MORTE
ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA
(E
VIVA A ANARQUIA!!!
E
VIVA DARIO FO!!!
E
VIVA A COMÉDIA!!!
E
VIVA O TEATRO BRASILEIRO!!!
ou
TRANSGRESSOR
E HILÁRIO!!!)
Gosto de
espetáculos que provocam sentimentos de amor e ódio, ou melhor, de total
aceitação ou negação ao extremo. É o caso de “MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA”, uma das obras-primas de DARIO FO,
na montagem atual, em cartaz no Teatro
dos Quatro, no Rio de Janeiro.
Faço parte do grupo dos que adoraram o
espetáculo e acho que não é para se falar muito dele, e sim para se ir,
correndo, ao Shopping da Gávea, para
assistir a essa deliciosa comédia e
tirar suas conclusões. De uma coisa tenho certeza: você não sairá de lá “em
cima do muro”.
Respeito
toda e qualquer opinião e gostaria de que também respeitassem a minha e, em
caso de discordância, que se apresentem justificativas. Saberei ouvi-las ou
lê-las e analisá-las, mas acho muito difícil que me convençam das suas.
Antes
de entrar, propriamente, na análise da peça, creio ser importante falar um
pouco de seu autor e sobre ela.
DARIO FO, infelizmente falecido, em Milão, em outubro do ano passado (2016), aos 90 anos, é um dos mais representativos nomes da dramaturgia italiana, quiçá universal.
Além de dramaturgo, foi escritor e um excelente ator comediante, tendo feito muitos dos
papéis que escreveu, inclusive o protagonista
de “...ANARQUISTA”.
O gosto pelo TEATRO e o interesse pela política e
pelas críticas sociais já nasceram com ele, filho que era de um socialista,
ator amador.
Também formado
em arquitetura, entre 1945 e 1951, dedicou-se a projetos de palcos e decoração
teatral - cenografia. Nessa época, começou a improvisar monólogos, contos como
aqueles que ele ouvia nas tavernas, no entorno do lago à beira do qual passou
sua infância.
Foi um “devorador”
das obras de Gramsci e Marx, além dos novelistas norte-americanos e as
primeiras traduções de Brecht, de Mayakovsky e de Lorca. Como se pode notar, não foi má, portanto, a formação
cultural e política do rapaz.
Por algum tempo,
trabalhou como o arquiteto assistente, mas decidiu, logo, abandonar seus
trabalho e estudos, repugnado e revoltado pela corrupção existente no setor das edificações. (Alguma relação com os dias de hoje, no Brasil?).
DARIO foi o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, em 1997, e casado, por quase seis décadas,
com a atriz italiana, grande companheira de palco, Franca Rame, morta três anos antes dele. Franca foi sua grande parceira,
em casa e no palco, parceria intelectual consagrada, essencialmente, no teatro
político e satírico, no qual narravam problemas da sociedade de seu tempo. Ela
o acompanhou, no único papel feminino de “...ANARQUISTA”.
FO
escreveu mais de 100 peças teatrais,
que ele mesmo interpretava, além de vários livros.
Em 1969,
lançou uma de suas obras teatrais mais aplaudidas e influentes, "Mistero Buffo", que o tornou
internacionalmente conhecido, na qual aborda algumas passagens bíblicas, no
estilo de trovadores medievais, da forma mais anárquica e crítica possível.
Muito recentemente, em 2013, tivemos
a oportunidade de aplaudir uma excelente montagem brasileira, liderada pelo
saudoso e grande ator Domingos Montagner.
"MORTE
ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA",
escrita em 1970, é baseada num fato
real. Narra a “estranha” morte do partisano (uma espécie de rebelde a um
sistema de governo autoritário, um “anarquista”, um “subversivo”) Giuseppe Pinelli, que, em, 1969, se
jogou (ou foi jogado) de uma janela da Chefia
de Polícia de Milão, onde estava detido, acusado de atirar bombas. A ironia
já está presente, antes de a peça começar, no título, quando emprega o adjetivo
“acidental”.
