sexta-feira, 11 de agosto de 2023

 ""AS BRUXAS

DE SALÉM" 

ou

("TEATRÃO" 

NA VEIA; 

NO MELHOR SENTIDO.)





       Todas as vezes que vou a São Paulo, reservo uma noite para ir até a Praça Roosevelt, a fim de assistir ao espetáculo que está sendo encenado no “Espaço dos Satryros”, pela companhia que leva o mesmo nome, sempre sob o comando de IVAM CABRAL e RODOLFO GARCÍA VÁSQUEZ. Há cerca de quinze dias, mais propriamente no último dia 29 de julho (2023), pude assistir a uma peça pela qual tanto ansiei, “AS BRUXAS DE SALÉM”, que alguns chamam de “As Feiticeiras de Salém”, um clássico da literatura dramática, que nos foi legado pelo gênio de ARTHUR MILLER, um dos maiores dramaturgos norte-americanos, o qual aqueles que amam o bom TEATRO admiram e conhecem mais, talvez, por outra obra, “A Morte do Caixeiro Viajante”, encenada em muitos países, inclusive no Brasil, com inúmeras montagens, algumas memoráveis. “A Morte...”, de 1949, venceu o “Prêmio Pulitzer de Teatro” e três “Prêmios Tony”, bem como o “Prêmio do Círculo de Críticos de Teatro de Nova Iorque”. “AS BRUXAS...” estreou, na Broadway, em 1953, onde fez carreira em duas temporadas, próximas uma da outra, a primeira “morna”, mas a segunda com grande sucesso. Também merecem destaque, na sua vasta obra, “Panorama Visto da Ponte” (1955) e “O Preço” (1968), dois outros grandes clássicos da dramaturgia universal. MILLER faleceu em 2005, com quase 90 anos. Na peça aqui comentada, o dramaturgo trata de assuntos muito delicados e próximos a si, já que vivenciou momentos difíceis, em sua vida, relacionados à política, chegando a ser condenado e preso, sob a suspeita de pertencer ao Partido Comunista, um grande “bicho-papão” para os norte-americanos.






Sempre demonstrei minha grande admiração por esse texto, cujo conteúdo estudei, com certa profundidade, durante minhas aulas de literatura americana, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos idos de 1971 ou 1972  sob a orientação de um renomado mestre norte-americano, porém confesso, até com um pouco de vergonha, por minha incapacidade criativa, que jamais poderia imaginar que, um dia, assistiria a uma encenação desse texto como a que vi, sob a direção de RODOLFO GARCÍA VÁZQUEZ, o qual, junto com IVAM CABRAL, percebeu tantos pontos de interseção entre o momento político-social em que se passa a trama e os últimos anos no Brasil, sob o mesmo aspecto, a partir da polarização da sociedade brasileira contemporânea, mormente entre o triste episódio da “Operação Lava Jato” e a frustrada, absurda, inconcebível, inconsequente e antidemocrática tentativa de golpe, de 8 de janeiro do corrente ano.






 

 SINOPSE:

Na pequena cidade de Salém, Massachusetts, durante o século XVII, uma onda de histeria toma conta da comunidade, quando um grupo de meninas adolescentes acusa várias mulheres da cidade de bruxaria.

Entre as personagens principais estão John Proctor (HENRIQUE MELLO), um fazendeiro respeitado na comunidade; o Reverendo Parris (GUSTAVO FERREIRA), um pastor ambicioso e inimigo de Proctor; Abigail Williams (JULIA BOBROW), a jovem sobrinha do reverendo, que teve uma paixão frustrada; Elizabeth Proctor (ELISA BARBOZA) esposa de John; e o Reverendo Hale (DIEGO RIBEIRO), um especialista em bruxaria, enviado para investigar as acusações.

Conforme as acusações se multiplicam, a cidade é tomada pelo medo e paranoia, dividindo-se entre aqueles que acreditam nas acusações e os que desconfiam das motivações das jovens.

