OS
GUARDAS DO TAJ
(NÃO SE PODE
DESAFIAR O
PODER.
ou
“MANDA QUEM PODE;
OBEDECE QUEM TEM JUÍZO”.
ou
“OU A GENTE OBEDECE,
OU A GENTE MORRE.” – HUMAYUN)
Não
tendo conseguido assistir, em São Paulo,
onde fez grande sucesso, de púbico e de crítica, em longa temporada, após ter
estreado em solo português, na linda cidade de Braga, no Theatro Circo,
em novembro de 2017, seguindo,
depois, para as cidades de Póvoa do
Varzim (Cine Teatro Garret), Famalicão
(Casa das Artes) e Lisboa (Tivoli de
Lisboa), consegui, finalmente, depois de muita espera e ansiedade, ver a peça “OS GUARDAS DO TAJ”, que desembarcou no Rio de Janeiro, no moderno e aconchegante Teatro XP Investimentos, o qual, como já disse, e continuarei a
dizer, será, para sempre, para mim, pelo menos, o Teatro do Jockey (VER SERVIÇO.).
Quando
se desenvolve uma grande expectativa com relação a um espetáculo e ela não é
totalmente atingida, abre-se espaço para um sentimento de frustração, que pode
ocorrer em vários estágios. A peça “OS
GUARDAS DO TAJ” não é, exatamente, o que eu esperava ver, mas, no cômputo geral, me agradou e não
cheguei a experimentar o desagradável sentimento de desaprovação, ficando,
apenas, com o gostinho de “quero mais”.
Só não atingiu, totalmente, a minha grande expectativa. A culpa pode ter sido
minha, por ter ido com muita sede ao pote.
A
explicação para que eu esteja escrevendo sobre a peça é a de sempre: escrevo
somente sobre os espetáculos de que gosto, independentemente do grau: BOM, MUITO BOM, ÓTIMO e OBRA-PRIMA. O espetáculo “OS GUARDAS DO
TAJ”, na minha modesta visão, deve ser classificado como BOM, que merece ser visto e que tinha tudo para ser melhor, se o texto colaborasse para isso. É nele que
enxergo o que não me permite escrever com mais entusiasmo sobre esta montagem, muito embora reconheça que
estou indo de encontro à opinião de muitos, da maioria, a qual o considera
excelente. Divergências de opiniões, algo muito saudável, por sinal.
Lendo o que
descreve a sinopse da peça, abaixo
transcrita, enviada por BETH GALLO,
da MORENTE FORTE COMUNICAÇÕES, tem-se
a ideia de se tratar de um excelente texto,
em função dos temas que ele aborda, universais e atemporais, voltados para a
existência humana. O que penso sobre ele, porém, é o mesmo que diria a respeito
de outra peça do mesmo dramaturgo, “Playground”, à qual assisti, muito
recentemente, cuja sinopse também
me despertou grande interesse em conferir o espetáculo, e que, da mesma forma, não correspondeu à minha
expectativa. Embora seja considerado um bom dramaturgo, percebo, com humildade, algumas falhas na carpintaria dos dois textos.
Como esta crítica
está voltada para “OS GUARDAS DO TAJ”,
vou esquecer a outra peça e me deter neste texto,
que, a meu juízo, deveria ser mais enxuto, evitando-se repetições, as quais,
longe de agradar, entediam um pouco o espectador. Comigo, pelo menos, ocorreu
isso. Essa é, porém, a única falha que observei na montagem, que eu recomendo,
apresentando, para isso, vários motivos, os quais citarei mais adiante.
Eis a sinopse, não escrita por mim, mas
fornecida pela assessoria de imprensa,
com pequenos acréscimos meus:
SINOPSE:
À primeira luz da manhã,
um novo edifício, representando o poder crescente do império, será revelado: o
glorioso TAJ MAHAL, mandado
construir pelo poderoso imperador Shah Jahan,
em homenagem póstuma à sua segunda esposa, e favorita, Mumtaz Mahal (“a joia do palácio”), que lhe dera 14 filhos, tendo
morrido durante o último parto.
Mas, para dois guardas
imperiais, de baixa patente, BABUR
(RICARDO TOZZI) e HUMAYUN (REYNALDO
GIANECCHINI), amigos de longa data e designados a proteger o palácio, a
manhã vem trazer uma crise existencial, que abalará sua fé no Império e nos outros humanos. Eles
fazem a vigilância noturna, na véspera da “inauguração” do TAJ, e nem a eles é permitido olhar para trás, para matar a
curiosidade sobre a obra, sob pena de severo castigo, uma vez que poderiam
estar sendo observados por outrem.
