A VIDA
AO LADO
(NEM SÓ COM UM
GRANDE ORÇAMENTO
SE FAZ UM BOM
Embora
na função de crítico e de jurado de um Prêmio de TEATRO, o PRÊMIO
BOTEQUIM CULTURAL, quando aceito um convite para ver uma peça, faço-o, antes de mais nada, como
espectador, pelo prazer de assistir a mais um espetáculo e, sempre, saio de casa, sem medir esforços ou
sacrifícios, na esperança de deixar o Teatro
feliz, enriquecido pelo que vi e modificado, se possível. Nem sempre isso
acontece e as decepções são inevitáveis. Mas o bom é que o contrário também
acontece, e isso é muito gratificante. Quando vou ao Teatro com uma expectativa, mesmo sendo boa, e ela vai além do que
eu supunha encontrar no palco, a satisfação é maior. Isso ocorreu há menos de uma semana, no último dia
4 (maio de 2018), quando, atendendo
ao convite de ROGÉRIO ALVES (KASSU ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO), me
propus a ver “A VIDA AO LADO”, que
bem poderia se chamar, também, “A Vida
ao Largo” (adiante, entenderão o porquê), em cartaz no Teatro Serrador (VER SERVIÇO.).
De
acordo com o “release”, “A peça acompanha o dia a dia de moradores
de um prédio, os quais terão que deixar seus apartamentos, para a construção de
um enorme e exótico aquário”. Vou me apropriar de muito do conteúdo do referido “release”, uma vez que o considero de excelente qualidade informativa, dos melhores que já recebi até
hoje.
SINOPSE:
“A VIDA AO LADO” mostra o dia
a dia dos moradores de um edifício que está prestes a ser desapropriado pelo
governo.
Eles estão levando suas
vidas normalmente, quando recebem a notícia de que terão de se mudar,
pois a prefeitura vai implodir o edifício, para a construção de um enorme e
exótico aquário.
Cada morador receberá uma
indenização e deverá mudar-se, o quanto antes possível, para outro lugar, no
prazo máximo de um mês.
A peça
acompanha, justamente, o último
mês desses moradores, antes da mudança - quem são, como vivem, e
como reagem à notícia de que terão que sair de seus apartamentos.
A mudança
serve como um pano de fundo, para mostrar como o ser humano age, quando se vê diante de um grande
desafio, que poderá mudar, radicalmente, sua vida, e é obrigado a sair de sua zona de conforto.
“Um
rico painel humano vai se revelando, à medida que a trama avança, e, aos
poucos, o público perceberá, em cada apartamento, questões universais, como o
amor, a solidão, o medo, as limitações, os sonhos e projetos de cada um.
Conforme a trama se desenrola, acompanhamos a vida de moradores de perfis bem
diversos, como um casal amoral, que
está por trás da desapropriação do edifício e que pretende lucrar com a
construção do exótico aquário; uma
idosa solitária, que vive nas redes sociais, procurando por um
par; um síndico pacato e
acomodado, que resolve ‘pular a cerca’ e viver uma tórrida paixão; um trio de cônjuges, composto por
dois homens, que vivem uma relação homoafetiva, e uma mulher, os quais discutem,
juntos, a questão de terem um filho a três; uma senhora conservadora, que acaba se consolando com o porteiro/zelador,
após uma decepção com o marido; um
grupo apático de moradores, que passam o dia deitados no sofá,
ouvindo Bob Dylan e
questionando tudo e não fazem, absolutamente, nada, para mudar a realidade, em
uma inércia desconcertante, que reflete os tempos atuais; um militante 'gay', que tenta
reagir à desapropriação, mas acaba sofrendo uma violência por parte de outro
morador; uma família de refugiados, os
quais vivem brigando, dentro de uma língua desconhecida; crianças, que se reúnem no ‘play’
e repetem os preconceitos dos pais, e por aí vai...
Essas
histórias vão tendo seus fios puxados e se esbarrando, aqui e ali, em uma
estrutura dramatúrgica de multitrama, em que todos são protagonistas e cujo
tema maior é o comportamento humano e suas idiossincrasias e contradições.
Como um
interessado ‘voyeur’, o público acompanha a vida dessas pessoas em público e na
intimidade do lar e, até mesmo, na solidão de cada morador, e vê como cada um
se comporta em diferentes situações, nas horas mais difíceis de suas vidas.”.