Em 1990, estreou "Il papa
e la strega", obra que representa um pontífice autor de uma encíclica
inverossímil, na qual defendia a liberação da droga, o controle da natalidade e o retorno da Igreja à pobreza. Já pensaram em algo mais transgressor? Conseguem?
Nos anos dos governos de Silvio Berlusconi, seus espetáculos e monólogos estavam dirigidos a
ridicularizar o mandatário, com seu habitual sarcasmo.
“DARIO FO não se encaixa no estereótipo do escritor que fica dias
debruçado sobre uma escrivaninha, na máquina de escrever ou no computador, para
produzir uma trama. Ator, mímico e palhaço, ele faz esboços das tramas em pinturas
e depois apresenta suas ideias no palco, antes de as colocar no papel. FO
improvisa, perante a plateia, numa mistura de dialetos italianos, onomatopeias
e palavras inventadas. Assim, nascem suas comédias, traduzidas em mais de 30
idiomas.”. (Extraído do programa da peça.)
O alvo mais polêmico das sátiras de FO é a burocracia e a hipocrisia da Igreja Católica, motivo pelo qual sempre viveu em “guerra’ contra o
Vaticano. Numa de suas últimas
entrevistas, declara-se “ainda ateu”,
mas “convertido ao Papa Francisco”.
"A minha perspectiva é a dos homens do Renascimento, capazes de
olhar o todo.", dizia FO.
Quando recebeu
o Prêmio Nobel de Literatura, muitos
órgãos da imprensa se posicionaram, quanto a ele, como "um provocador profissional", uma definição perfeita para
DARIO FO.
Não restam
dúvidas de que sua obra mais conhecida e aplaudida, no mundo inteiro, é “MORTE ACIDENTAL DE UM ANARQUISTA”, que
sempre faz um estrondoso sucesso, onde
quer que seja encenada, e da forma como for.
SINOPSE:
Um louco, cuja doença é
interpretar pessoas reais, é detido, por falsa identidade. Na delegacia, passa-se por um falso juiz, na
investigação do misterioso caso de um anarquista que “se suicidou”, jogando-se
pela janela daquele prédio.
A polícia afirma que ele
teria se jogado pela janela do quarto andar.
A imprensa e a população
acreditam que foi jogado.
O que teria acontecido
realmente?
O louco vai enganando um a
um, assume várias identidades e, brincando com o que é ou não é real, desmonta
o poder e acaba descobrindo a verdade de todos nós.
O personagem do LOUCO (DAN STULBACH) vê representar um
juiz como ponto alto de sua "carreira", pois já se passou por médico
cirurgião, psiquiatra, bispo e engenheiro naval, entre outros.
Na delegacia, preso pelo COMISSÁRIO (MARCELO CASTRO), encontra
os responsáveis pela investigação, o DELEGADO
(HENRIQUE STROETER) e o SECRETÁRIO
DE SEGURANÇA (RIBA CARLOVICH).
Depois, a imprensa
aparece, na figura da JORNALISTA (MAIRA
CHASSERAUX). Todos, menos o LOUCO,
inspirados em personagens reais.
A
peça acusa, abertamente, a polícia de atirar o anarquista Giuseppe Pinelli do quarto andar de uma delegacia de polícia, e,
depois, alegar que se tratou de um suicídio. Não estamos acostumados,
infelizmente, a esse tipo de absurdos, aqui chamados de “autos de resistência”? Polícia pode ser um poder corrupto e
hipócrita em quase qualquer parte do mundo.
Depois de
quatro temporadas de sucesso, em São Paulo, e turnê por mais de 15 cidades,
finalmente, o espetáculo chegou ao Rio de Janeiro, para a sorte e alegria dos
cariocas.
Extraído do “release”, enviado pela assessoria de imprensa (JULIE DUARTE –
BARATA COMUNICAÇÃO), “Sua (DARIO FO) engenhosidade, sua
capacidade de escrever diálogos cortantes, de criar tipos diversos, dentro de
uma mesma peça, representados por um mesmo ator, aliado a um profundo senso
cômico, dão dimensão universal ao texto. É sua peça mais conhecida, montada no
mundo inteiro. Recentemente em Londres, foi encenada, com referências ao caso
Jean Charles”.
