“VALENTIM
VALENTINHO”
ou
(TEMAS MUITO SÉRIOS
TRATADOS COM
LEVEZA, BELEZA
E SENSIBILIDADE.)
ou
(O TEATRO EDUCANDO E DIVERTINDO.)
Sempre que tenho oportunidade de escrever uma crítica sobre
um espetáculo infantojuvenil, não penso duas vezes. É uma pena que isso só
aconteça muito amiúde, por dois motivos, que acabam se transformando em um só:
a quantidade de peças voltadas para o segmento de crianças, pré-adolescentes e
adolescente é pequena, em relação à que é oferecida aos adultos, e as de boa
qualidade podem ser computadas nos dedos de uma das mãos. E vai sobrar dedos,
infelizmente.
o auditório do Teatro SESC Belenzinho.
(Foto: Gilberto Bartholo.)
Não
aceito, e muito menos divulgo, montagens sem o menor comprometimento com a
qualidade, simplesmente porque “é pra criança, serve qualquer coisa”.
Considero essa “justificativa” uma ignomínia!!! Aqui, faço
questão de aplaudir Dib Carneiro Neto, que escreve, há 26 anos,
sobre esse segmento do TEATRO, e cunhou a frase nominal “Pecinha é
a vovozinha!”, que também é o título de seu blogue, voltado para esse “métier”.
O diminutivo “pecinha”, em geral, é empregado com um valor
pejorativo, ou seja, um desvalor. E, também, aproveito para lembrar, mais uma
vez, nos meus escritos, o lema do TIC (Teatro Íntimo de Comédia),
de Santos, criado por um de seus fundadores, Paulo Lara: “TEATRO INFANTIL
não é imbecil!”. Sob sua direção, atuei, em 1971 e 1972,
no musical “Dom Chicote Mula Manca e Seu Fiel Companheiro Zé Chupança”,
grande sucesso, de público e de crítica, na época. Foi a partir de lá que
aprendi a reconhecer o mérito e a importância do TEATRO INFANTOJUVENIL;
e a lutar por ele.
Boa
qualidade é um requisito indispensável a qualquer obra ARTE. Além disso,
as crianças formam uma plateia muito especial, por sua espontaneidade, quando
respondem, com a maior sinceridade, àquilo que lhes é oferecido, num palco, e,
principalmente, porque serão as plateias do futuro. É preciso, pois, que o TEATRO
seja algo muito agradável para elas, que as cative, para que não saiam a
procurar outros atrativos de lazer. A concorrência com as “facilidades da
vida moderna” já é assaz imensa e “desleal”.
“VALENTIM
VALENTINHO” já saiu de cartaz, no dia 29 de janeiro próximo
passado. Estava sendo apresentado no Teatro do SESC Belenzinho,
em São Paulo. Para mim, o fato de não estar mais em cartaz não representa nada.
Se o espetáculo merece uma crítica, escrevo-a, sempre na esperança de que a
peça retorne aos palcos, em novas temporadas, meu desejo aqui. E que venha para
o Rio de Janeiro, o que julgo muito difícil acontecer.
Assim que soube do espetáculo ora analisado, fiz questão de assistir a ele, porque aprecio muito o trabalho de seu diretor, MARCELO VARZEA (Na verdade, ele dividiu a enorme responsabilidade da direção com ERICA RODRIGUES.), gostei da SINOPSE e vi que, no elenco, de três atores e uma atriz, estavam dois nomes que aprendi a admirar no TEATRO MUSICAL: ANDRÉ TORQUATO e ARTUR VOLPI. Dispus-me, pois, a ir ao SESC Belenzinho, à hora do almoço de um sábado, para iniciar uma “maratona” de três peças num mesmo dia. E não me arrependi nem um pouco. Muito pelo contrário, diverti-me e fui testemunha de como se pode fazer um TEATRO INFANTOJUVENIL de excelente qualidade, sem querer “inventar a roda”. Simplicidade e verdade, acima de tudo.
SINOPSE:
O espetáculo infantojuvenil “VALENTIM VALENTINHO” narra a
história de um menino prestes a completar onze anos de idade e que sonha em
ganhar coragem, como presente de aniversário.
Valentim (ANDRÉ TORQUATO) vive com a mãe,
em uma vila de São Paulo, onde também moram seus melhores amigos: Ana
(FRAN FERRARETTO), Biel (ARTUR VOLPI) e Demetrius
(VITOR BRITTO).
Temas como medo, “bullying”, opressão, os efeitos da
masculinidade tóxica, na infância, e racismo são tratados com muita delicadeza
e responsabilidade.
