MEMÓRIA
D’ALMA
(UM ESPETÁCULO QUE TOCA,
PROFUNDAMENTE,
QUALQUER SER HUMANO.
MAS É PRECISO SER HUMANO.)
Na noite da última 2ª feira (7
de maio de 2018), vivi uma experiência que, há bastante tempo, não sentia
no TEATRO. Poucas vezes, uma peça mexeu tanto comigo e com os demais
espectadores, como “MEMÓRIA D’ALMA”,
à qual assisti, no Teatro Candido Mendes,
em sessão para convidados (VER SERVIÇO).
É mais um daqueles casos em que o efeito que o espetáculo provoca em mim, com o “fechar do pano”, supera, em
muito, a expectativa que me levou a assistir a ele. Como não tinha recebido,
ainda, o “release” da peça, posteriormente chegado às minhas
mãos, via GUILHERME SCARPA, um dos seus
diretores, ao lado de CAMILO PELLEGRINI, e não havia lido
nada sobre a montagem, fui,
completamente, “no escuro”, sem saber o que encontraria. Nem a temática eu
conhecia. Uma total surpresa para mim, o que, muito raramente, me ocorre.
SINOPSE:
Baseada em histórias reais, a peça "MEMÓRIA D'ALMA"
expõe um acerto de contas entre uma mulher, vivida por JULIANA TEIXEIRA,
e seu filho mais velho, personagem
de NIAZE NET O.
Numa minúscula
e rudimentar cela de cadeia, de uma pequena cidade interiorana, eles passam
suas histórias a limpo e relembram episódios marcantes de assédio, crueldade,
omissão e o abuso que o menino sofreu, por parte do pai, o qual ele assassinou,
na idade adulta, motivo de sua prisão.
Recomendo muito que assistam ao espetáculo,
mas que estejam preparados para ver e ouvir coisas muito duras, acusações e
agressões mútuas, cobranças, tudo girando em torno de um eixo temático, que, só
por se saber possível de acontecer, nos causa um misto de revolta e medo;
impotência, também, e comiseração. E o pior é que, como diz a sinopse, o enredo é baseado em fatos reais e, infelizmente, tão atual. É só
nos reportarmos às recentes denúncias contra um ex-técnico da seleção de
atletismo do Brasil, acusado de
molestar dezenas de crianças e adolescentes, o que vinha fazendo, segundo as acusações, há cerca de duas
décadas.
Nada mais cruel, perverso, doloroso
e inadmissível do que a pedofilia,
principalmente se ela, que já é uma extrema violência, física e psicológica,
vem acompanhada de outros crimes, como assassinatos.
A trama se dá num lugarejo do interior do nordeste brasileiro, mas,
guardadas as devidas proporções, pode estar muito mais próxima de nós, nos
grandes centros urbanos, do que possamos imaginar. A cada dia, tomamos conhecimento
de violência sexual contra os indefesos menores, muitas vezes iniciadas no
próprio lar (“Lar”?), como ocorre
nesta peça.
Para tornar esta crítica
mais interessante e informar o leitor da triste e verdadeira realidade
brasileira, fiz uma breve pesquisa e encontrei, na edição “on line”, de 22 de abril de
2017, do “Diário de Pernambuco”,
assinada pela jornalista Aline Moura,
dados estatísticos de estarrecer. Sobre eles, faço um resumo.
Pernambuco detém o terceiro
lugar, dentre os estados nordestinos, nas estatísticas de 2016, com relação aos casos de
violência sexual contra menores, sendo antecedido, no horroroso “ranking”, por Bahia e Rio Grande do Norte,
respectivamente, os primeiro e segundo
lugares.
Pesa, também, saber que muitos casos são omitidos pelos menores, por
medo ou vergonha, e pelas próprias famílias, dentro das quais estão 90% dos covardes agressores ou amigos e
conhecidos delas. Acrescente-se o fato de que “o abuso é a violência sexual
mais denunciada contra meninos e meninas”.
