“31º FESTIVAL DE CURITIBA”
“SONHO DE UMA
NOITE DE VERÃO”
ou
(“UMA FESTA
REGADA A SHAKESPEARE”)
ou
(“UMA GRANDE
HOMENAGEM
À VIDA”)
Das
duas semanas que passei em Curitiba, do finalzinho do mês de março ao início de
abril deste ano, participando do “31º FESTIVAL DE CURITIBA”,
trago deliciosas lembranças e uma delas foi a oportunidade de ter conhecido a
pessoa e o trabalho de um artista local, MAURÍCIO VOGUE, que eu enxergo
como um “primo-irmão” do José Celso Martinez Corrêa,
dois “adoráveis louquinhos”. Espero que não se importem com a minha
comparação.
Saí
do Rio de Janeiro, rumo à capital paranaense, com a minha agenda já quase
completa e, nela, já estava reservada uma noite para assistir a uma montagem, ao
ar livre, num jardim, de um dos clássicos de WILLIAM SHAKESPEARE, a COMÉDIA
“SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”, da qual sempre gostei muito, desde meus
tempos de estudante de TEATRO, e cujo texto já havia visto encenado
várias vezes, por profissionais e amadores, incluindo uma montagem na pérgula
da piscina do Parque Lage, no Rio de Janeiro, em pleno carnaval –
sábado ou domingo -, cuja apresentação teve de ser interrompida, pelo tempo
necessário à passagem do bloco carnavalesco “Suvaco do Cristo”,
que desfilava pela rua Jardim Botânico, produzindo um som tão alto, que encobria
qualquer coisa que os atores diziam. O público não enxergou outra maneira, para
não se aborrecer, que não fosse ir até o portão do Parque Lage,
sambar, vendo o bloco passar, e, depois disso, voltar aos seus lugares, para a continuação do
espetáculo, no que foi seguido pelo elenco. Bem no “clima” da
montagem a que assisti em Curitiba: “deliciosa loucura total”.
Mais
interessado ainda fiquei em assistir ao “SONHO...”, no “FESTIVAL”,
depois de ter participado da coletiva de imprensa com MAURÍCIO VOGUE
e algumas pessoas do elenco da peça e alguns artistas de criação. Fiquei
bastante instigado a não perder aquilo, que prometia ser bem engraçado, o que
comprovei numa noite bem fria, para os padrões cariocas, sentado num lindo e
agradável jardim que fica nos fundos do “Dizzy Café Concerto” (A grafia,
lá, é mesmo essa, sem hífen.), um espaço bem descontraído, que mistura bar e
local para pequenas apresentações artísticas. Na verdade, é um bar de “jazz”, que funciona num espaço histórico e muito conhecido da classe artística curitibana.
Fui
o primeiro espectador a chegar e ocupei um lugar de onde me pareceu que teria uma
visão privilegiada de todas as áreas em que se passariam as cenas, e não me
enganei. Como o meu ingresso naquele lugar se deu antes do grande público, pude
ver o elenco, já caracterizado, ou quase totalmente, passando trechos de
algumas cenas e os atores se posicionando, aqui, ali e acolá, para fixar as
marcações do diretor, MAURÍCIO VOGUE. Já ali, comecei a achar graça do que via
e a imaginar como tudo se daria naquela noite, quando a sessão tivesse início.
Durante
a já citada, e agradável, entrevista, MAURÍCIO repetiu, inúmeras vezes, que o que
veríamos seria “uma festa regada a Shakespeare” e que “a
peça não era para ser levada a sério”. Também não fez segredo de que
acreditava na alegria, no humor e no deboche e que os três estariam mais que
presentes na sua montagem. Já comecei, naquele momento, a gostar do que só iria ver na noite do dia seguinte. Coincidência ou não, o fato é que eu estava
meio “carente” dessas coisas, as quais, QUANDO SÃO BEM FEITAS,
têm um grande valor. Uma “bagaça” de qualidade me deixa muito
feliz, de vez em quando.