Durante o trabalho, quando
nem deveriam conversar, por insistência de BABUR,
os dois trocam ideias sobre estranhas invenções, fruto da imaginação fértil
deste.
“OS GUARDAS DO TAJ” retrata dois homens comuns, que se deparam com
a beleza imensurável do TAJ e, ao
mesmo tempo, são varridos pela carnificina e pela injustiça que cerca uma das
maravilhas mais famosas do mundo.
O ano é de 1648 e os dois estão em pé e de costas
para o, ainda não revelado, TAJ MAHAL.
BABUR está cheio de curiosidade
inextinguível; HUMAYUN é pura
ortodoxia obediente. Amigos, desde a infância, acabam se confrontando, diante
das regras estabelecidas e da maneira como cada um deles vê a sociedade e suas
vidas.
Além
de estarem proibidos de olhar para o edifício, os dois amigos também
acabam sendo escalados para participarem de uma famosa história arbitrária, que
o imperador ordenou que executassem.
O texto levanta questões potentes sobre o humano, o preço pago ao
longo da história, para realizar os caprichos dos poderosos, mesmo quando
resultam em maravilhas arquitetônicas, que, em última análise, serviriam para
dar prazer às massas.
A decepação de 40.000 mãos
é uma das muitas lendas que cercam o TAJ,
mas que o autor usa, de maneira
brilhante, para explorar, de forma inteligente e sem ser esmagadoramente
dramática, uma série de ideias filosóficas. Uma delas é se há limites na busca
humana pelo conhecimento, o que rege as relações de amizade e as proibições
absurdas que, muitas vezes, nos são impostas.
Ao mesmo tempo que representa a força do
poder, o TAJ MAHAL, um
monumento/mausoléu, todo construído em mármore branco, é considerado, também,
como uma das maiores provas de amor de um homem por uma mulher, mesmo ela já
estando morta. É um Patrimônio da
Humanidade, determinação da UNESCO,
e, a partir de 2007, passou a ser
considerado como uma das Novas Sete Maravilhas
do Mundo. Fica situado em Agra,
na Índia, e, sobre sua construção, existem
muitas histórias, a maioria delas considerada lendas. A mais conhecida e
horripilante de todas, amplamente explorada na peça, é a de que o imperador, depois de apresentado, aos súditos,
sua grandiosa obra, ordenou que fossem cortadas as duas mãos dos 20.000 homens que trabalharam na sua
construção, além de mil elefantes. Nem o arquiteto, que projetou e comandou a
construção, Ustad Isa, considerado “o
mais inteligente homem de toda a Índia”, foi poupado. O motivo não poderia ser mais torpe: para que
não fosse construída nenhuma outra obra arquitetônica de beleza igual ou
superior à do TAJ. Ao todo, 40.000 mãos teriam sido decepadas.
Embora,
salvo engano, na peça, tenha sido dito que sua construção tenha demorado 16 anos (Será que ouvi mal?), consta
que foram consumidos quase 22, para
a sua construção, de 1632 a 1653. Seu batismo
teve origem no nome da segunda, e favorita, esposa do imperador, como já foi
dito, na sinopse, Muntaz Mahal (apelido dado pelo marido,
significando “a primeira dama do
palácio”), embora seu verdadeiro nome fosse Aryumand Banu Began. A designação TAJ MAHAL deriva do nome dela, sendo "TAJ" uma palavra persa, que significa "coroa". TAJ MAHAL seria, portanto, "A
coroa de Mahal".
Além do
mármore branco, que sustenta a edificação, nela estão incrustados 28 diferentes tipos de pedras semipreciosas.
Suas quatro faces são absolutamente idênticas, todas com um arco central de 33
metros de
altura. Os muros do mausoléu são cobertos por inscrições tiradas do Alcorão, livro sagrado muçulmano. Para
os islâmicos, o jardim da construção simboliza o paraíso, com flores, fontes e
ciprestes. É um dos monumentos mais visitados no mundo, por turistas de todas
as partes da Terra. Apurei que, só em 2003,
mais de 3 milhões de pessoas
visitaram o TAJ.
Apesar de eu
não ter encontrado, ainda, um texto
de RAJIV JOSEPH, autor norte-americano, com ascendência
indiana, por parte de pai, pelo qual eu me encantasse (mas não vou desistir), o
dramaturgo é bastante festejado, em
seu país, e chegou a ser finalista do Prêmio
Pulitzer de 2010.
“OS GUARDAS DO TAJ” estreou “Off-Broadway”, em julho de 2015, tendo recebido indicações a prêmios, naquele ano e
em 2016 e 2017.
Para a montagem brasileira, o texto foi traduzido e adaptado por RAFAEL
PRIMOT, que também estreia, como diretor,
dividindo a tarefa com o tarimbado JOÃO
FONSECA, no que pode ser considerado um bom trabalho de direção. Esse, aliás, é um dos motivos que me fazem
recomendar a peça.