Vamos aos números! Se compararmos os dados de 2011, que apontavam 82.139
denúncias de violência contra crianças e adolescentes, com os números em 2016, 76.171, notamos uma redução
de 7,26%, o que, até, poderia ser comemorado, por força da atuação das
autoridades que se propõem a combater esse tipo de crime e punir os criminosos.
No fundo, porém, não é para ser aplaudido, porque o ideal seria que as estatísticas
apontassem 0% desses casos.
De acordo com os
números oficiais, publicados em 2016,
São Paulo é o estado que registra o
maior número de casos (16.193),
seguido do Rio de Janeiro (8.486), a
metade.
Caminhando junto com o
abuso sexual, vêm a nefasta exploração sexual e a ultrajante pornografia
infantil, dois outros cânceres, a destruir e consumir a infância brasileira.
O número de casos que
envolvem meninos (47.181) chega
próximo ao de meninas (53.344).
O texto da peça é inédito e foi escrito por um jovem dramaturgo, chamado FABIANO BARROS, recifense, atualmente
morando em Porto Velho, É fortíssimo,
tenso e denso, à exaustão, reproduzindo, num linguajar regionalista, próprio
dos dois personagens, um diálogo
duro, que fere, na alma, como a dor física e interior, experimentada pelo FILHO (RAPAZ) e por sua MÃE (MULHER). Os personagens são anônimos,
representando uma certa “universalidade”. As suas identidades civis pouco
importam; eles podem estar até na poltrona ao lado da nossa. A curva dramática, por vezes, parece
estar meio desajustada, mas é só impressão. Talvez possa ser, inclusive, algo
intencional, por parte do autor, para manter a atenção do espectador. Não
faltam surpresas, uma após a outra. Quando pensamos que o ser humano tenha
chegado ao limite da maldade e da perversão, o autor nos surpreende com fatos e falas mais chocantes, perturbadores.
Extraído do “release” da peça: "Acima de tudo, o texto mostra um
drama familiar muito potente. Com isso, faz uma denúncia sobre um assunto que
não pode mais ser silenciado, varrido para debaixo do tapete. É uma história
que revela a hipocrisia, a doença, e crimes que acontecem diariamente, não só
em regiões inóspitas do país, como em grandes capitais", diz o diretor GUILHERME
SCARPA.
A hipocrisia permeia toda a
trama, uma vez que o grande “monstro” da história, o vilão, o pai, era
considerado um exemplo de cidadão e chefe de família, pelos vizinhos, a ponto
de sua morte brutal ter provocado uma grande comoção e revolta entre todos, os
quais queriam fazer justiça com as próprias mãos. Geralmente, esse tipo de
“gente” passa uma imagem falsa, não correspondente à sua real personalidade.
Muitas vezes, até, chegam a desempenhar, na sociedade em que vivem, uma falsa
condição de pessoas muito religiosas.
A MÃE também é uma fanática
religiosa, mas deseja todo o mal do mundo ao FILHO, até a morte, da forma mais cruel possível, para que ele
purgasse a alma de todos os crimes que lhe eram atribuídos. Também, como é comum
acontecer, quase sempre, ela sabia das barbaridades cometidas pelo marido e
acabava por se tornar uma espécie de sua cúmplice, por acomodação e medo.
A direção da peça, boa,
por sinal, é compartilhada: GUILHERME
SCARPA e CAMILO PELLEGRINI,
ambos simplificando tudo e permitindo que a dupla de atores pudesse extravasar seus sentimentos, dando vida a dois seres
miseráveis, cheios de imperfeições, mas, no fundo, dignos de nossa piedade, por
mais cruéis que se mostrem, principalmente o FILHO, uma vítima, no fundo.
A interpretação, muito além de visceral
e impactante, é de JULIANA TEIXEIRA (MÃE) e NIAZE
NET O (FILHO).