John Proctor se vê no centro do conflito, lutando para proteger sua esposa e enfrentando seu próprio passado.

A peça aborda temas profundos, como a manipulação, a histeria coletiva, a moralidade e o preço da integridade.

À medida que a narrativa se desenrola, os personagens são testados, em sua coragem e moral, revelando segredos sombrios e forjando alianças inesperadas.

“AS BRUXAS DE SALÉM” é uma alegoria. que explora as tensões entre polos extremos, como a verdade e a mentira, a justiça e a injustiça, deixando o público imerso em um enredo repleto de conflitos morais e emocionais, que estabelece relações diretas com a violência política, a manipulação, a política de cancelamento, a pós-verdade e as “fake news” de hoje.


 






A encenação em tela é algo a merecer os mais calorosos aplausos das plateias que superlotam o acanhado, porém muito acolhedor, espaço dos “Satyros”, pelo estupendo resultado obtido e pela coragem e ousadia do encenador e de todos os envolvidos no projeto, que conta com 33 atores em cena, a se apresentar para apenas 60 espectadores.






Num espaço cênico quase que totalmente vazio, com poucos elementos cenográficos – A cenografia é assinada por THIAGO CAPELLA. -, que entram nele e saem, para dar lugar a outros “sets”, o espetáculo é capaz de nos “transportar ao obscuro período das caças às bruxas do século XVII” e, ao mesmo tempo, nos induz a uma reflexão, no que tange à já citada polarização, com a ascensão da extrema direita, ávida de poder, à custa de muita barbaridade, de toda sorte, com uma brutal carga de negacionismo, corrupção e violência. A proposta desse "transporte" conta, também, com a preciosíssima iluminação de FLÁVIO DUARTE, bem comedida, valorizada muito mais por sombras do que por luzes. Sombras e trevas são propícias a encobrir o que existe para ser críptico, escondido.






No embalo dos comentários direcionados aos elementos de criação, um devido destaque para os figurinos – leia-se ELISA BARBOZA e MARCIA DAILYN -, que me pareceram adequados aos personagens e, principalmente, à época, simples e distantes de um “glamour”, que seria mesmo totalmente desnecessário, mesmo para os personagens mais abastados. Tanto os cenários quanto os figurinos remetem ao “puritanismo”, “doutrina protestante baseada no Calvinismo, orientada por princípios morais rígidos e forma simples de adoração, praticados na Inglaterra, durante o século XVI, em que os preceitos se pautavam no cristianismo puro, seguindo normas de condutas mais rigorosas que as ordinariamente vigentes”.






Por ter sido um dos idealizadores desta montagem, além de encarregado da tradução do texto original, que mereceu uma ótima dramaturgia de LUÍS HOLIVER e SABRINA DENOBILE, RODOLFO GARCÍA VÁSQUEZ seria mesmo a melhor pessoa para assumir a direção do espetáculo, com a dificílima tarefa de trabalhar com um talentoso “cast” de 33 atores/atrizes, a preencher, de forma bastante criativa e dinâmica, o amplo espaço cênico, praticamente nu. O texto é bastante “encorpado”, “denso”, profundamente dramático e, caso não recebesse um correto tratamento de um ótimo diretor, poderia se transformar em algo enfadonho, para muitos, principalmente os que são dados a um TEATRO “digestivo”, o que passa muito ao largo desta encenação. Não! Aqui a “digestão” é difícil, porque nada existe por acaso e tudo pesa “toneladas”, nos confrontos que a peça apresenta. Em todas as cenas, o espectador se sente atraído por um poderoso “íma”, o espaço cênico, e não consegue se dispersar das ações, deixando-se “viajar”, em devaneios e digressões. Cada cena encerrada é o gatilho para novas emoções, fruto do rendimento de um homogêneo elenco, capitaneado por um diretor do gabarito de VÁSQUEZ.



Ivam Cabral e Rodolfo García Vásques.










