segunda-feira, 5 de junho de 2023

 "DE PERTO,

NINGUÉM É NORMAL"

ou

(QUANDO DE

BOA QUALIDADE,

O METATEATRO

É TUDO DE BOM!)

ou

"RIR É UM ATO DE RESISTÊNCIA" - PAULO GUSTAVO.)



        No meu tempo de estudante de TEATRO, no final dos anos 60 e início dos 70, uma peça norte-americana, “Arsênico e Alfazema” (“Arsenic and Old Lace”, no original.), de JOSEPH KESSELRING, era uma espécie de “arroz de festa”: cenas, eram montadas, “a rodo”, em cursos de TEATRO, e várias encenações, notadamente em grupos amadores, “pipocavam” em todo o Brasil. Dizem que a peça funcionava como um “trunfo”, para equilibrar as contas de uma companhia de TEATRO, sempre que a trupe se via em apuros com os credores. Era só remontar a peça, para garantir um bom retorno de bilheteria. Paradoxalmente, entretanto, nunca consegui ver a peça encenada, profissionalmente. No Brasil, a primeira montagem aconteceu no ano em que nasci, 1949, com profissionais (Cacilda Becker, Madalena Nicoll, Clóvis Garcia, Célia Biar, Maurício Barroso, Milton Ribeiro e Carlos Vergueiro, entre outros.) e amadores no elenco, dirigido pelo grande encenador italiano, em sua estada, por alguns anos, no Brasil, Adolfo Celi. A peça foi escrita na década de 30 e recebeu uma versão cinematográfica, em 1944, com o título, em português, de “Este Mundo É Um Hospício”.  



 

O texto mostra uma família nada convencional, enfocando situações cômicas que, muitas vezes, chegam a atingir o plano da farsa e do surreal: “duas tias solteironas são adeptas da eutanásia e pretendem envenenar diversas pessoas, recorrendo ao uso de um certo chá. Paralelamente, um sobrinho se julga o presidente Roosevelt, enquanto um jovem casal tenta, em meio às loucuras e desencontros, perpetuar seu amor. Sobra espaço para a entrada de policiais, médicos e um reverendo protestante, criando situações típicas das peças de quiproquós”.



GUSTAVO PASO, um artista premiado, diretor e fundador da CIA. TEATRO EPIGENIA, com 23 anos de existência e mais de 25 espetáculos na bagagem, acostumado a fazer adaptações e novas leituras de clássicos do TEATRO internacional, além de dramaturgias próprias, “mergulhou num baú de lembranças” e, de lá, retirou e resgatou “Arsênico e Alfazema”, para dar forma à sua mais recente criação: “DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL”. Na sua obra de adaptação, PASO, de forma excelente, sem mutilar a trama, reduziu o tempo de duração da peça, de 3 horas, para 70 minutos. Não era necessário um segundo a mais, para alcançar o excelente resultado desejado pelo adaptador/diretor e todos os que fazem parte do projeto.

 


 

SINOPSE: 

No palco, vê-se uma companhia teatral, na noite de estreia de seu novo espetáculo (metalinguagem pura).

A duas horas antes de a cortina se abrir, o diretor não conseguira, ainda, fazer um único ensaio geral da peça, completo, com cenário, figurinos, iluminação, adereços e tudo o que é necessário para se considerar o espetáculo “pronto”.

O caos e o nervosismo tomam conta do elenco, quando percebem que o tempo está se esgotando e terão que estrear sem um ensaio geral, o que é, no mínimo, temerário.

Muitas surpresas hilárias e bizarras acontecem no decorrer da apresentação, provocando muitas gargalhadas.

 


 


Chega a ser patético: Duas “boas” velhinhas, “empáticas”, das mais dissimuladas (Ou seria outra coisa?) “comovidas” com a solidão das pessoas, oferecem, em aluguel, quartos de pensão para quem vive sozinho. Como “serviço suplementar”, “acabam com essa solidão” dos hóspedes. Elas, simplesmente, os matam.



À frente da CIA. TEATRO EPIGENIA, um grupo carioca que se dedica a encenações que unem arte e entretenimento, PASO, um dos principais diretores de sua geração, emplacou, nos últimos anos, vários sucessos, de público e de crítica, com destaque para “A Festa de Aniversário” e “O Preço”, de Harold Pinter; “Race”, “Hollywood” e “Oleanna”, trilogia de David Mamet”; “Casa Caramujo” e “Garagem”, de sua autoria; e “O Alienista”, baseado no conto de Machado de Assis. O gênero COMÉDIA não ocupa grande espaço no currículo da CIA., sendo que, quero crer, apenas “A Moringa Quebrada” e “O Alienista” pertencem a seu repertório. Da primeira, confesso, sinceramente, que não gostei. Em compensação, considero a segunda uma OBRA-PRIMA.