O texto é atualíssimo, como bem afirma o
genial diretor do espetáculo, HUGO COELHO, também responsável pela dramaturgia, ou seja, a adaptação do texto, traduzido por ROBERTA BARNI: “É impressionante como ‘MORTE ACIDENTAL’ ainda é atual, 45
anos depois de escrita. É como se ele estivesse falando dos dias hoje, principalmente
no Brasil. Em chave de farsa, DARIO FO, nos brinda com um texto brilhante. O
que fizemos foi tirar as referências que só faziam sentido para os italianos e
a realidade em que viviam nos anos 70. A fábula, a história na nossa montagem,
está intacta. O próprio FO, a cada remontagem da peça, fazia modificações.”.
Como é dito,
no já referido “release”, “(a
peça) diverte e esclarece, aprofunda e critica a vida e a nossa sociedade”.
As críticas negativas que ouvi, no dia
seguinte ao da estreia, para convidados, na qual estive presente, por parte de
pessoas que lá também estavam – aplaudindo a peça, de pé (hipocrisia pura e corporativa) – voltavam-se para o fato de a direção ter “descaracterizado” a obra, “interferindo
no texto”, “não respeitando o autor”,
o que considero uma justificativa muito rasa, desprovida de consistência. HUGO o fez? Sim. Que ótimo!!!
Muito pelo
contrário, louvo a intenção do diretor
e aceito-a completamente. E garanto que, se vivo fosse, DARIO FO também aplaudiria a montagem, e de pé, com propriedade, como eu fiz,
além dos gritos de “BRAVO!”, que lancei,
da forma mais sincera possível.
Saí do Teatro leve, livre e solto, com vontade
de “beijar o português da padaria”,
como diz a letra de Zeca Baleiro.
É, exatamente, na anarquia, na subversão e
na desconstrução do que já era anárquico que consiste o grande mérito desta
montagem. Conheço o texto, na
íntegra, tendo-o lido e analisado, durante as aulas de Literatura Dramática Italiana, na Faculdade de Letras, da UFRJ,
um ano depois de ele ter sido escrito, embora, infelizmente, nunca tenha
assistido a uma sua montagem, e posso afirmar que a adaptação para uma
realidade tupiniquim ficou excelente, tanto pela tradução, de ROBERTA BARNI,
como pela dramaturgia, de HUGO COELHO.
Achei genial a
ideia de tornar a peça interativa,
de dar oportunidade ao público de expor pensamentos e ideias, de ter vez e voz.
Esse foi um dos aspectos mais focados pelas pessoas que não comungam com a
minha opinião, o que me faz crer que conseguiram entender a peça (a história), porém não chegaram perto de entender as verdadeiras
intenções do diretor.
Fiz, como de
hábito, muitas anotações, durante o espetáculo, para escrever sobre as minúcias,
entretanto não estou me valendo delas para estes escritos, uma vez que tudo o
que vi, em cena, passa, neste momento, pela minha cabeça, como um filme.
Lembro-me de todos os detalhes, que são muitos, e digo que, absolutamente, nada está fora do lugar.
Dos que formam o elenco, todos atuando em São Paulo, só conhecia, no palco, salvo
a memória me traia, o trabalho de DAN
STULBACH, um dos melhores atores brasileiros, com um “timimg” para a comédia invejável. DAN é um cômico nato, o que implica dizer que se trata de um ator
de rara inteligência e de uma memória incrível. Penso que nem precisaria trocar
o figurino e nós conseguiríamos
enxergar os vários personagens que desempenha, pois, para cada um deles, o ator encontrou uma voz diferente e uma
postura corporal e gestual própria. E
como improvisa bem! Que carisma e
comunicação com uma plateia, que, nitidamente, não estava vendo, à sua
frente, um ator televisivo, uma celebridade da telinha; era uma grande interação entre plateia e um ator, um
magnífico ator!