A proposta, dirigida por MAURÍCIO, com artistas locais, da "CIA. MKV" e atores convidados, é totalmente anárquica e tem como base textual uma adaptação livre do original, feita por RHENAN QUEIROZ, bastante escrachada, subversiva e criativa, obra de um artífice, que me pareceu bastante trabalhosa e apurada, preso, contudo, à trama original, ainda que bem distante dos cânones dramatúrgicos da época em que a peça foi escrita. Sobre isso, convém dizer que é especulativa a sua data de concepção, entre 1594 e 1596, “na ausência de fontes seguras e confiáveis que determinem o ano exato de sua composição ou encenação, embora se suponha que tenha sido escrita de encomenda para as núpcias de alguma dama da nobreza próxima à Rainha Elizabeth I. As evidências que melhor permitem estabelecer uma datação aproximada advêm da comparação de seu estilo e temática com outras obras de Shakespeare.”.
SINOPSE (do texto original):
A história se inicia com o Duque Teseu, que se prepara
para se casar com Hipólita.
Antes do casamento, ele é chamado a resolver uma disputa amorosa,
envolvendo a romântica Hérmia e o seu pai, Egeu.
Hérmia ama Lisandro, mas Egeu tem a ideia de
forçar Hérmia a se casar com Demétrio.
Então, decide Teseu que Hérmia tem até a dia do seu
casamento com Hipólita, para escolher o seu destino: casar-se com Demétrio,
morrer ou converte-se, no altar de Diana, e abandonar a companhia
de homens, para viver em solidão.
Lisandro propõe, à sua amada, que ambos fujam de Atenas, com o que ela concorda.
Hérmia conta o seu plano à sua amiga Helena, que morre de amores
por Demétrio.
Helena acaba informando-o da fuga, a fim de ficar sozinha com ele na floresta.
Os quatro, então, entram em uma floresta povoada por elfos, fadas e
outros seres encantados.
O Rei dos Duendes, Oberon, arma, com Puck,
um elfo, um plano extraordinário, envolvendo uma flor mágica, que fará com que
qualquer pessoa se apaixone pelo primeiro ser que vir pela frente, seja rato,
cobra ou leão, com a intenção de pregar uma peça em Titânia, Rainha
das Fadas.
Isso faz com que ela se apaixone perdidamente por um burro.
Enquanto isso, um grupo de artesãos, que também são atores amadores,
ensaiam uma peça para o casamento de Teseu, “A mais
lamentável comédia e a mais cruel morte de Píramo e Tisbe”.
Fundilhos, o mais egocêntrico do grupo,
acaba sendo transformado, por Puck, em um burro falante, pelo
qual Titânia se apaixona, por culpa da flor mágica.
Puck também arma outras confusões, que levam Lisandro e Demétrio
a caírem de amores por Helena, deixando Hérmia de
lado.
SINOPSE DA MONTAGEM AQUI COMENTADA:
Uma atmosfera cênica inusitada apresenta um estranho clima de uma festa,
que parece não ter fim, sob o qual, uma diversidade de criaturas e outros
habitantes da noite, estranhos e bizarros, se entorpecem, incessantemente, sem,
ao menos, perceber que o público entra e ocupa seus lugares.
De repente, uma poderosa sirene de alerta nuclear anuncia o início de
tudo.
É tudo uma peça de TEATRO.
O diretor MAURÍCIO VOGUE apresenta, em sua versão,
conceitualmente, “cara de pau”, no dizer do próprio, essa livre adaptação de RHENAN
QUEIROZ do clássico de WILLIAM SHAKESPEARE.
No original, o clássico de SHAKESPEARE é uma comédia de erros,
amorosa, com altas doses de fantasia.
Na versão de VOGUE, Puck, um malandro traficante, frequentador da "Festa do Solstício", acaba se atrapalhando, ao “repassar”, para os convidados, algumas de suas poderosas e estimulantes “garrafinhas”, distribuindo, assim, a paixão de uma forma diferente, libertando, dessa forma, seus desejos mais íntimos e estabelecendo uma grande confusão entre os casais, afetando, até mesmo, a grande divindade da festa, a “poderosa” Titânia.
