (10 de agosto de 2023), fui conhecer a mais recente produção da “AMOK” e, como já esperava, deixei o Teatro Sergio Porto, no Rio de Janeiro, “flutuando nas nuvens”, depois de ter assistido a “FURACÃO”, daqueles espetáculos que me fazem refletir sobre a capacidade criativa do ser humano, para imaginar uma belíssima peça, partindo de um desastre climático, no caso, a passagem do furacão “Katrina”, em 2005, pelo sul dos Estados Unidos, na cidade de Nova Orleans, mais propriamente.




    “FURACÃO” é um espetáculo que leva o público a refletir, obviamente, sobre as consequências das questões climáticas, porém vai além disso, abrindo um leque de questionamentos, no qual há espaço para a ética, o racismo e o retorno à ancestralidade. A peça é baseada na obra homônima do premiado escritor francês LAURENT GAUDÉ, que recebeu um ótimo tratamento dramatúrgico, da parte de ANA e STEPHANE.




 

 SINOPSE:

“FURACÃO” coloca em cena uma poderosa personagem feminina – uma espécie de “griot” americana (Na tradição africana, os “griots” - pronúncia: “griôs”- e “griottes”, para as mulheres, são contadores de histórias, muito sábios e respeitados nas comunidades onde vivem.), trazendo um tema urgente: a situação dos excluídos, diante das catástrofes climáticas que devastam o planeta.

No coração da tempestade, Joséphine Linc Steelson (SIRLEA ALEIXO), “uma velha negra de quase cem anos”, enfrenta a fúria da natureza.

Uma mulher marcada pela segregação racial.

Uma voz que ecoa como um grito na cidade inundada e abandonada à própria sorte.

O espetáculo segue a trajetória dessa mulher, cuja história poderia ser, também, a história de tantas mulheres brasileiras.

 

 



      A violência de um furacão não escolhe suas vítimas, entretanto sabemos que estas, em sua esmagadora maioria, sempre são as pessoas menos favorecidas, aquelas que não conseguem atingir meios que as possam salvar do gigantesco perigo. Esse pensamento se ajusta, como uma luva, à situação das populações atingidas pelos grandes temporais, no Brasil, uma vez que, por não dispor de recursos que lhes permitam uma moradia segura, veem-se obrigadas a se “empoleirar”, em morros, ou se compactar, à beira de fluxos de água poluída, assoreados,  dentro de construções frágeis, as quais, quando vem o “dilúvio”, são carregadas, encosta abaixo ou “rio” afora,  com tudo, ou quase nada, que se encontra dentro delas, inclusive vidas humanas.




     No caso específico do triste e lamentável episódio do Katrina, registrado acima, a devastação, em Nova Orleans, não chegou com precisão de destinatários, contudo a minoria branca conseguiu se prevenir e abandonar a cidade, posteriormente transformada numa “cidade fantasma”, antes da chegada da “indesejada das gentes” (Minha homenagem a Manuel Bandeira.). Tomando por base a devastação que o furacão causou à comunidade negra dos bairros pobres de Nova Orleans, a obra de GAUDÉ mergulha, abissalmente, nos corações e mentes dos sobreviventes da catástrofe, na pessoa da personagem Joséphine Linc Steelson, visceralmente interpretada por SIRLEA ALEIXO, atriz que, para mim, pelo menos, foi uma gratíssima surpresa. Salta aos olhos dos espectadores a energia direcionada à interpretação da personagem. Não sei de onde SIRLEA retira tanta energia, tanta potência, para ser transferida à sua Joséphine. Ela distribui, harmoniosamente, diferentes entonações e ritmos, de acordo com a carga emotiva contida em cadas frase.   




Na montagem, por meio de um texto bastante denso e realista, a dupla de encenadores optou, mais uma vez com grande acerto, pelo amálgama TEATRO/música, que sempre deu certo, em todas as vezes que o duo recorreu a tal união. No caso da música, que, no espetáculo, alivia bastante a tensão provocada pela ótima dramaturgia, a inspiração voltou-se para a do tipo popular do sul dos Estados Unidos, o genuíno “blues”, um gênero e forma musical originado por afro-americanos, (...), em torno do fim do século XIX, desenvolvido a partir de raízes das tradições musicais africanas, canções de trabalho afro-americanas, “spirituals” e música tradicional. As canções são, magnificamente, interpretadas, ao vivo, por RUDÁ BRAUNS e ANDERSON RIBEIRO, dois músicos, e por TATY ALEIXO, excepcional cantora, que também é aproveitada, numa pequena, porém profícua, participação como atriz.




STEPHANE BRODT também assina a direção musical do espetáculo, e a dupla de músicos, a criação e produção musical. A trilha sonora da peça agasalha versões próprias de clássicos, como “Pussycat Moan”, “O Death”, “Hard Times Killing Floor Blues” e “Strange Fruit”. Um detalhe interessante, para os que, como eu, se interessam por esse tipo de música: a partir da segunda quinzena de setembro, a trilha sonora do espetáculo vai estar disponível nas principais plataformas musicais de “streaming”.




A encenação, que se apresenta em torno de uma narrativa linear, com a correta utilização de “flashbacks”, traz a lume questões complexas relativas à ética, mostrando o que já sabíamos, pela imprensa, mas para o que, talvez, não tivéssemos, à época, dado tanta importância, como nos leva a fazer a peça, ou seja, que “os mais pobres foram os únicos a ficar para trás, depois do alerta de tempestade” (“mais pobres = negros). Não teria sido, exatamente, o mesmo que que deu com relação às vítimas de “Brumadinho”, dentre tantos outros exemplos?




