quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

“O DILEMA DO MÉDICO

ou

(UMA “ESCOLHA

DE SOFIA”?)

ou

(“SOBRE A MORALIDADE

E O SENTIDO DA ARTE”.)




      Gosto de TEATRO, do bom TEATRO, antes de tudo, porém jamais escondi de ninguém que minha preferência recai sobre os musicais, o que me faz ir, algumas vezes, por ano, a São Paulo, onde são feitas muitas excelentes montagens do gênero, sendo que a grande maioria delas não vem para o Rio. Na minha mais recente “maratona teatral”, na “terra da garoa” (Acho até que já não é mais, porque faz tempo que não a encontro por lá.), abri um espaço, na agenda, como sempre procuro fazer, para assistir, também, a algum “Teatrão”, fazendo questão de esclarecer, aqui, que o emprego do termo passa bem distante do valor pejorativo que algumas pessoas a ele atribuem. Emprego-o na acepção de um TEATRO de boa qualidade, falado, ou declamado, numa visão tradicional dessa ARTE. E a peça escolhida, então, foi “O DILEMA DO MÉDICO”, “The Doctor’s Dilemma”, no original, texto inédito, no Brasil, escrito em 1906, pelo dramaturgo irlandês BERNARD SHAW (1856/1950) e levado à cena, pela primeira vez, no mesmo ano em que foi escrito.




George BERNARD SHAW, dramaturgo e escritor irlandês, é considerado, por muitos, um dos mais renomados autores de TEATRO do Reino Unido, só perdendo para Shakespeare. Admiro suas peças, seu estilo bem singular e, no meu tempo de universidade, fiz um curso, na Faculdade de Letras da UFRJ, sobre a dramaturgia de SHAW, quando tive a oportunidade de estudar, com razoável aprofundamento, três de seus textos: “Pigmaleão”, “Santa Joana” e “A Profissão da Senhora Warren”. Também foi um vitorioso crítico teatral, um tanto polêmico, e escreveu, também, romances, no início de sua carreira literária, não obtendo muita aprovação nesse “métier”.



Dotado de um profundo senso crítico, em suas peças, sempre encontramos muita irreverência, no tocante ao combate à hipocrisia, o puritanismo e o conservadorismo dos ingleses. Também é bastante conhecido por sustentar o hábito de ir contra as opiniões comuns a todos, com ideias e teorias diametralmente opostas a elas. E a lutar por impô-las. Um “subversivo”, por excelência. Graças ao seu enorme talento, mesmo assim, conseguiu gozar de grande credibilidade perante a opinião pública inglesa, influenciando-a bastante, de certa forma. Foi um autor premiado, com destaque para um “Prêmio Nobel”, de literatura, em 1925, por sua peça “Santa Joana”, considerada, pela crítica, sua obra máxima. Sua produção dramatúrgica atingiu a marca de 50 peças. É notória e digna de aplausos a sua luta, ferrenha, contra a censura em seu país.



No original, “O DILEMA DO MÉDICO”, uma tragicomédia, é dividida em cinco atos, o que não cabe nos dias de hoje. Tanto é que, na versão aqui comentada, a duração da peça caiu para 120 minutos, muito bem condensada, sem que o público fique entediado. Muito pelo contrário, o tempo parece “voar”, e os espectadores vão ficando, cada vez mais, atentos às cenas e ávidos pelo desfecho da obra. Cumpre acrescentar que, a despeito de eu não ter conhecido o texto antes, parece-me que o “enxugamento” não passou de um “corte nas gorduras”, sem comprometer o original.


       


SINOPSE:

A trama se passa em uma Londres do início do século XX, em plena era vitoriana.

O renomado Dr. Sir Colenso Ridgeon (SERGIO MASTROPASQUA) pensa ter descoberto a cura da tuberculose.

Ele anuncia que criou um soro eficaz contra a, na época, mortal doença dos pulmões e seus amigos médicos vão à sua casa, para cumprimentá-lo e homenageá-lo pelo feito.

Sua criada/secretária Emmy (NÁBIA VILLELA) anuncia que uma mulher, Jennifer Dubedat (BRUNA GUERIN), o procura pois o marido dela, o jovem artista Louis Dubedat (IURI SARAIVA), sofre daquele mal.

Ele só pode acolher, em sua clínica, mais um paciente e é obrigado a escolher entre o jovem artista plástico, talentoso e amoral, Louis Dubedat, e o moralmente íntegro e modesto médico, Dr. Blenkinsop (LUTI ANGELLELI).

Seu primeiro ímpeto foi de se recusar a atendê-la, mas acaba cedendo ao charme da mulher e aceita encaixar seu marido no seu limitado grupo de pacientes.

Quando conhecem o artista, os amigos do Dr. Colenso descobrem que ele é um vigarista e bígamo, que engana, descaradamente, Jennifer.

Entre os amigos do Dr. Colenso, está o honestíssimo e humilde médico Dr. Blenkinsop, sem notoriedade e que trata, com sucesso, seus pacientes pobres com remédios naturais.