Outros ainda
virão, como, por exemplo, as duas
belíssimas interpretações de GIANECCHINI, em seu melhor trabalho como ator, e TOZZI, um gigante em cena, com um
leve destaque para o trabalho deste, talvez em função da estrutura do
personagem, que oferece, ao ótimo ator, mais possibilidades de empatia com o
público. Isso se explica, quiçá, pelo fato de BABUR ser mais espontâneo, em seus pensamentos e ações, mais
sonhador, não temendo o perigo, ouvindo mais o coração e agindo com emoção, o
que o faz mais sofredor que o amigo. Guardadas algumas proporções, ante a
tirania do imperador, demonstra uma certa coragem e, dele, pode-se, sempre,
esperar algum desafio, em oposição a HUMAYUN,
que encarna a submissão total, o pragmatismo, o medo e o temor à sanha do
imperador, criado que foi por um pai que lhe ensinou que ordens existem para
serem cumpridas e nunca questionadas, o que o faz agir sempre seguindo a razão,
voltado para o cumprimento cego das ordens, jamais pensando se estará agindo
com ética, sem medir as conseqüências de seus atos. Antes de temer o chefe
supremo, o imperador, HUMAYUN teme a
fúria do pai, um dos mais graduados guardas imperiais, com quem mantinha uma
difícil relação. Este, que seria capaz, até mesmo, de denunciar o filho, por
alguma falta cometida, lhe cobra uma fidelidade cega a Shah Jahan e o cria como um mero fantoche, um robô, que apenas aprendeu a
mexer a cabeça em movimentos verticais, sempre dizendo “sim”.
Num ponto, os
dois concordavam: ainda que pudessem achar arbitrárias e cruéis algumas ordens
vindas do Império, ambos pensavam
que o fato de as cumprir seria um passaporte para alcançar melhores postos na Guarda Imperial, inclusive trabalhar no
harém do imperador, o que provocava
grande euforia em BABUR, sonhando em
circular entre mulheres nuas e, quem sabe, disponíveis.
Diz o “release”
que “os
temas centrais do espetáculo sobre dois guardas imperiais, proibidos de olhar
para o esplendor do TAJ MAHAL, em sua inauguração, são a curiosidade humana, o
capricho dos poderosos e a amizade entre dois homens. Além disso, quando os
guardas são ordenados a realizar uma tarefa impensável, as consequências os
obrigam a questionar os conceitos como amizade, beleza e dever, e os muda para
sempre de maneira única e poética”. Isso, dito assim, é, sem dúvida, um
grande atrativo, para que se assista à peça, faltando, porém, que isso fosse
mais bem explorado no texto, ou o
fosse de outra forma, sei lá.
Os outros
motivos que me levam a recomendar “OS
GUARDAS DO TAJ” são o conjunto plástico, a plasticidade do espetáculo, representada pelo simples e marcante cenário, de MARCO LIMA, despojado de excentricidades, limitado a três paredes de
pedra e alguns objetos, para a cena da carnificina, num palco cinza; os
belíssimos figurinos (falo dos
uniformes dos guardas), de rara beleza e acabamento, belo trabalho de FÁBIO NAMATAME; da correta e envolvente
iluminação, de DANI SANCHEZ; e das vídeo
projeções, por conta do Estúdio
Bijari. Sobra espaço, também, para um elogio à boa qualidade da música original, totalmente em consonância
com o espetáculo, cujo responsável é MARCELO
PELLEGRINI.
E, por falar
em música, não posso deixar de
mencionar um lindo mantra, que HUMAYUN canta, em baixinho, para BABUR, numa das mais belas cenas da
peça, e que GIANECCHINI, ao final do
espetáculo, durante os agradecimentos, após a ovação da plateia, explica, ao público,
se chamar “Prabhu Aap Jago”, cujo teor
pode ser traduzido por “Deus, desperte! Deus desperte em mim!
Desperte em todos os lugares! Acabe com o jogo do sofrimento! Ilumine o jogo da
alegria!”. Também é aceitável (Encontrei, numa pesquisa) outra tradução:
“Desperte-se e vá em direção a Deus, além da escuridão da ignorância e da
ilusão! Vá além de todas as coisas aparentes e se estabeleça em todos os
lugares!”.
Certamente, o
ponto nevrálgico da peça é nos levar a uma reflexão acerca de valer a pena, ou
não, deixar que uma amizade possa ser ameaçada por interferência de um poder
cego, intransigente e cruel. Até que ponto deve ficar em segundo plano o real
sentido da vida e das relações. “A
jornada desses dois amigos nos questiona se vale a pena pagar um preço tão alto,
para manter a ordem estabelecida” (extraído do “release”.).
