HAMLET
(UM
SHAKESPEARE
INSTIGANTE
E ATEMPORAL
NUMA
LEITURA ARROJADA.)
Arte
milenar, o TEATRO precisa se renovar
sempre, reinventar-se, sem se afastar de suas origens.
Gosto de ver grandes desafios, no TEATRO, que fujam da mesmice, mas que
não sejam propostas absurdas, sem sentido; e que possam conduzir o público por
labirintos cheios de surpresas; agradáveis, de preferência. Parece que eu e a ARMAZÉM COMPANHIA DE TEATRO pensamos
parecido. Sim, pensamos!!!
A mais recente produção daquela gente, que sabe fazer TEATRO como poucos, neste país, está em cartaz, no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro e é, nada mais, nada menos que uma versão ousada de
um dos maiores clássicos da literatura dramática universal, um ícone do TEATRO: “HAMLET”, de Shakespeare
(VER SERVIÇO). A montagem marca os 30
anos de fundação da COMPANHIA.
SINOPSE:
Tudo tem início quando o jovem Príncipe
da Dinamarca, HAMLET
(PATRÍCIA SELONK), recém-chegado de seus estudos universitários, na Inglaterra, lamenta a morte súbita de
seu pai, assassinado.
Logo após essa morte, GERTRUDE
(ISABEL PACHECO), a Rainha da
Dinamarca, mãe de HAMLET, casa-se
com CLAUDIUS (RICARDO MARTINS), seu
cunhado, irmão do falecido. Com isso, CLAUDIUS assumiu o trono do Rei
morto.
HAMLET sofre muito, pela morte do pai,
ao mesmo tempo que fica indignado com o precoce novo matrimônio da mãe.
Atormentado, o Príncipe, pelos
guardas do castelo, fica sabendo que o fantasma de seu pai estaria rondando o
local, o Castelo de Elsinore, durante
a noite, na tentativa de falar com o filho. Decide, então, ir ao encontro do
espectro, e ouve, de sua boca, uma terrível revelação: a de que o novo Rei, seu tio, havia matado o irmão,
derramando-lhe veneno no ouvido, e casado com a cunhada. Não fica claro se a Rainha sabia do assassinato ou não, o
que, talvez, não fizesse tanta diferença. O Príncipe, revoltado, jura vingança.
HAMLET passa a assumir o comportamento de louco, para
despistar seus inimigos, passando a impressão de ser inofensivo ao novo Rei.
Preocupados e buscando entender se a loucura do rapaz é fingimento ou
realidade, o Rei e a Rainha recorrem a POLONIUS (MARCOS MARTINS), um conselheiro da corte. Este acredita que
a causa da loucura do Príncipe seja
o amor, não correspondido, por sua bela filha OFÉLIA (LISA FÁVERO),
e convence a moça a conversar com HAMLET,
enquanto ficariam, POLÔNIUS e CLAUDIUS, escondidos, ouvindo a
conversa.
HAMLET, porém, rejeita a ideia de casamento e destrata OFÉLIA,
sugerindo que a moça procurasse viver num convento. Ele, na verdade, não tinha
certeza de seu amor por ela, uma vez que alternava, com relação à pretendente, demonstrações
de profundo afeto e de rejeição, e o momento era só de viver e planejar uma
vingança.
A insegurança do Príncipe se estendia ao fato de o fantasma ser, realmente,
de seu pai e que fosse verdade o que o espectro lhe tinha contado.
Para ter certeza daquela revelação macabra, arma um plano. Convida uma
trupe de atores, para apresentar uma peça no castelo, na qual haveria uma cena
em que um usurpador envenenaria seu irmão e se casaria com sua cunhada. A arte imitando, quem sabe, a vida.
Queria testar a reação do tio.
Quando a cena do assassinato acontece, o Rei revolta-se e deixa a sala, o que, para o vingativo HAMLET, é a prova de que precisava,
para ter a certeza do que acontecera na sua ausência.
GERTRUDE chama o filho aos seus aposentos, exigindo
explicações pelo seu comportamento. No caminho, HAMLET flagra CLAUDIUS
rezando, sozinho, e decide concretizar sua vingança, mas desiste de fazê-lo,
por medo de que o Rei vá direto para
o céu, por morrer durante a reza.