Com relação ao elenco, por, infelizmente, ser meio bissexto o meu contato com os artistas que o compõem, pelo fato de eu morar no Rio de Janeiro, só conheço mais de perto o trabalho de alguns, entretanto aplaudo a todos com a mesma pujança, pelo único fato de enxergar, em cada um deles, dos que representam os personagens mais importantes na trama aos que têm uma participação mais tímida, excelentes representantes da honrada classe dos atores/atrizes. Algumas interpretações, nesta montagem, são comoventes e viscerais, como os trabalhos dos que compõem o núcleo dos protagonistas e alguns outros, como é o caso de ALANA CARRER, DIEGO RIBEIRO, ELISA BARBOZA, GUSTAVO FERREIRA, HENRIQUE MELLO, JULIA BOBROW, MARCIA DAILYN e MARIANA FRANÇA, por ordem alfabética. Espero não ter esquecido nenhum nome, pelo que, caso isso tenha acontecido, peço desculpas. Mas que fique bem claro que todas as atuações são dignas de muitos aplausos.

 

 




 


 FICHA TÉCNICA:

Idealização: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez

Texto: Arthur Miller

Tradução: Rodolfo García Vázquez

Dramaturgia: Luís Holiver e Sabrina Denobile

Direção: Rodolfo García Vázquez

Assistência de Direção: Guilherme Andrade

 

Elenco: Alana Carrer, Alessandra Nassi, Alex de Felix, Aline Barbosa, André Lu, Anna Paula Kuller, Bruno de Paula, Cristian Silva, Daj, Diego Ribeiro, Diogo Silva, Eduardo Chagas, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Georgia Briano, Guilherme Andrade, Gustavo Ferreira, Henrique Mello, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Julia Bobrow, Karina Bastos, Laura Molinari, Luís Holiver, Marcia Dailyn, Mariana Costa, Mariana França, Morena Marconi, Pri Maggrih, Rosi Horácio, Sabrina Denobile, Suzana Horácio, Vagner Santos e Vitor Lins

 

Cenário: Thiago Capella

Figurino: Elisa Barboza e Marcia Dailyn

Iluminação: Flávio Duarte

Sonoplastia: Coletiva

Preparação Vocal: André Lu

Operação de Luz: Flávio Duarte

Operação de Som: Gabriel Mello

Fotos: André Stefano

Produção: Diego Ribeiro, Elisa Barboza, Gabriel Mello e Maiara Cicutt

Realização: Os Satyros

 

Atendimento à imprensa: Diego Ribeiro - Tel. 11 99855 7701

 


 





 

 SERVIÇO:

Temporada: De 17 de junho a 27 de agosto.

Local: Espaço dos Satyros.

Endereço: Praça Roosevelt, 214 – Consolação – São Paulo.

Telefone: (11)3255 0994 / (11)3258 6345 | WhatsApp: (11)97883-9696.

Capacidade: 60 lugares.

Dias e Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h30min; domingos, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira), R$25,00 (meia-entrada) e R$5,00 (para moradores da Praça Roosevelt, somente na bilheteria física).

Venda “on-line” e bilheteria física.

“Link” para a compra de ingressos antecipados na Sympla: https://bit.ly/SatyrosBruxas

Duração: 140 minutos, com intervalo de 15.

Classificação Etária: 16 anos.

Gênero: Drama.

 


 





Por total falta de tempo, no momento, não poderei me aprofundar mais nos meus comentários, embora não me falte o desejo de fazê-lo e um riquíssimo material informativo, que tanto existe no completíssimo “release”, que recebi de DIEGO RIBEIRO, sempre muito atencioso para comigo, como no detalhado programa da peça, algo hoje que pode ser comparado a uma “raridade”. Em tempo, odeio o tal do QRCode, essa invenção infernal, que, a título de economia, de papel e dinheiro, - justificativa frágil, que não se sustenta - nos rouba o prazer de folhear um bom programa de TEATRO.