O espetáculo gira em torno de uma personagem sobrevivente a uma tragédia, mas também pode ser considerado um tributo àqueles que não tiveram a mesma sorte, número estimado em quase 2.000 pessoas, além dos cerca de 130.000 que ficaram desabrigados. Mas o que, no fundo, o autor do texto pretende, com sua obra, é mostrar “o peso da desigualdade, em momentos de tragédia”, peso este que, infelizmente, todos sabemos existir, também, fora delas.  Trecho extraído do “release” que me foi enviado por NEY MOTTA (“Arte Contemporânea Comunicação Ltda. – Assessoria de Imprensa): “Uma narrativa que mistura a gravidade do trágico com a doçura da fábula, para exaltar a beleza comovente daqueles que, apesar de tudo, permanecem de pé.”. A Senhora Joséphine Linc Steelson, que, repetidas vezes, como um mantra, faz questão de dizer que é “uma velha negra de quase cem anos”, como a querer que não pairem dúvidas quanto à sua força e vigor, para lutar por um espaço, numa sociedade ultrassegregacionista e cruel, é uma digna e fiel representante dos que “optaram” por “ficar de pé”, se é que isso caiba numa “opção”.




       Em se tratando dos elementos de criação, os principais deles, cenografia, figurinos e iluminação, ganharam um tratamento de pouco protagonismo, sem que tenham sua importância relegada a um plano muito inferior ao dos que carregam toda a força maior do espetáculo: texto, direção e interpretação. A simplicidade pontua os três. O cenário, criado pelo casal ANA e STEPHANE, é único e bastante sugestivo, além de abrir possibilidades, ao espectador, de ver o que nele não existe concretamente, como outros “sets”. Os figurinos, também desenvolvidos pelos dois, não poderiam ser mais simples e sóbrios, como a tônica da montagem exige. E a luz, desenhada por RENATO MACHADO, parece ter sido fruto de uma aposta do “menos é mais”, muito bonita e acertada, contribuindo para lindas imagens no espaço cênico.


 


 

 



 FICHA TÉCNICA:

Texto Original: Laurent Gaudé

Adaptação: Ana Teixeira e Stephane Brodt

Direção: Ana Teixeira e Stephane Brodt

 

Elenco: Sirlea Aleixo (atriz), Taty Aleixo (atriz e cantora), Rudá Brauns e Anderson Ribeiro (músicos)

 

Cenário: Ana Teixeira e Stephane Brodt

Figurino: Ana Teixeira e Stephane Brodt

Iluminação: Renato Machado

Direção Musical: Stephane Brodt

Criação e Produção Musical: Rudá Brauns e Anderson Ribeiro

Operador de Luz: João Gaspary

Cenotécnico: Beto de Almeida

Confecção de Figurinos: Ateliê das Meninas

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Fotos: Sabrina Paes e Renato Mangolin

Direção de Produção: Sonia Dantas

Produção Executiva: Gabriel Garcia

Assistente de Produção: Lucas Petitdemange

https://www.amokteatro.com.br


 


 


 

 


SERVIÇO:

Temporada: De 03 a 27 de agosto de 2023.

Local: Teatro Sergio Porto (Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto).

Endereço: Rua Humaitá, nº 163, Humaitá, Rio de Janeiro.

Telefone para informações: (21)2535-3846.

Dias e Horários: De quarta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$30,00 e R$15,00.

Duração: 70 minutos.

Classificação: 12 anos.

Gênero: Drama.

 

Circulação com apresentações do espetáculo FURACÃO e oficinas de “Treinamento Improvisação” – Programação gratuita:

 

Dia 8 de setembro, sexta-feira:

Local: Arena Carioca Fernando Torres.

Endereço: Rua Bernardino de Andrade, nº 200, Madureira, Rio de Janeiro.

Telefone para informações: (21)3496-0372.

Apresentação do espetáculo às 18h.

Com debate após a apresentação.

Programação gratuita.

 

Dia 10 de setembro, domingo:

Local: Arena Carioca Dicró.

Endereço: Rua Flora Lôbo, s/nº, Penha Circular - Parque Ari Barroso - Rio de Janeiro.

Telefone para informações: (21)3486-7643.

Apresentação do espetáculo às 18h.

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h às 18h.

Programação gratuita.

 

Dia 11 de setembro, segunda-feira:

Local: Museu da Maré.

Endereço: Avenida Guilherme Maxwel, nº 26, Maré, Rio de Janeiro.

Telefone para informações: (21)3868-6748.

Apresentação do espetáculo às 19h.

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h às 18h.

Programação gratuita.

 

De 18 a 22 de setembro, segunda a sexta-feira:

Local: Casa do Amok Teatro.

Endereço: Rua das Palmeiras, nº 96, Botafogo, Rio de Janeiro.

Telefone para informações: (21)2543-4111.

Oficina “Treinamento Improvisação”, das 9h30min às 12h30min.

Programação gratuita.

 

 




        Há 25 anos, desde sua fundação, o “AMOK TEATRO” não vem fazendo outra coisa que não seja escrever, com tinta cada vez mais forte e indelével, o seu nome, como uma das melhores CIAs. do TEATRO BRASILEIRO.  A essa linda trajetória, “FURACÃO” vem se juntar, como um dos melhores espetáculos a que assisti neste pouco mais de meio ano de temporada carioca de 2023. Em função disso, recomendo, com bastante entusiasmo, esta produção teatral.

 

 



 


 

FOTOS: SABRINA PAES

e

RENATO MANGOLIN

 

 

 

VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS

DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,

SEMPRE!

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR

NO TEATRO BRASILEIRO!

 

















































































Nenhum comentário:

Postar um comentário