A carnificina,
totalmente impossível de ser realizada por apenas dois homens, em tão escasso
tempo, soa como uma metáfora de tantas barbáries que, infelizmente, até nossos
dias, testemunhamos.
É comovente a
atitude de BABUR, ao perceber que
contribuiu para “matar a beleza do mundo”,
por meio de sua obra de decepador de mãos de artistas, o que privaria a
humanidade de conhecer outras obras de arte tão lindas quanto o TAJ. Também nos comove a sua intenção
de diminuir a culpa do amigo, ao assumir ser ele o pior dos dois, uma vez que
lhe coubera o ato de cortar as mãos daqueles infelizes, enquanto, a HUMAYUN restava, “apenas”, a complementação
da barbárie, já que este cauterizava os ferimentos.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Rajiv Joseph
Tradução
e Adaptação: Rafael Primot
Direção:
Rafael Primot e João Fonseca
Elenco
Reynaldo Gianecchini (Humayun) e Ricardo Tozzi (Babur)
Música
Original: Marcelo Pellegrini
Figurino:
Fábio Namatame
Cenografia:
Marco Lima
Vídeo
Projeção: Estúdio Bijari
Iluminação:
Dani Sanchez
Cenotécnico:
Fernando Brettas (Ono-Zone Estúdio)
Cenógrafo
Assistente: César Bento
Produção Musical: Surdina
Preparador
Corporal (Método Suzuki): Fabiano Lodi
Visagismo:
Guilherme Camilo
Assistente
de Produção (Ensaios): Bruno Fagotti
Assessoria
de Imprensa: SP: Daniela Bustos, Beth Gallo e Thaís Peres – Morente Forte
Comunicações
Assessoria
de Imprensa RJ: Barata Comunicação
Programação
Visual: Vicka Suarez
Adaptação
Projeto Gráfico: Erik Almeida
Fotos
Programação Visual: Fernando Torquatto
Fotos
de Cena (Portugal): Rogério Martins
Fotos
de Cena (Brasil): João Caldas Fº
Assistente
de Fotografia: Andréia Machado
Mídias
Sociais: Dani Angelotti e Luciano Angelotti (Cuboweb)
Filmagens
e Edições para Web: Jady Forte –(Desteatrando)
Coordenação
de Produção: Egberto Simões
Produção
Executiva: Martha Lozano
Assistente
de Produção: Bárbara Santos
Assistente
Administrativa: Alcení Braz
Administração:
Danilo Bustos
Idealização:
Rafael Primot e Enkapothado Artes
Produtoras:
Selma Morente e Célia Forte
Realização:
Morente Forte Produções Teatrais
SERVIÇO:
Temporada: De 04 de maio até
03 de junho de 2018.
Local: Teatro XP Investimentos (antigo Teatro do Jockey).
Endereço:
Av. Bartolomeu Mitre, 1314 – Leblon – Rio de Janeiro
Dias
e Horários: 6ª feira e sábado, às 21h30min; domingo, às 18h.
Horário
de Funcionamento da Bilheteria: 3ª feira, das 13h às 17h; de 4ª a 6ª feira, das
17h às 21h; sábado, das 13h às 21h; e domingo, das 13h às 18h. Estacionamento
no local.
Vendas:
telefone (21) 4003-6860 e http://www.eventim.com.br
Valor do Ingresso: R$90,00 (inteira) e R$45,00 (meia entrada).
Lotação: 331 lugares.
Duração: 75 minutos.
Gênero: Drama.
Indicação Etária: 12 anos.
OBSERVAÇÃO: Todas as
apresentações terão descritivo em braille e intérprete de libras.
Não se pode negar
que o espetáculo também nos fornece elementos para uma comparação com o que estamos
vendo, em termos de política, no mundo contemporâneo, sem deixar de fora o próprio
Brasil. No nosso caso, podemos dizer que já está na hora de deixarmos de ser HUMAYUN e passarmos a assumir uma posição
mais de BABUR; deixarmos a acomodação
e a atitude de carneirinhos ou de vaquinhas de presépio, para assumirmos um
protagonismo de uma fera ferida, em defesa de nossos direitos.
Por fim, quero render uma homenagem a SELMA MORENTE e CÉLIA FORTE, pelo brilhantismo desta produção.
Por fim, quero render uma homenagem a SELMA MORENTE e CÉLIA FORTE, pelo brilhantismo desta produção.
Recomendo “OS GUARDAS DO TAJ”!!!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA
CRÍTICA, PARA A DIVULGAÇÃO DO BOM TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: JOÃO CALDAS Fº.)
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