A trama se desenvolve com descobertas importantes para a infância,
sem perder a diversão e a leveza.
Entre confusões e reviravoltas, muito aprendizado acontece.
O elenco.
O
texto do espetáculo foi escrito por FRAN FERRARETTO, a quem eu ainda não
conhecia, a qual também é a idealizadora do projeto e interpreta a única
personagem feminina da peça, Ana. A dramaturga pensou numa
história para a qual fosse possível
selecionar e trabalhar, com profundidade, sem meias palavras, porém de
uma forma leve e divertida, temas da maior importância para a criança, na sua
formação de uma identidade civil adulta, principalmente nos dias de hoje, como
medo, “bullying”, opressão, os efeitos da masculinidade tóxica,
na infância, e racismo.
Valentim
tem
medo, o que não é, de todo, um “desastre”, mas passa a ser,
quando em excesso, seu caso. Medo de tudo. Inseguro até a raiz. Na convivência
com os amigos da vila, aprende que o medo é um grande inimigo do homem e como se
deve proceder para enfrentá-lo e vencê-lo. Ele é um menino, até certo ponto,
ingênuo, para a sua idade, a ponto de desejar ganhar - sabe-se lá de quem –
coragem, como presente de aniversário. É muito difícil, para um ator ou atriz, interpretar uma criança ou uma pessoa idosa, sem cair no caricaturesco; soa “falso”
e, a mim, particularmente, chega a irritar. ANDRÉ TORQUATO, no entanto, procura
agir com muita naturalidade, e sua "criança" é, perfeitamente, aceita pelo
público, formado por pequenos e grandes espectadores. Aliás, o mesmo pode ser dito sobre os seus
três companheiros de elenco. Parabenizo ANDRÉ por seu delicado trabalho!
André Torquato.
Dos que
acompanham Valentim, em seus folguedos, há um, Biel
(ARTUR VOLPI), que se apresenta como amigo “até a página 5”,
visto que implica com o menino medroso, humilha-o, coloca-o em situações de “saia
justa”, para, como deveria mesmo acontecer – e aí está um dos maiores
ensinamentos do texto: reconhecer o erro, pedir desculpas e mudar o
comportamento -, no desenlace da trama, transformar-se num amigo de verdade.
O tom de verossimilhança que o ator imprime a seu personagem é tal, que
consegue angariar a antipatia das crianças, como seria mesmo o propósito do
texto, até atingir a reversão do sentimento provocado nos pequenos
espectadores. Excelente trabalho!
Artur Volpi.
Ana (FRAN
FERRARETTO) é, dos três amigos, quem demonstra maior carinho e preocupação por/com
Valentim. É quase uma espécie de sua protetora e consegue
enxergar, mesmo na sua pouca idade e vivência, quão nocivo é o modo como Biel
trata o menino, e faz de tudo para ajudá-lo a vencer seus medos. Ela é bastante esperta e, de uma maneira muito
inteligente, conseguiu desenvolver alguns mecanismos de defesa para sobreviver,
com dignidade e marcando presença, num ambiente muito hostil, predominante
masculino. Ana age de igual para igual com os meninos. Vejo aí um
excelente “gancho”, para ensinar às meninas como proceder ante o
machismo tóxico. A menina tem interesse por robótica, sonha em ser engenheira e
é apaixonada por matemática, coisas bem “de menino”. Qual nada! A
personagem deixa bem claro que esse negócio de “menino veste azul, menina
veste rosa” é coisa do passado, que só existe, ainda hoje, na cabeça
de... (“PREFIRO NÃO COMENTAR!”, “bordão” da
personagem Copélia, no “sitcom” “Toma Lá, Dá
Cá”, criado por Miguel Falabella, para a TV.). Sua
generosidade e amor pelo amigo chegam a ser comoventes. É claro que as crianças
a adoram! Ótimo o trabalho da FRAN!
Fran Ferraretto.
Completa
o quarteto do elenco o ator VITOR BRITTO, que interpreta Demetrius,
o único amigo que não mora na vila, mas adora estar lá, chegando a passar dias
na casa de Valentim. Até certo ponto, o personagem contribui para
aumentar o medo do protagonista, entretanto, com o desenrolar da história, consegue perceber, muito por
conta das “dicas” de Ana, o mal que aquilo representava
e passa a deixar de “bater palmas” para as desagradáveis e
descabidas “brincadeirinhas” maldosas de Biel, chegando mesmo a defender o menino oprimido e a deixar explícita sua discordância com relação
às atitudes do implicante. VITOR também encarna seu personagem com total
segurança, numa ótima atuação!
Vitor Britto.