Creio que só pelo que
transcrevi, do “release”, o meu leitor já se sentirá inclinado a
assistir à peça – e espero que o faça, na certeza de que não se
arrependerá. Falta, ainda, porém, eu dizer por que gostei bastante do
espetáculo, a ponto de escrever sobre ele e referendá-lo, “aos amigos e
inimigos”. Os amigos me agradecerão; os inimigos também.
Gostei do texto,
de CRISTINA FAGUNDES, muito fiel às situações e aos perfis dos personagens,
com diálogos interessantes, ricos, prendendo a atenção do espectador. A autora
foi muito feliz na escolha do tema e no desenvolvimento da trama, ao
estabelecer os conflitos que permeiam as vidas daquela gente. Acho que já dá
para entender o que eu disse, logo no início desta análise, com relação a uma “possibilidade”
de mudança no título do texto, para “A Vida ao Largo”. É que, na
verdade, parece que o drama de cada um só interessa a quem está envolvido nele.
A situação que atinge a todos provoca um sentimento meio egocêntrico de “farinha
pouca, meu pirão primeiro”, todos lutando por sua sobrevivência. Não há uma
empatia, por parte de nenhum deles. É como se, para um, a vida do outro pouco
interessasse, passando “ao largo”. É cada um por si, à procura de uma
acomodação confortável, diante de um futuro incerto. O mesmo também poderia ser
aplicado à posição da prefeitura, que pouco se importa com vidas humanas; a
construção, creio que, totalmente, desnecessária, de um aquário, “exótico”,
ainda por cima, rende votos.
Da mesma forma, agradou-me a direção, bastante criativa, da dramaturga, acumulando três funções,
uma vez que também faz parte do ótimo elenco,
que se comporta com um equilíbrio nas atuações, completado por ALEXANDRE BARROS, ALEXANDRE VARELLA, ANA PAULA
NOVELLINO, BIA GUEDES, FLAVIA ESPIRITO SANTO e MARCELLO GONÇALVES, todos com ótimas atuações, com um ligeiro
destaque, a meu juízo, para ALEXANDRE
BARROS, embora todos sejam protagonisdtas. Os atores assumem mais
de um personagem, o que força o espectador a ficar atento à boa arquitetura do texto, formado por cenas
curtas e situações que se entrecruzam.
ALEXANDRE BARROS vive o papel de ANTENOR, o síndico, que vai ter de resolver todo tipo de problema,
mas ele não contava com o fato de que sua vida pessoal também iria virar de
cabeça para baixo. Além deste, ele é JÚNIOR,
um filho que só deseja “boa noite” ao pai, se for pago pra isso; TITO, o militante “gay”, que, talvez
fosse capaz de “chutar o pau da barraca”, se não fosse pego de surpresa; e DOIDÃO (1), um ser que só filosofa, mas
é incapaz de tomar alguma atitude.
Já ALEXANDRE VARELLA é FELIPE,
que quer ter um filho, mas também quer ser artista e acha as duas coisas incompatíveis,
sem saber que caminho tomar. Também é LUÍS
CLÁUDIO, capaz de qualquer coisa, para conseguir o que deseja, achando que
o dinheiro compra tudo. Seu terceiro personagem é VINÍCIUS, uma criança, espiritualmente, desenvolvida. Ele é o que
se pode chamar de “um garoto índigo”,
termo utilizado para descrever crianças que a parapsicologia acredita serem “especiais”, isto é, com “habilidades
sociais mais refinadas, maior sensibilidade e desenvolvimento profundo de questões
ético-morais”.
ANA PAULA NOVELLINO é DONA
IOLANDA, a que está se sentindo sozinha, com a mudança, em breve, de sua
filha, com seus dois maridos, para outra casa, chegando a hora de ela, por si só,
viver a própria vida. Também é TETÊ,
a filha da empregada, ainda nova no prédio, mas já enturmada com os outros moradores.
BIA GUEDES assume a personalidade de FERNANDA, uma “predadora”, que também tem seu ponto fraco. MARIA, a nova empregada de DONA IOLANDA, também é vivida pela atriz, e a personagem vai levantar muita poeira nesse prédio.
CRISTINA FAGUNDES encarna a mulher do síndico, CÉLIA, cuja vida se tornou um inferno, com a notícia da
desapropriação do prédio, o que acaba sendo a menor das surpresas, uma vez que
a CÉLIA surpreende, ao quebrar seus
preconceitos.
FLAVIA ESPIRITO SANTO representa ANA, casada com dois homens, PEDRO
e FELIPE, um triângulo amoroso, vivendo
sob o mesmo teto, e que ainda está em dúvida sobre ser mãe, embora os dois com
ela casados estejam firmes na decisão de assumir uma paternidade.