Os demais do elenco são todos excelentes,
sem destaques, pois, se o fizesse, incorreria em injustiça. Uma trupe de uma
homogeneidade total, que parece, antes de tudo, se divertir muito com as coisas
sérias que dizem em cena. Aplaudo a
todos, de pé!!!
A propósito,
banalizaram o aplauso de pé; eu
continuo fiel aos meus princípios: só o faço quando há merecimento. Neste “...ANARQUISTA”, TODOS O MERECEM.
Um destaque
especial vai para o músico RODRIGO
GERIBELLO, que, além de tocar teclado, ainda nos diverte, à farta, com a
sonoplastia que consegue com a produção de emissões de diferentes sons,
incluindo os três sinais que antecedem o início do espetáculo. Hilário!!! Um artista versátil, de grande
qualidade!
Vão, aqui,
alguns comentários acerca dos elementos
técnicos desta montagem.
O cenário, assinado por MARCO LIMA, é excelente e muito
prático, para viajar com o espetáculo. Reproduz, com bastante fidelidade, o
local onde se deu o “acidente”.
FAUSE HATEN é o responsável pelos
ótimos figurinos, destacando-se, a
cada dia, neste ofício, além do grande estilista que é.
O responsável
pela iluminação da peça, cujo nome, infelizmente,
por um lapso, acredito, não aparece na ficha
técnica, é o diretor, HUGO COELHO, a quem presto minha
homenagem pelo bom trabalho apresentado.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Dario Fo
Tradução: Roberta Barni
Dramaturgia e Direção: Hugo Coelho
Elenco: Dan
Stulbach, Henrique Stroeter, Riba Carlovich, Maíra Chasseraux, Marcelo Castro e
Rodrigo Geribello
Música ao vivo: Rodrigo Geribello
Cenário: Marco Lima
Figurino: Fause Haten
Iluminação: Hugo Coelho
Fotos: João Caldas Fº
Assessoria de Imprensa no Rio de Janeiro: Barata Comunicação
Assessoria de Imprensa em São Paulo: Daniela Bustos e Beth Gallo -
Morente Forte
Projeto Gráfico: Vicka Suarez
Produção Executiva: Katia Placiano
Realização: Quadrilha da Arte
Produtores Associados: Selma Morente, Célia Forte e Dan Stulbach
SERVIÇO:
Local: Teatro dos Quatro.
Capacidade: 402 lugares.
Temporada 2017: de 03 de Março a 02 de Abril.
Endereço: Shopping da Gávea - Rua Marquês de São Vicente, 52 (2º piso) –
Gávea – Rio de Janeiro.
Informações: (21)
2239-1095 / 2274-9498.
Vendas: www.ingresso.com
Dias e Horários: 6ª
feira = 21h; sábado, às 19h30min e às 22h; domingo, às 20h.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 2ª feira a sábado, das 13h
às 21h; domingo, das 13h às 20h ou até o início do espetáculo. (Aceita somente dinheiro. Pagamentos com
cartões somente pelas vendas online.)
Valor dos Ingressos: 6ª feira =
R$70,00; sábado e domingo = R$80,00 (Meia entrada para quem fizer jus ao
benefício.).
Duração: 80 minutos.
Classificação Indicativa: 12 anos.
Nada mais
irritante do que o falso humor, do que texto
e/ou pessoas que se julgam engraçadas, e não o são. O nome disso não é comédia; é “tragédia”. Provoca "vergonha do alheio". O humor tem de ser espontâneo, “limpo”, não
fabricado.
As pessoas são
engraçadas porque nasceram com esse dom. Sim, fazer rir, com inteligência,
apelando para o humor fino, a crítica, a ironia, o sarcasmo é para alguns
predestinados a isso. O elenco do
espetáculo e DARIO FO estão
afinados no mesmo diapasão, motivo pelo qual considero "MORTE ACIDENTAL DE UM ANATRQUISTA" uma das melhores
comédias a que já assisti e a recomendo, com o maior empenho, esperando a
oportunidade de poder voltar a assistir ao espetáculo.
O que é bom não cansa nem envelhece e, se receber uma roupagem nova, fica melhor ainda!!!
(FOTOS: JOÃO CALDAS Fº.)
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