JULIANA é
uma grande atriz, cujo carreira
acompanho faz tempo. Uma mulher muito bonita, que, no palco, neste palco, se
deixa transformar numa criatura feia, sofrida, desgastada, física e
emocionalmente, pelas agruras da vida.
Não conhecia o trabalho
de NIAZE e já me confesso seu fã. A
menos que a memória me traia, creio nunca, antes, ter visto um trabalho do ator. É emocionante a maneira como ele
se entrega ao personagem, o que, da
mesma forma, também ocorre com JULIANA.
Há uma cumplicidade tão
grande entre os dois, em cena, e um esbanjar de talento, que toca cada
espectador profundamente.
Para dar apoio ao trabalho dos atores,
merece crédito o simples, porém suficiente, cenário, de VANESSA ALVES,
que conta apenas com uma parede de bambus, ao fundo, ao estilo pau a pique, um
leito tosco e pobre, um catre, constituído de um estrado de madeira, sobre o
qual há uma esteira bem rudimentar, e um pequeno tronco, que serve de banco, de
assento. Tudo sobre uma espécie de lona de caminhão, cobrindo o piso.
Bem ajustado aos personagens é o figurino,
de CAROLINA MONTE e IVÃ RIBEIRO (REVERSE), bem tosco.
A iluminação, criada por MAURÍCIO CARDOSO, não apresenta nenhum
detalhe que mereça destaque, mas está dentro das exigências do ambiente e das
ações, algumas destacadas, com mais luz, outras menos. Não precisava ser diferente.
Agradou-me, sobremaneira, o visagismo,
de TAINÁ LASMAR, principalmente a
caracterização do FILHO, com um olho
destruído por uma facada. É bastante impactante.
A consagrada cantora e compositora DANNI CARLOS assina uma
boa trilha sonora original, que ajuda a criar os momentos
de tensão da peça.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Fabiano Barros
Direção: Guilherme Scarpa e Camilo
Pellegrini
Elenco: Juliana Teixeira e Niaze Neto
Cenário: Vanessa Alves
Figurino: Carolina Monte e Ivã Ribeiro
(Reverse)
Iluminação: Maurício Cardoso
Operação de Luz: Bruna Maciel
Visagismo: Tainá Lasmar
Trilha Sonora Original: Danni Carlos
Coordenação de Produção: Kellys Kelfis
e Wagner Uchôa
Fotos: Camila Marchon
Assessoria de Imprensa: Fábio Dobbs
Realização: Nova Bossa Produções Culturais e Guilherme Scarpa
SERVIÇO:
Temporada: De 4 de maio a 17 de junho
de 2018.
Local: Teatro Candido Mendes.
Endereço: Rua Joana Angélica, 63, Ipanema - Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2525-1000.
Dias e Horários: De 6ª feira a 2ª feira, às
20h.
Valor do Ingresso: R$50,00 (inteira) e R$25,00
(meia entrada).
Classificação Etária: 18 anos.
Duração: 50 minutos.
Gênero:
Drama
(Foto: Gilberto Bartholo.)
“MEMÓRIA D’ALMA” é um espetáculo franciscano, uma boa produção, que só conseguiu ser
levantada como muito amor e garra, sem contar com nenhum patrocínio, o que já
se tornou, infelizmente, uma constante no Rio
de Janeiro. Tudo foi feito numa verdadeira
"ação entre amigos", cada um colocando o seu tijolinho. Todos os
envolvidos no projeto estão de
parabéns e merecem todo o nosso respeito e apreço.
É PRECISO QUE TODOS VEJAM ESTA PEÇA E
PRESTIGIEM UM TRABALHO FEITO COM TANTO EMPENHO E COMPETÊNCIA!!!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA
CRÍTICA, PARA A DIVULGAÇÃO DO BOM TEATRO BRASILEIRO!!!
(Foto: Gilberto Bartholo.)
(FOTOS: CAMILA MARCHON.)
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