A “desculpa esfarrapada”,
de que “o espetáculo não é melhor, porque houve falta de dinheiro”
é totalmente fora de qualquer propósito. Percebe-se que, para a montagem ora
analisada, a produção não contou com uma vultosa verba, todavia o que falta em
dinheiro sobra em criatividade e bom gosto, de forma que nos deparamos com um
cenário “pobre”, porém de profunda funcionalidade, posto a
serviço do texto, com pouquíssimos elementos cenográficos, o suficiente para o
público praticar a sua imaginação e conseguir “enxergar”,
no palco, o que é somente sugerido. São apenas três portas, com seus batentes
ou portais, uma para cada casa, de Valentim, Ana e
Biel, e um baú, de dentro do qual saem objetos cênicos, utilizados na
resolução das cenas. Muito bom o trabalho de MÁRCIO MACENA, que também
assina os figurinos da peça, bem ajustados aos personagens e de muito bom gosto, em tons de preto, branco e cinza, contrariando o que, normalmente, encontramos em figurinos de espetáculos infantojuvenis, ou seja, uma festa de cores. Pode parecer "estranho", mas a escolha das três cores funciona muito bem em cena, e é um diferencial.
Como não consegui registrar nada
que pudesse comprometer a qualidade do espetáculo, é preciso que se faça justiça, também, ao
correto desenho de luz, a cargo de CESAR PIVETTI, a uma conveniente
trilha sonora original, composta por MÁRCIO GUIMARÃES, a cujo nome está
atrelada a direção musical da peça (As canções são bem simples e “gostosas”
de se ouvir e, não raro, pessoas saem do Teatro cantarolando
partes delas.) e à excelente direção de movimento – e, aqui, também incluo a
coreografia – de ERICA RODRIGUES, que agrega muito dinamismo à montagem.
No que diz respeito à direção, MARCELO
VARZEA e ERICA RODRIGUES souberam muito bem trabalhar com o que tinham
a mão - principalmente o rico material humano -, puseram em prática suas
experiências profissionais, com ótimas marcações e soluções práticas para todas
as cenas, e o resultado é merecedor de muitos aplausos. Há duas ideias muito simples e que funcionam bastante, ambas com a mesma intenção, qual seja a de criar uma intimidade, uma cumplicidade entre os pequenos e os atores: enquanto o público vai entrando no auditório e se acomodando, o elenco já está no palco, "aquecendo-se" e, vez por outra, ANDRÉ, ARTUR, FRAN e VITOR, antes de se tornarem personagens, fazem ligeiros acenos para algumas pessoas da plateia; não lembro se a peça começou com algum atraso, mas achei muito interessante os atores, ao final do tal "aquecimento", prontos a dar início à sessão do dia, se dirigirem ao público, incentivando-o a bater palmas e a gritar: COMEÇA! COMEÇA! COMEÇA!... - uma forma de ensinar aos pequenos o que é ser pontual e como exercer os direitos de um cidadão.
FICHA TÉCNICA:
Idealização:
Fran Ferraretto
Texto:
Fran Ferraretto
Direção: Marcelo Varzea e Erica
Rodrigues
Assistência
de Direção: Bruno Rods
Elenco
(por ordem alfabética): André Torquato, Artur Volpi, Fran Ferraretto e Vitor
Britto
“Stand-in”: Bruno Rods
Cenografia: Marcio Macena
Figurino:
Marcio Macena
Produção
de Cenário e Figurino: Morena Carvalho
Costureira:
Salomé Abdala
Cenotécnico:
Marquinhos Santos
Iluminação: Cesar Pivetti
Direção Musical: Marcio
Guimarães
Trilha Sonora
Original: Marcio Guimarães
Direção de Movimento: Erica
Rodrigues
Fotografias: Julio Aracack e
Thalles Tramon
“Designer” de Projeto: Lucas Sancho
Assistência de Produção: Bruno
Ribeiro
Operação de Som: Vinicius Reis
Operação de Luz: Rodrigo Pivetti
Administração e Gestão: EXEDRA
Direção
de Produção: Danielle Cabral
Produção Geral e Coordenação de
Projetos: DCARTE
Por motivos mais que óbvios, deixo de divulgar o SERVIÇO da
peça, entretanto, caso ela volte ao cartaz, voltarei a publicá-la, com o devido
SERVIÇO. No mais, é só torcer para que “VALENTIM VALENTINHO”
consiga novas temporadas, visto que o TEATRO INFANTOJUVENIL precisa, e
muito, de espetáculos como esse.
FOTOS: JULIO
ARACACK
e
THALLES TRAMON
GALERIA PARTICULAR
(FOTO: LEONARDO
BRAGA SOARES.)
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
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