HAMLET discute, violentamente, com a mãe, enquanto POLONIUS escuta tudo por trás da
cortina. Percebendo a presença de uma terceira pessoa naquele aposento, HAMLET pensa ser o Rei traidor e assassina, por engano, o Conselheiro.
Essa morte faz com que o CLAUDIUS
passe a temer HAMLET, pois percebe
que ele seria capaz de matá-lo também. Para salvaguardar a própria vida, envia,
então, o Príncipe, novamente, à Inglaterra, supostamente em uma missão
diplomática, acompanhado por dois amigos de infância, do rapaz, ROSECRANTZ (LUIZ FELIPE LEPREVOST) e
GUILDENSTERN (JOPA MOARES), que seguiam suas ordens, para que, quando chegassem
ao destino, entregassem o jovem às autoridades locais, para ser executado.
Sagaz, HAMLET percebe a trama
e troca as cartas, enviando os amigos traidores à morte, na Inglaterra, em seu lugar.
Enquanto isso, OFÉLIA sofre tanto com a rejeição de HAMLET e a morte violenta do pai, que
enlouquece, caminhando, sem rumo, pelo castelo, cantando e declamando poemas.
Seu irmão mais velho, LAERTES
(JOPA MORAES), retorna da França
e fica horrorizado, ao deparar-se com a irmã louca e o pai morto, e vai falar
com o Rei, para cobrar-lhe
explicações.
Nessa hora, CLAUDIUS vê a
oportunidade perfeita para resolver dois problemas: aplacar a fúria de LAERTES e livrar-se de HAMLET, sem sujar as próprias mãos. Sugere
ao ofendido e infeliz LAERTES que
desafie HAMLET para um duelo, sabedor de que aquele era um ás,
com a espada.
A ideia é aceita, prontamente, e CLAUDIUS
ainda acrescenta que colocaria veneno, na ponta da espada, para tornar a morte
de HAMLET certa. Enquanto
confabulam, a Rainha adentra,
desesperada, comunicando que Ofélia se suicidara, afogando-se.
O clímax da história começa com o duelo entre LAERTES e HAMLET. O Rei acredita, piamente, que aquele
derrotará este, facilmente, mas, por via das dúvidas, para garantir seu
intento, traz um cálice de vinho envenenado, para oferecer ao Príncipe, antes da luta, entretanto, a Rainha adianta-se e decide brindar à
saúde de seu filho, bebendo um pouco do veneno.
HAMLET também é envenenado pela lâmina de LAERTES, porém, antes de morrer, fere,
mortalmente, seu rival, com a mesma espada envenenada, que fora trocada,
acidentalmente, durante a contenda.
Fazendo as pazes com o Príncipe,
LAERTES, antes do suspiro final, revela-lhe
as tramas assassinas de CLAUDIUS, a
quem HAMLET obriga que beba o resto do
vinho envenenado.
O castelo é invadido por Fortinbras,
o príncipe da Noruega, país com o
qual a Dinamarca estava em guerra, e
este fica chocado com toda aquela destruição.
Resta a HORACIUS (LUIZ FELIPE
LEPREVOST), amigo de HAMLET, que
sobreviveu à tragédia, narrar a trágica história do Príncipe da Dinamarca.
Notadamente conhecida, no meio teatral e
pelos amantes do TEATRO, por
desenvolver processos baseados numa dramaturgia própria ou calcada em ótimas adaptações,
algumas mais próximas aos originais, outras mais livres, detentora de tantos prêmios, dos mais importantes no país
e, também, no exterior, desta vez, a ARMAZÉM
COMPANHIA DE TEATRO nos sacode, na plateia, com uma versão atemporal e
criativa, uma leitura bastante arrojada de “HAMLET”,
trazendo, inclusive, no papel do protagonista,
que é um rapaz, uma mulher, PATRÍCIA
SELONK, com a idade bem acima do jovem HAMLET,
o primeiro indício de que o diretor, PAULO
DE MORAES, não estava preocupado com detalhes cronológicos e obediência
cega ao roteiro original.
