sexta-feira, 23 de junho de 2017


ESTUDO SOBRE A MALDADE

(ELA NÃO COMEÇOU COM

IAGO,
MAS ELE É A BASE DE TUDO.

ou

COMO É BOM
SER SURPREENDIDO
POR UM GRANDE
ESPETÁCULO TEATRAL!)

 

 

           

Como são gostosas e gratificantes as boas surpresas que o TEATRO nos proporciona!
Comecei, na última 2ª feira (19/06/2017), a minha maratona semanal, como amante do TEATRO – e, nesta semana, serão nove peças -, com o pé direito.
Havia recebido, recentemente, um simpático convite, via “e-mail”, de uma pessoa que eu não conhecia e de quem, até então, não havia ouvido falar, para assistir a uma peça: “ESTUDO SOBRE A MALDADE”, em cartaz na Galeria do Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, de sábado a 2ª feira, sempre às 19h (VER SERVIÇO.)
Diariamente, chegam, à minha caixa de mensagens, alguns desses convites.
A pessoa em questão se chama BRUCE DE ARAÚJO, que, além de ser o criador do projeto, escreveu o texto, que ele mesmo dirige e interpreta.
Pensei: quem será esse super craque, que cobra o escanteio e corre, para marcar o gol? Só faltava, também, ser o técnico e o massagista do time.
Confesso que fui meio cético ao Sérgio Porto. Não tenho vergonha de dizer. Isso implicava um deslocamento, de carro, de mais de 30 quilômetros, do Recreio dos Bandeirantes até o Humaitá, enfrentando engarrafamentos e outras armadilhas do trânsito carioca. E se fosse decepcionante?! Como é precioso, para mim, o meu tempo!
Só que, para estar num Teatro, para ver TEATRO, não há limites de distância nem obstáculos para mim.
Como jurado de um Prêmio de TEATRO, o Prêmio Botequim Cultural, e crítico teatral, procuro aceitar o número máximo de convites, sem me importar com celebridades envolvidas nos projetos, e fico muito curioso, quando pouco, ou nada, sei sobre o espetáculo a que vou assistir.
Também confesso que o “release” que o próprio BRUCE me encaminhara continha uma sinopse que me chamou muito a atenção.
O espetáculo entrara em cartaz havia apenas dois dias. Tinha cumprido, portanto, só duas sessões, até a data que agendei para conferir o trabalho desse corajoso ator.
Pois bem!!!
Fiquei profundamente impressionado com o que vi, pela qualidade do texto, da direção e da interpretação.
É tão bom, quando um espetáculo supera, em muito, as nossas expectativas!!!
É certo, também, que um detalhe me estimulava a ir e parecia me dizer que eu não me decepcionaria: era o nome de MIWA YANAGIZAWA estar ligado ao projeto, em três áreas, junto com BRUCE: criação, texto e direção.
Uma grande profissional, que tem um nome a zelar, como MIWA, não iria assinar algo que não fosse, no mínimo, bom.


 
 
 

 
SINOPSE :
 
“ESTUDO SOBRE A MALDADE” é uma criação de BRUCE DE ARAÚJO e MIWA YANAGIZAWA, a partir da pesquisa sobre o personagem Iago, da obra “Othello – o Mouro de Veneza”, de William Shakespeare.
 
Mais do que dar voz ao vilão shakespeariano, um ator, em cena, investiga o cotidiano da maldade nas relações humanas.
 

 