Por último, MARCELLO GONÇALVES dá vida a JURACI, o porteiro/zelador do prédio. Com a notícia da desapropriação do imóvel, os
moradores entram em polvorosa e ele vai “deitar e rolar” em cima disso e de uma
certa moradora, cuja identidade não revelo, para evitar “spoiler”. Também é DOIDÃO
(2), em algumas cenas. Restam-lhe, ainda, dois personagens: PEDRO, que quer ter um filho a três,
sendo que seu marido já topara, faltando, apenas, sua esposa se decidir; e TSVAI, um garoto estrangeiro, um refugiado,
que vive aos gritos, com sua família, numa língua bárbara, que ninguém entende.
Quando se ama o TEATRO, quando se escolheu
viver dele e se tem o desejo de pôr em prática um bom projeto, mas faltam
recursos financeiros, a moeda de maior valor se chama “criatividade”.
Foi assim que trabalharam ALICE CRUZ e TUCA BENVENUTTI, dois “braços
direitos” da premiadíssima cenógrafa Aurora dos Campos, ora
morando no exterior. A dupla concebeu um cenário pobre de recursos
materiais, entretanto riquíssimo de inventividade. No palco nu, ao fundo,
apenas uma grande rede de conduítes plásticos, ligados, formando desenhos, como
se fosse a fachada do prédio ou sugerindo a divisão do imóvel em apartamentos.
Uma outra pequena construção, do mesmo material, mais próxima ao proscênio,
serve de entrada para o prédio. Os diversos ambientes são sugeridos apenas com
a utilização de algumas cadeiras pintadas de vermelho.
Bastante interessante é o figurino, de SOL
AZULAY, sendo todas as peças confeccionadas na cor cinza, não por acaso, é
claro. Refletem um momento na vida de todos os personagens. Na simbologia das
cores, o cinza está ligado à ideia de
maturidade e estabilidade, mas também sugere tristeza, incerteza ou, até mesmo,
neutralidade. Parece-me ter sido a cor escolhida mais por afinidade com a
tristeza e a incerteza, já mencionadas, e com a monotonia. É
a cor do nevoeiro e do triste tempo cinzento. É o tom intermediário entre o
preto e o branco.
O
mestre AURÉLIO DE SIMONI, mais uma
vez, se destaca na iluminação,
criando uma luz simples, como é o espetáculo, porém prestando um grande serviço
às cenas.
Em
comunhão com tudo, contribuindo para a boa montagem, merecem ser mencionados o visagismo, de VINI KILESSE, a direção de
movimento, assinada por DANIEL
LEUBACK, e a instigante trilha
sonora, a cargo de ISADORA MEDELLA.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Direção: Cristina Fagundes
Diretor assistente: Fernando Melvin
Elenco (por ordem alfabética): Alexandre Barros,
Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Bia Guedes, Cristina Fagundes, Flavia
Espirito Santo e Marcello Gonçalves.
Direção de
Movimento: Daniel Leuback
Cenário: Alice Cruz e Tucá Benvenutti
Figurino: Sol Azulay
Assistente de Figurino: Flavia Espirito Santo
Iluminação: Aurélio de Simoni
Trilha Sonora: Isadora Medella
Assistente de Trilha Sonora: Flávia Belchior
Visagismo: Vini Kilesse
Assistente de Visagismo: Flor Pizzolato
Cenotécnico: Dêro Martin
Programação Visual: Ivison Spezani
Mídia Digital / Redes Sociais: Leo Amato
Fotos: Gilberto Vilela (estúdio) e Lu Valiatti (cena)
Operador de Som: Guilherme Miranda
Operador de Luz: Iago Silva
Assessoria de Imprensa: Kassu Assessoria de Comunicação
Direção de Produção: Cristina Fagundes
Produção
Executiva: Juliana Trimer
SERVIÇO:
Temporada: 03 a
26 de maio de 2018
Local: Teatro Municipal Serrador
Endereço: Rua Senador Dantas, 13 – Centro (Cinelândia) – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2220-5033
Dias e Horário: De 5ª feira a sábado, às 19h30min
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada)
Duração: 1h30min
Classificação Etária: 14 anos.
Recomendo o espetáculo e espero que
minha recomendação seja multiplicada por todos que a ela atenderem.
E
VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
(FOTOS: GILBERTO VILELA (estúdio)
e
LU VALIATTI (cena.)
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