O fato de o papel masculino, do
protagonista, ser representado por uma atriz não é nenhuma novidade. Muitas
outras já pisaram, antes, os palcos, como o Príncipe da Dinamarca, como, por exemplo, Sarah Siddons, considerada, talvez, a
primeira a desempenhar tal função, e a diva Sarah Bernhardt, que encenou o Príncipe, em sua popular produção
londrina, de 1899. Eu nunca tive a
oportunidade de testemunhar tal façanha e confesso que muito me agradaram tanto
a ideia como o trabalho de PATRÍCIA.
Diz o “release” da peça, enviado pela assessoria de imprensa (NEY
MOTTA), que "Partindo da obra fundamental de SHAKESPEARE, a ideia geral da COMPANHIA é encontrar um HAMLET do nosso tempo. Um HAMLET cheio de som e fúria. Não numa atualidade forçada, mas ressaltando aspectos da obra que dialogam com esse coquetel de conflitos contemporâneos, que vemos, todos os dias, jorrando nas grandes cidades do mundo".
O
texto se presta a uma leitura
representativa contemporânea, porque, na sua essência, também o é. Quantas
semelhanças podemos notar entre a corte dinamarquesa do século XVI e os bastidores dos palácios presidenciais de hoje,
inclusive no Brasil, onde vigora um sistema político corrupto, onde há espaço
para mortes suspeitas, de pessoas importantes no sistema governamental, possíveis
assassinatos, traição, manipulação, luta desenfreada e inescrupulosa pelo
poder?
Por
muitas vezes, ao longo do tempo, “HAMLET” foi, continua sendo e ainda será
encenada com tons políticos da época. Embora escrita, ao que se presume, entre 1599 e
1601, ainda é muito atual. A
peça traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida — do
sofrimento opressivo à raiva fervorosa — e explora temas como a traição,
a vingança, o
incesto, a corrupção e a moralidade.
Um prato cheio, principalmente, para os estudos e teorias de psicólogos e
psicanalistas de plantão. Não é, porém,
esse o viés que escolhi para analisar a montagem em tela.
Trata-se da peça mais longa de SHAKESPEARE.
O texto integral contém 4.042 linhas, num total de 29.551 palavras, tudo distribuído cinco atos, incluindo uma cena de total
metalinguagem, “o TEATRO dentro do TEATRO”. Possivelmente, tenha sido seu texto mais trabalhoso. Esses dados
valorizam a boa tradução, de MAURÍCIO ARRUDA MENDONÇA,
parceiro habitual de PAULO DE MORAES,
em muitas dramaturgias montadas pela COMPANHIA, e
pela ótima adaptação, em cerca de 130 minutos, com intervalo,
sem a perda do conteúdo.
Creio
ser oportuno afirmar que o bardo inglês, com sua obra, principalmente as
tragédias, exerceu considerável influência sobre grandes nomes da literatura
universal, que surgiram muito depois, como Göethe, Charles Dickens e James Joyce, sem falar
no nosso grande mestre Machado de Assis.
Já tendo dissertado sobre o texto, resta-me falar dos demais
elementos da montagem, iniciando pela ótima e arrojada direção, de PAULO DE MORAES,
que consegue, dentro de uma atemporalidade proposital, levar o espectador a
perceber todo o drama existencial do protagonista e a identificar as estocadas
no que deve ser criticado na atualidade. PAULO
não perdeu a mão, ao conservar os ingredientes da trama original, entretanto,
fazendo uso de elementos hodiernos, como um HAMLET jogando golfe, por exemplo, uma ideia genial, estendida a
outras, que abarcam a cenografia e o
figurino.
Quanto à cenografia, mais uma vez, vemos uma das marcas registradas da ARMAZÉM, que não poupa ousadia e
tecnicidade na construção cenográfica. Um enorme painel, uma parede, aparentemente
de vidro opaco, translúcido, quando necessário, com intervenção da excelente iluminação com duas portas, é, algumas
vezes, içado, por um dispositivo controlado pelos próprios atores, deixando à
mostra o fundo do palco, ampliando o espaço cênico. Além disso, duas sequências
de poltronas grudadas, como as de um teatro, uma mesa e mais poucos outros objetos,
circulam em cena.