Pensando na SINOPSE supra, “esse é o mote para
a construção de uma nova dramaturgia, mais contemporânea, pensada sob
uma linguagem de texto que converse com todo mundo”. A peça, por
sua proposta, me agradou muito, pelo conjunto da obra: texto, direção,
interpretações, elementos criativos e produção.
Já tendo expressado meu agrado pelo texto, parto para falar da direção,
de MAURÍCIO VOGUE. Não conhecia o seu trabalho, embora já tivesse ouvido
falar muito dele. É óbvio que qualquer diretor, independentemente do tipo de
propositura, tem que fazer o melhor, dentro daquilo a que ele se propõe. Então,
se é para deixar falar mais alto o seu lado “cara-de-pau e subversivo”,
que ele venha à tona, sem nenhum “gesso” e sem qualquer forma de
pudor. Sem autocensura. Era uma festa o que VOGUE queria mostrar; uma “celebração”,
que, no fundo, é uma bela homenagem ao TEATRO e a um de seus maiores
expoentes universais. MAURÍCIO VOGUE atingiu seu objetivo, a julgar pelos meus
aplausos e de tanta gente que superlotava os jardins do “Dizzy Café Concerto”
(INGRESSOS ESGOTADOS.).
O elenco, bastante afinado, “no mesmo tom”, seguiu, à
risca, as orientações da direção e, da forma mais espontânea possível, despiu-se de seus pudores e se dispôs a fazer todos os tipos de concessão, em nome da ARTE, cada um
dando seu recado com brilhantismo. Como não os conheço, a não ser VOGUE e RHENAN,
fica difícil, para mim, avaliar os trabalhos, individualmente, todavia, talvez, isso nem fosse necessário, já que todos merecem meus aplausos, na mesma
proporção.
Pelo que captei, durante a entrevista concedida por MAURÍCIO VOGUE
e alguns envolvidos no projeto, que o acompanhavam na ocasião, não havia muitos
recursos, uma desejada verba, para a montagem do espetáculo. Pensei, então, que
estaria diante de uma montagem franciscana, entretanto fiquei surpreso, quando
vi a cenografia, de FERNANDO MARÉS, e os figurinos, de KAREN
BRUSTTOLIN. Não havia luxo, é verdade, mas este pode ser dispensado, quando
falta dinheiro, e, em seu lugar, entram a criatividade, a inteligência e o bom
gosto dos artistas criadores. A parte cenográfica serve, perfeitamente, à proposta, com mistura de
elementos de cena, espalhados por todo o espaço cênico, formando microespaços, com toques de uma tropicalidade, que “caiu muito bem”.
Quanto aos figurinos, confidenciou-me KAREN BRUSTTOLIN que se
valeu da reciclagem de peças usadas em montagens anteriores, de um
grande trabalho de customização, do aproveitamento de sucatas e o uso de materiais
incomuns na confecção de roupas, e o resultado ficou excelente, deixando a
impressão de que cada figurino, alguns bastante “esdrúxulos”, no
melhor sentido da palavra, havia sido pensado, exatamente, da maneira como o
vemos em cena. KAREN esbanja talento e criatividade. Bastava olhar para
alguns personagens e eu já sentia vontade de rir, por conta de suas vestes e
caracterização.
Por oportuno, devo citar o ótimo trabalho de visagismo, o qual, por não
constar na FICHA TÉCNICA, quero crer que tenha sido um trabalho
coletivo. A quem quer que seja(m) o(s) autor(es) de tal empreitada, os meus
aplausos, por um elemento tão importante em qualquer produção teatral. Tudo
funciona muito bem nesta peça.
TEATRO feito ao ar livre é, na visão
deste leigo nos assuntos ligaos a isso, um desafio para quem cuida da iluminação e do som, mas, nesta montagem,
vi que não houve qualquer contratempo. Um belo trabalho do iluminador, LUIZ
NOBRE, e do profissional encarregado em fazer com que o público não deixasse
de captar, auditivamente, nada do que é dito ou cantado pelos atores (Não há citação de um nome, na FICHA TÉCNICA.).