O mérito de GUSTAVO PASO, como encenador, em “DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL”, é triplo: pela ótima qualidade do seu texto, sem hermetismos e, tecnicamente, muito bem construído; por sua direção, cuidadosa e bastante criativa; e pela escolha dos profissionais com os quais pôde contar, com um foco maior para o fabuloso elenco.



Gustavo Paso 
(Foto: autoria desconhecida.)


Com a vantagem de ser o autor da dramaturgia, GUSTAVO assina mais uma ótima direção, usando e abusando de muitas entradas e saídas dos personagens, uma das características do “vaudeville”, um estilo de TEATRO francês e uma das formas de entretenimento mais populares na América do Norte, por muitas décadas, baseada, quase unicamente, na intriga e no quiproquó (“Engano, erro, que consiste em se tomar uma coisa por outra; equívoco.”). Esse detalhe confere bastante dinamismo à montagem, sempre proporcionando momentos de grandes surpresas para os espectadores, os quais se mantêm bastante atentos ao espaço cênico. Ainda como características do TEATRO de “vaudeville”, há, nesta peça, quem faça papéis duplos, portas enguiçando na hora de abrir e personagens inesperados aparecendo, para aumentar a confusão.



Talvez possamos agregar um quarto motivo de mérito a GUSTAVO PASO, aqui, qual seja o de ter a coragem de montar um espetáculo com um elenco numeroso, coisa raríssima, nos dias de hoje, e, mais ainda, com consagrados nomes do TEATRO BRASILEIRO, ao lado de jovens promissores no ofício. São, ao todo, 8 atores (MILHEM CORTAZ - Jack Bishop, MARCELO VARZEA - Mortimer Bishop / Crítico de TEATROGLÁUCIO GOMES - Dr. Einstein; CLÓVIS GONÇALVES - Reverendo Jonas e Delegado Tavares); VINICIUS CATTANI - Teddy BishopRODRIGO PAVON - Policial O’HaraBRUNO RIBEIRO - Policial McAllister; e FAUSTO FRANCO - Gibbs e Dr. Ludovico; e 3 atrizes (LUCIANA FÁVERO - Elaine); CLARA CARVALHO - Abby Bishop; e REGINA MARIA REMENCIUS - Martha Bishop).



O elenco e o diretor.


Merecem aplausos mais efusivos MILHEM CORTAZ, MARCELO VARZEA, LUCIANA FÁVERO e CLARA CARVALHO, pela importância maior de seus personagens na trama e, consequentemente, por serem mais exigidos em cena, ainda que eu não tenha conseguido enxergar nenhum déficit de aproveitamento no trabalho dos demais do elenco. CORTAZ, o diretor da peça a ser encenada, de reconhecido talento em papéis dramáticos, revela-se, para mim, um excelente ator cômico, que não só consegue arrancar risos com suas falas, como também pelas “caronas”, de mau, que cria, em excelentes máscaras faciais. Seus silêncios dramáticos também são muito engraçados. Muitos diretores teatrais devem se reconhecer no personagem.  VARZEA, o dramaturgo, dentro da peça, também crítico de TEATRO, nem precisaria falar, em cena, para levar a plateia a rir “às bandeiras despregadas” (Etimologia da expressão: "Em guerras, quando as tropas voltavam com suas bandeiras despregadas, significava vitória; caso contrário, as bandeiras retornavam presas.". Crítica Teatral também é cultura geral - às vezes, como agora, "inútil". Momento descontração.). LUCIANA e CLARA, duas grandes atrizes premiadas, as quais já vi atuando em vários papéis dramáticos, sempre brilhando, também contribuíram, sobremaneira, para que eu deixasse o Teatro “mais leve”. Quero registrar que, no trajeto de volta ao hotel onde eu estava hospedado, ao me lembrar de algumas cenas, em especial, ri sozinho, dentro do carro de aplicativo que me transportava, e o motorista deve ter achado que eu “não batia muito bem da bola”, a julgar por suas expressões faciais, que eu via, pelo espelho retrovisor.





O cenário e a direção de arte (GUSTAVO PASO) e os figurinos (GRAZIELA BASTOS) me agradaram muito, porque senti a concretização do interesse dos dois artistas em reproduzir, com fidelidade, o ambiente original e os trajes da época. Tudo foi construído com ótimos resultados, incluindo os perfeitos acabamentos e os detalhes nas peças.  