Mesmo assim, chamo-lhes a atenção para alguns detalhes que saltam aos nossos olhos, na peça, como, por exemplo, o perigo da histeria coletiva e da disseminação de medo, o que leva a uns acusando outros, sem comprovações de “delitos”, apenas para salvar a própria pele; perigo, também, no que diz respeito à manipulação e abuso de poder, quando os mais fortes se aproveitam da fragilidade dos mais fracos e sem direito a vez e voz; a questão da intolerância e perseguição, como no caso das religiões e das diferenças, de todos os tipos; o julgamento público e precipitado, que leva ao chamado, popularmente, “cancelamento”, em que pessoas são execradas, “sem dó nem piedade”, por aquilo que não são culpadas; a, intencionalmente, fabricada crise de confiança nas instituições, com o consequente abalo da democracia e do estado democrático de direito; a corrupção e a praga das “fake news”, um dos maiores flagelos, que sempre existiu, porém tomou mais corpo, incentivadas “pelos fascistas de plantão”, nos últimos quatro anos - foram, e ainda são, responsáveis por prejuízos incalculáveis, de todos os tipos.






       Na obra de ARTHUR MILLER, também notamos várias inversões de valores, como ocorre hoje, tais como a presunção de inocência, fazendo com que os acusados sejam considerados culpados, até que provem sua inocência, quando deveria ser o contrário. Também ocorre uma distorção quanto ao devido processo legal, representado por julgamentos injustos e parciais (Vide “Operação Lava Jato”.). Também a garantia dos direitos individuais é violada, tanto na obra quanto no Brasil hodierno (Até 31 de dezembro do ano passado.). Outro fator considerado, em ambos os casos, é a efetividade e a celeridade processual; ou melhor, a falta delas.






        Ademais, ainda podem ser decofidicados, na peça, outros temas centrais, como a cultura do ódio, a violência de massas e o obscurantismo.






     Penso ser do interesse dos que me leem algumas “curiosidades” sobre a peça, extraídas do já referido excelente “release”: 1) A primeira montagem do texto, em 1953, apesar de ser premiada com o “Tony Awards”, não chegou a ser um sucesso comercial ou de crítica. Somente no ano seguinte, com a segunda montagem, ela foi unanimidade de crítica e público (Já fiz essa referência.). 2) A primeira adaptação para o cinema foi realizada por Jean-Paul Sartre, nos anos 1950. 3) A peça é totalmente inspirada em fatos históricos, ocorridos em Salém, sendo que ARTHUR MILLER pesquisou em documentos públicos do processo judicial da época. 4) A primeira montagem de “AS BRUXAS DE SALÉM”, no Brasil, ocorreu em 1960 e teve a direção de Antunes Filho.






        É impressionante o fato de que, da maneira como o espetáculo foi desenvolvido, sem que haja um afastamento ostensivo do texto original, o público consiga, com bastante facilidade, identificar todas as relações existentes entre a ficção, que foi baseada na realidade, com a verdadeira realidade, dos dias de horror pelos quais passamos nos últimos anos, principalmente no período compreendido entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022.






   Sem nem levar em consideração o espetáculo em si, o acontecimento teatral, que é esta peça, só a ideia de montá-la, no atual momento, sob a ótica da analogia e do paralelismo com outro período da história do Homem sobre a Terra, com o propósito de alertar sobre os perigos que envolvem os temas nela abordados, só isso bastaria para merecer os meus mais efusivos aplausos. É mais que evidente que RECOMENDO a montagem, a qual, salvo engano, após o término da atual temporada, fará uma outra, no mesmo local, de 14 de setembro a 8 de outubro do ano em curso, para a qual os ingressos já estão à venda. Mas não é para postergar sua ida ao “Espaço dos Satyros”. Garanta logo o seu privilégio, como eu garanti o meu, graças ao convite que recebi do meu amigo IVAM CABRAL. A propósito, deixo aqui registrado o meu sincero agradecimento pelo carinho, a generosidade e o respeito como sempre sou recebido naquela casa de CULTURA.

 

 




 

 

 

FOTOS: ANDRÉ STEFANO:

 

 

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