É bastante interessante o figurino, assinado a quatro mãos, por CAROL LOBATO e JOÃO MARCELINO, por vezes muito elegante; em outras, um pouco mais
despojado, sem a preocupação de marcar uma época.
Funciona muitíssimo bem a iluminação, de MANECO QUINDERÉ, estabelecendo, distintamente, as cenas,
principalmente guardando, para os momentos de maior mistério e suspense, ao
tons e intensidade ideais de luz.
Para instigar o público, RICCO VIANA preparou uma competente e
muito bem ajustada trilha sonora
original, como tão bem vem atuando em outras produções da COMPANHIA.
O elenco se mostra perfeitamente engajado na proposta, todos com
excelente atuação, inclusive nas participações mais coadjuvantes.
O protagonismo de PATRÍCIA SELONK deve ser reverenciado,
desde sua primeira aparição. PATRÍCIA
consegue, a meu juízo, atribuir ao personagem características que o valorizam,
com destaque para algo próximo ao cinismo do vingador, sem falar do seu jeito
próprio de representar o personagem, da forma mais ambígua possível, com relação
à sua real ou verdadeira loucura. Impecável
atuação!
Quer
em personagens fixos, quer em alternantes, todos
os demais, do elenco, executam excelentes trabalhos, entretanto gostaria de
chamar a atenção para LISA EIRAS,
principalmente nos momentos de loucura de sua personagem. Admirável trabalho!
FICHA TÉCNICA:
Da obra de William Shakespeare.
Montagem da Armazém Companhia de Teatro.
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Direção: Paulo de Moraes
Versão Dramatúrgica: Maurício Arruda
Mendonça
Elenco: Patrícia Selonk (Hamlet), Ricardo Martins (Claudius), Marcos Martins (Polonius), Lisa
Eiras (Ofélia), Jopa Moraes
(Laertes / Guildenstern / Ator da Trupe), Isabel Pacheco (Gertrudes) e Luiz Felipe Leprevost (Horacius / Rosencrantz / Loba)
Participação em Vídeo: Adriano Garib
(Espectro)
Cenografia: Carla Berri e Paulo de
Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Carol Lobato e João
Marcelino
Trilha Sonora Original: Ricco Viana
Preparação Corporal: Patrícia Selonk
Coreografias: Toni Rodrigues
Preparador de Esgrima: Rodrigo Fontes
Fotografias e Vídeos: João Gabriel
Monteiro
Programação Visual: João Gabriel
Monteiro e Jopa Moraes
Canções de Horacius: Luiz Felipe
Leprevost
Colaboração na Dramaturgia: Jopa Moraes
e Paulo de Moraes
Técnico de Palco: Regivaldo Moraes
Assistente de Produção: William Souza
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Produção Executiva: Flávia Menezes
Produção: Armazém Companhia de Teatro
SERVIÇO:
Temporada: de 16 de junho a 6 de agosto.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil
(CCBB) Rio de Janeiro – Teatro I.
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66,
Centro, Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3808-2020.
Dias e Horários: De 4ª feira a domingo,
às 19h. (Nos dias 24 e 31 de julho, haverá sessões extras, às 19h.).
Valor
do Ingresso: R$20,00 (Inteira); R$10,00 (Meia entrada, para estudantes,
idosos, menores de 21 anos, pessoas com deficiência, professores e
profissionais da rede pública municipal de ensino).
Capacidade de Público: 172 lugares.
Classificação Etária: 16 anos
Duração: 130 minutos
Gênero: Drama
Aqueles mais conservadores, não
abertos a novas concepções e linguagens teatrais, poderão fazer restrições a
esta montagem. E eu as respeito. Não faço parte, porém, desse clube e confesso
que, ainda que já fosse ao CCBB, com
a certeza de que assistiria a um grande espetáculo, o que vi superou bastante a
minha expectativa, o que basta para que eu recomende, com empenho, o espetáculo.
“O RESTO É SILÊNCIO.”
(FOTOS: JOÃO GABRIEL MONTEIRO)
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