            A peça traça um paralelo entre o Iago, de Shakespeare, e a maldade contemporânea, que parece, infelizmente, só fazer aumentar. Iago foi mau; a humanidade contemporânea parece ser perversa.
Extraído do “release” da peça, com pequenas supressões e adaptações: “Um dos mais complexos personagens de William Shakespeare, Iago, vilão da peça “Othello”, é o disparador de reflexões de “ESTUDO SOBRE A MALDADE”. (...)  
O trabalho parte do desejo de se falar da sociedade contemporânea, cada vez mais afundada em guerras, preconceitos e exacerbação do discurso de ódio. O olhar parte da história de Iago, um homem vingativo, que, por não ser promovido por seu chefe, o mouro Othello, arma um jogo, maquiavélico e sem escrúpulos, de vingança.
O fascínio humano pelo mal e o modo como o mundo continua caminhando para a violência, nessa obsessão por destruir, são a força motriz que dão base à releitura da personagem – que, para o pesquisador Harold Bloom, dentre todos os vilões da literatura, ‘tem a honra nefasta de ocupar uma posição inatingível’. 
A encenação cria uma costura entre a obra shakespeariana e o cotidiano, frio e violento, mundial. Inspirados nas ideias de Antonin Artaud sobre o Teatro da Crueldade, BRUCE e MIWA erguem a dramaturgia, centrada em temas, fatos ou obras que dialogam entre si.”
BRUCE DE ARAÚJO chama a atenção para um detalhe importante, na peça: “A ideia é usar a figura de Iago, para se questionar sobre a maldade. Não como um julgamento ou lições de moral, mas como uma reflexão nossa, e conosco, sobre quem somos e o que projetamos. É uma peça que não dá resposta, mas abre um vasto caminho de perguntas.”
O monólogo merece mais ser chamado de uma “performance” mesmo. O termo parece conferir mais valor ao trabalho; é mais amplo, semanticamente falando, para um espetáculo em que a interpretação supera o texto, que, por si, já é bom, já que este se apropria de trechos de um clássico do TEATRO universal, de um dos maiores dramaturgos que a Humanidade conheceu, e o intercala com citações de fatos atuais, que nos horrorizam à farta. Fala das tragédias humanas, dos extermínios, da falta de solidariedade humana, da exploração do homem sobre o Homem (A inicial maiúscula apenas no segundo “Homem” é proposital.), dos conflitos urbanos e rurais, dos conluios pelo poder, da intolerância, do ódio ao outro, da violência nossa de cada dia...
Fala de tudo o que estamos acostumados a encontrar nas mídias, todos os dias, em doses cavalares. E uma das reflexões que o texto mos provoca, e nos incomoda bastante, é a de que não nos damos conta de que pouco, ou nada, fazemos para mudar esse panorama. Seria por medo, covardia, acomodação?
Saí do Teatro muito mexido e não parava de pensar, enquanto dirigia, de volta a casa, nas duas primeiras pequenas frases da maravilhosa crônica de Marina Colasanti “Eu Sei, Mas Não Devia”; aliás, na crônica inteira, cuja leitura sugiro a quem não a conhece: “Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia”.
A direção também é muito boa e parece deixar o ator meio livre em cena, em termos de marcações, tirante as extremamente necessárias, como no início da peça, quando BRUCE se senta numa cadeira, a cerca de um metro de distância da primeira fila de espectadores, e conta, durante muito tempo, a história de Iago, faz um resumo da peça “Othello”. Com alguns minutos, cheguei a pensar que o espetáculo seria “só aquilo”, o que, certamente, o tornaria monótono. Ledo engano! Até com contador de histórias, o ator é ótimo.
Ele vai narrando a trajetória de Iago e nós vamos construindo um filme em nossas cabeças. Depois, ele passa a ocupar todo o espaço cênico, praticamente vazio, pois, além da já citada cadeira, o único elemento que completa o cenário é um boneco utilizado em treinos de lutas (recuso-me a utilizar o termos “artes”) marciais, principalmente no box.
O espetáculo pode ser considerado “alternativo”, porque foge aos horários tradicionais e por outros motivos, entretanto é muito bom que não se entenda o “alternativo” como algo menor, o que, geralmente se dá. Muito pelo contrário! Alguns detalhes técnicos rompem com o tradicional e acabam sendo uma atração a mais, como a ótima iluminação (ou quase falta de), assinada por BERNARDO LORGA, de pouca intensidade e não preocupada em jogar foco no ator. São excelentes as sombras e a falta de iluminação, em determinadas cenas, algo inusitado, em TEATRO, e que dá muito certo, nesta montagem.
Há, também, uma boa trilha sonora, a seis mãos: ZÉ AZUL, JOYCE SANTIAGO e BRUCE DE ARAÚJO (Olha o BRUCE, jogando em outra posição! Que time de sorte ter esse craque na equipe!!!).
O figurino é o que menos importa nesta montagem: uma calça, uma camiseta e nem prestei atenção se o ator utiliza algum calçado.
Agora, chegou a hora de analisar o trabalho do ator. Excelente! Natural, espontâneo, verdadeiro, não tivesse ele aprendido com MIWA, numa de suas oficinas. Apesar da pouca idade, portanto incipiente no ofício, já se mostra, em cena, como um velho profissional, um veterano, com personalidade e ótima presença de palco. A mim, convenceu bastante. Uma grata surpresa!



 

 
 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Criação, Direção e Texto: Bruce de Araújo e Miwa Yanagizawa
Diretor Assistente : Pedro Yudi

Ator: Bruce de Araújo

Figurino e Cenário: Miwa Yanagizawa, Bruce de Araújo e Pedro Yudi
Iluminação: Bernardo Lorga
Direção de Movimento: Laura Samy
Trilha Sonora: Zé Azul, Joyce Santiago e Bruce de Araújo
Fotos: Diogo Monteiro
Projeto Gráfico: Diogo Monteiro
Produção: Felipe Pedrini


 

 

 

 
SERVIÇO:

Temporada: De 17 de junho até 10 de julho de 2017.
Local: Galeria do Centro Cultural Municipal Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá – Rio de Janeiro (Entrada pela Rua Visconde Silva).
Telefone: (21) 2535-3846.
Dias e Horários: Sábados, domingos e 2ªs feiras, às 19 horas.
Lotação: 20 lugares.
Duração do Espetáculo: 70 minutos.
Indicação Etária: 16 anos
 

 
Bruce de Araújo e Miwa Yanagizawa.
 


“ESTUDO SOBRE A MALDADE” é a primeira peça escrita por BRUCE DE ARAÚJO. Espero que seja a primeira de muitas.
Este espetáculo é extremamente simples, do ponto de vista de investimentos na produção, mas de uma incomensurável riqueza de conteúdo e de forma, dentro da simplicidade.
O ESPETÁCULO É ÓTIMO, o que me faz recomendá-lo, com o maior empenho, lembrando que a temporada é curta e que o espaço só acomoda 20 pessoas por sessão.
Por favor, os amigos que confiam no, que julgo ser, meu bom gosto e nos meus critérios de avaliação não devem perder este espetáculo.
Fica a dica!!!

  

(FOTOS: DIOGO MONTEIRO.)
 
 
 

 

 

 

 

 
 
 

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