Ele confessa ao amigo que ele também está tuberculoso.

No meio dessa discussão, o protagonista se apaixona por Jennifer, que insiste em que seu marido seja curado.

O médico passa a enfrentar um dilema: como não pode mais aceitar pacientes, fica em dúvida: trata de Louis, a quem detesta, ou do seu antigo amigo, o Dr. Blenkinsop.

Cabe ao médico uma decisão de vida ou morte.

 



     Para não “perder o hábito”, em “O DILEMA DO MÉDICO”, BERNARD SHAW nos oferece um “texto recheado de inteligência, humor, elegância, cheio de paradoxos e provocações”, utilizando uma forte dose de humor ferino e ironia explícita. Como, na era vitoriana, havia a predominância de uma grande rigidez moral – isso era exigido -, o principal alvo de suas críticas era a futilidade e a hipocrisia dos “falsos moralistas”. A peça em tela “é uma sátira médica, apresentada, aqui, em uma conjuntura em que a ciência é tão debatida nos meios de comunicação, sobretudo desde o começo da pandemia, mas traz, também, uma discussão sobre escolhas e uma reflexão sobre a potência da arte”. (Trecho extraído de dois “releases”, que recebi, de ADRIANA BALSANELLI, assessoria de imprensa, e de SELENE MARINHO (SM ARTE E CULTURA). 



       Não tenho qualquer óbice a esta montagem e vejo nela um dos melhores espetáculos a que assisti nos últimos anos, uma vez que, em primeiro lugar, o eixo maior de sustentação de uma peça teatral, a meu juízo, o texto, é formidável e recebeu um excelente tratamento, em termos de direção, da parte de CLARA CARVALHO, a qual procurou manter o tom solene que a dramaturgia exige, mesclado às bem lapidadas pitadas de bom humor, que o tornam mais leve, principalmente por sua característica de fino e mordaz.



      Para atingir o grau de excelência que o espetáculo consegue, o ótimo texto e a bem-sucedida direção se coadunam, da forma mais harmoniosa possível, com um excelente elenco, do Círculo dos Atores, formado por pessoas de diferentes idades, escolas de formação profissional, origens e experiências sobre as tábuas. Cada um dos doze artistas comporta-se de forma muito satisfatória na criação de seus personagens, cabendo, sob o meu ponto de vista, um destaque para alguns.



SERGIO MASTROPASQUA, por exemplo, veste seu Dr. Sir Ridgeon com as cores de suas fraquezas e vaidades. Administra, com perfeição, suas reações diante do dilema que lhe foi posto à frente.



ROGÉRIO BRITO e seu Dr. Cutler Walpole representam uma das válvulas de escape, para a leveza como o texto chega ao espectador, por suas “tiradas” e pela veemente e obstinada defesa de um insólito método de tratamento que mais parece uma brincadeira (de mau gosto).



NÁBIA VILLELA, com sua Emmy, a criada/secretária espevitada e “entrona”, já na primeira cena, mostra que a personagem é outra porta aberta para o riso, facilmente provocado por seu comportamento quase “sem-noção”. É uma pena que sua presença, no texto, seja limitada, todavia a atriz a valoriza muito.



Quem conhece um pouco da obra de BERNARD SHAW consegue identificar suas personagens femininas como mulheres "empoderadas", ou seja, com capacidade de consciência coletiva, expressada por ações para fortalecer o feminino e desenvolver a equidade de gênero, que leva as mulheres à sua emancipação, como ser humano, com aumento de autonomia e de liberdade para realizar suas próprias escolhas. Jennifer Dubedat é uma típica representanrte dessas mulheres, personagem excepcionalmente representada por BRUNA GUERIN. Na criação de sua galeria de personagens femininas "empoderadas", SHAW mostra-se um visionário, quando nos voltamos para os dias de hoje.



Outro grande realce, na peça, vai para IURI SARAIVA, que interpreta o jovem irreverente, astuto, velhaco e amoral Louis Dubedat, marido da bela Jennifer, o qual não consegue enganar o Dr. Ridgeon. Ele é um artista plástico de reconhecido talento, proporcional a seu “mau-caratismo”.



  Faço questão de reforçar o que já disse: além dos citados com destaque, aplaudo todo o elenco por suas corretas interpretações.



A cenografia da peça é assinada por CHRIS AIZNER e, de acordo com informação no já citado “release”, o cenógrafo se apropriou de painéis móveis, inspirados na estrutura criada pela arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) para o MASP, a fim de trazer o universo proposto na peça. Os elementos cenográficos obedecem a uma sequência de deslocamentos, no espaço cênico, para trocas de ambientação, feitos pelo próprio elenco. CHRIS também é responsável pelos quadros em cena.



  MARICHILENE ARTSEVISCKS desenhou sóbrios, elegantes e bem acabados figurinos, os quais caracterizam a moda na época vitoriana, acrescidos de elementos hodiernos, sem nenhum choque para os nossos olhos; ao contrário, essa “salada” funciona muito bem em cena; é de muito bom gosto.