Por ser uma “festa”, não poderia faltar uma boa música. A trilha
sonora (Infelizmente, não há referência, especificamente, na FICHA TÉCNICA, ao nome de quem a criou, mas acredito que o respónsável por ela tenha sido IGOR KIERKE, que assina a direção musical da peça.) reúne ritmos bastante ecléticos, da atualidade: “funk”,
samba, pagode, “tecnobrega”, “reggaeton”, música
eletrônica e muita psicodelia, “configurando, assim, o conceito de ‘Teatro
de Balada’, para celebrar uma grande festa de libertação”. E, se, de
alguma coisa, aquele público estava precisando, naquele momento, era vivenciar
um sentimento de libertação: liberdade para reencontrar pessoas, para voltar a
viver em sociedade, após três longos anos de confinamento, por conta de uma “peste”
que matou quase 800.000 pessoas no país, e a felicidade por termos nos livrado de um
(des)governo cruel, incompetente, autoritário e inimigo das ARTES, com o
qual, infelizmente, tivemos de conviver nos últimos quatro anos. Não precisam
me dizer que um crítico teatral não deve tecer esse tipo de comentário em suas
críticas, mas, conscientemente, e feliz por isso, assumo ser uma exceção, da
mesma forma como SÓ ESCREVO SOBRE UM ESPETÁCULO TEATRAL QUANDO GOSTO DELE.
Produzir um espetáculo com essas “excentricidades” requer
muito trabalho e atenção de um produtor, para que tudo dê certo. E tudo deu.
Aproveito para agradecer o carinho e a atenção de BIA REINER, que me
recebeu.
FICHA TÉCNICA:
Adaptação: Rhenan Queiroz, do texto original de William Shakespeare
Direção: Maurício Vogue
Assistência de Direção: Carmen Jorge
Direção de Movimento: Carmen Jorge
Direção Musical: Igor Kierke
Elenco (por ordem alfabética): Amanda Leal, Carolina Meinerz, Helena
de Jorge Portela, Igor Kierke, Otto Bueno, Rafael Camargo e Rhenan Queiroz
Atores convidados: Felipe Wessler, Maju Izar, Milena Kleiquian,
Milena Ricato e Rafael Koman
Cenografia: Fernando Marés
Figurino: Karen Brusttolin
Assistente de Figurino: Flávia Vogue
Iluminação: Luiz Nobre
Fotos: Chico Paes
Produção: Bia Reiner
Coordenação do Projeto: Adriano Vogue
Realização MKV Produções
No dia seguinte ao da minha ida ao “Dizzy Café Concerto”, fiz uma postagem, numa das minhas redes sociais, em que eu dizia que “Shakespeare devia estar dando cambalhotas no seu túmulo; mas de tanto rir”. Há quem considere uma "heresia", um "desrespeito" a apropriação de uma consagrada obra de TEATRO, principalmente um clássico da dramaturgia universal, e “brincar” com ela, descaracterizá-la e sei lá mais o quê. Respeito essas pessoas. Dona Bárbara Heliodora, por exemplo, uma das mais estudiosas e profunda conhecedora da obra shakespeariana, essa, sim, certamente, se tivesse assistido à versão “festa” de MAURÍCIO VOGUE, e se propusesse a escrever uma crítica sobre o espetáculo, deixaria bem clara, “naquele estilo que lhe era peculiar”, a sua desaprovação. Eu, porém, indo de encontro a essa possível crítica, digo que precisamos mais desse TEATRO debochado, escrachado, subversivo e festeiro, porém feito com muito amor e qualidade, como ocorre aqui.
Gostei tanto, que adoraria poder rever este espetáculo.
FOTOS: CHICO PAES.
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: Gilberto Bartholo.)
Coletiva de Imprensa.
Coletiva de Imprensa.
Coletiva de Imprensa.
Com Karen Brusttolin.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO
BRASILEIRO!
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