A iluminação, assinada por NICOLAS CARATORI, foi desenhada com o propósito de criar “climas” para as cenas, especificamente as que envolvem suspense e indícios de terror. Acrescentem-se a isso os detalhes dos efeitos sonoros, o que me pareceu ser um trabalho conjunto entre o iluminador e o responsável pela sonoplastia e a trilha sonora, mais uma vez, este, GUSTAVO PASO, que contou com a colaboração de RAFAEL THOMAZINI e ANDRÉ POYART (música inicial e final).



Um profissional ao qual – sempre foi minha opinião – poucas pessoas valorizam, numa produção teatral, mas eu o faço, com bastante ênfase, é o visagista, representado, aqui, por ANDERSON BUENO, cujo trabalho foi muito bem desenvolvido, e grande parcela, na provocação do riso, é devida às caracterizações, aos detalhes no visagismo, como, por exemplo, a ridícula peruca, proposital, usada por MARCELO VARZEA e os detalhes de maquiagem.  


  


FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Gustavo Paso, livremente inspirado na peça “Arsenic and Old Lace”, de Joseph Kesselring

Direção: Gustavo Paso.

 

Elenco: Milhem Cortaz, Luciana Fávero, Clara Carvalho, Marcelo Várzea, Gláucio Gomes, Rodrigo Pavon, Clóvis Gonçalves, Bruno Ribeiro, Vinicius Cattani, Fausto Franco e Adriana Fonseca (Esta substituiu a atriz Regina Maria Remencius.) 

 

Direção de Arte e Cenário: Gustavo Paso

Figurinos: Graziela Bastos

Iluminação: Nicolas Caratori.

Trilha Sonora: Gustavo Paso, Rafael Thomazini e  André Poyart (música inicial e final)

Visagismo: Anderson Bueno

Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa

Fotos: Ronaldo Gutierrez  

Produção Executiva: Marcela Horta

Direção de Produção: Selene Marinho

Coordenação do Projeto: Luciana Fávero

Realização: Cia. Teatro Epigenia

 






SERVIÇO:

Temporada: De 1º de abril a 2 de julho de 2023.
Local: Teatro SESI – SP (Centro Cultural Fiesp).  
Endereço: Avenida Paulista, nº 1313, São Paulo (Em frente ao acesso à estação Metrô Trianon-MASP).
Dias e Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos:
GRATUITOS. Reservas, antecipadas, pelo “site”: sesisp.org.br/eventos
As reservas abrem todas as segundas-feiras, a partir das 8h, para as apresentações que acontecem na mesma semana. Verifique a disponibilidade.
Classificação Indicativa: 10 anos. 
Duração: 110 minutos.
Gênero: COMÉDIA
 

 


Não sei se foi o real motivo para o título da peça, mas ele tem a ver, ou melhor, está contido na letra de um dos grandes sucesso de Caetano Veloso, “Vaca Profana”, canção eternizada na voz da saudosa Gal Costa: ...Mas eu também sei ser careta / De perto, ninguém é normal / Às vezes, segue em linha reta / A vida que é meu bem, meu mal”... Teria sido uma homenagem?



“DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL” pode ser considerada uma “comédia noir”, que “é um subgênero policial – ou estilo, como muitas pessoas acreditam –, que ficou muito popular entre as décadas de 1930 e 1950, com histórias sombrias de crimes e investigações, pessoas à espreita, e a presença de 'femme fatales' e detetives”.



Que ninguém vá ao Teatro SESI - SP com outra intenção, a não ser a de se divertir, e rir muito, com uma COMÉDIA deliciosa e muito bem produzida, que não tem nenhuma outra intenção mesmo, que não seja fazer rir. E muito. É TEATRO “digestivo”? Sim, mas de uma qualidade indescritível. E que mal há nisso, principalmente depois de tanto sofrimento, com muitas perdas e danos, que vivenciamos durante a pandemia de Covid-19 e um desastroso "governo" federal?



Um detalhe curioso, que li, em algum lugar, a ser conferido, o que não consegui fazer: Dizem que o original de “Arsênico e Alfazema” teria sido encenado, na década de 30, na Broadway, como um “drama”, entretanto a plateia teria rido tanto, que levou o autor a reescrever o texto na forma de uma COMÉDIA rasgada.



Espero que todos os críticos de TEATRO que forem assistir à peça também deem boas gargalhadas com as “alfinetadas” que o dramaturgo reservou para eles; ou melhor, para nós. É com muito bom humor e respeito, minha gente. Riam, “que dói menos”!



É óbvio que RECOMENDO O ESPETÁCULO!!!

 

 

FOTOS: RONALDO GUTIERREZ

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTOS: LEONARDO SOARES BRAGA.)


 

Com Marcelo Varzea.


Com Luciana Fávero.

 

 

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