Considero a luz, de WAGNER ANTÔNIO, bem de acordo com a atmosfera proposta pela trama. Não é exuberante; ao contrário, por vezes, pode até parecer que deveria ser mais intensa, entretanto não ajudaria a criar o clima que o espetáculo exige. É, na minha avaliação, um total exemplo de luz intimista, em que “menos é mais”.



  Concluo os comentários sobre o importantíssimo “pessoal da criação” chamando a atenção para a presença de uma boa trilha sonora original, criada por Gregory Slivar.

 


 

FICHA TÉCNICA:

Texto Original: Bernard Shaw

Tradução e Adaptação: Clara Carvalho, Sérgio Mastropasqua e Thiago Ledier

Direção: Clara Carvalho

Assistente de Direção: Thiago Ledier

 

Elenco: Sergio Mastropasqua (Dr. Sir Colenso Ridgeon), Iuri Saraiva (Louis Dubedat), Bruna Guerin (Jennifer Dubedat), Oswaldo Mendes (Sir Patrick Cullen), Rogério Brito (Dr. Cutler Walpole), Renato Caldas (Sir Ralf Boomfield Bonington), Luti Angelleli (Dr. Blenkinsop), Guilherme Gorski (Schutzmacher), Nábia Villela (Emmy), Márcia de Oliveira (Minnie), Rogério Pércore (Redpenny, Morte E Secretário) e Thiago Ledier (Jornalista)

 

Cenário: Chris Aizner

Cenotécnico: Alício Silva/Casa Malagueta

Figurino: Marichilene Artisevskis

Modelagem/Costura: Judite Geronimo de Lima

Alfaiate: Ismail de Souza Mendes

Iluminação: Wagner Antônio

Operador de Luz: Dimitri Luppi

Trilha Original: Gregory Slivar

Operador de Som: Valdilho Oliveira

Produção de Objetos: Jorge Luiz Alves

Direção de Palco: Henrique Pina e Ângelo Máximo

Camareira: Elisa Galdino

Envelhecimento: Foquinha Chris

Visagismo para Fotos: Louise Helène

Arte dos Objetos: Eliza Portas Ribeiro

Maquiagem e Cabelo: Marcos Padilha

Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes

Fotos: Ronaldo Gutierrez

“Designer”: Denise Bacellar

Produção Geral: Rosalie Rahal Haddad

Produção: SM Arte Cultura

Direção de Produção: Selene Marinho

Produção Executiva: André Roman/Teatro de Jardim

Coordenação de Produção: Sergio Mastropasqua

Realização: Rosalie Rahal Haddad e Círculo de Atores 

 


 


 

SERVIÇO:

Temporada: De 20 de janeiro a 26 de março de 2023.

Local: MASP.

Endereço: Avenida Paulista – nº 1578, Bela Vista – São Paulo.

Telefone: (11)31495959.

Dias e Horários: 6ªs feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).

Capacidade: 344 lugares.

Classificação Etária: 14 anos.

Duração: 120 minutos.

Gênero: Tragicomédia. 

 


 Nas palavras da criativa diretora CLARA CARVALHO, na certeza de que não estarei dando qualquer “spoiler”, A peça mostra que a ciência acaba sempre perdendo o jogo para a morte, mas a grande arte sobrevive. A vida humana física acaba, mas a música e as obras de grandes pintores têm um encanto que permanece.”.



Posso dizer que devemos a delícia de assistir a um espetáculo de tão elevado porte, primeiramente, ao dramaturgo e crítico teatral escocês William Archer, por este ter lançado um desafio ao amigo BERNARD SHAW. Segundo aquele, o autor de “O DILEMA DO MÉDICO” seria um “dramaturgo limitado, enquanto não enfrentasse a morte, em suas peças, e as circunscrevesse apenas ao entrechoque de ideias e discussões morais.  Desafio aceito, nasceu este belo representante do repertório dramatúrgico de SHAW. Quem também merece nossos agradecimentos pela concretização deste lindo projeto é a pesquisadora ROSALIE RAHAL HADDAD, profunda e dedicada estudiosa das obras de BERNARD SHAW, no Brasil, e, também, a responsável pela produção geral de “O DILEMA DO MÉDICO”.



 Geralmente, usamos a expressão “chave de ouro” em referência a algo que termina de maneira bem-sucedida, com êxito, produzindo um belo efeito. No caso, aqui, “O DILEMA DO MÉDICO” “abre com chave de ouro” o ano teatral paulistano de 2023, como um bom presságio do que, certamente, ainda virá nos próximos dez meses e alguns dias.


 

 

 


FOTOS: RONALDO GUTIERREZ


GALERIA PARTICULAR

(FOTOS: LEONARDO SOARES BRAGA.)


Com o amigo André Roman,

diretor de produção.


Na plateia, com os amigos Leonardo Soares Braga 

e Carlos Eduadro Sabbag Pereira. 


Com os amigos Bruna Guerin 

e Iuri Saraiva.


 

VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

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A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

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