CÉUS
(OH! CÉUS!!!
ou
ENTRE O INFERNO E...
...O INFERNO).
Para
começar, acho recomendável lembrar que “o
Ministério da Saúde alerta para o fato de que este espetáculo pode causar
dependência”. DE TODOS OS TIPOS.
Já assisti à peça duas vezes, no intervalo de uma semana, e ainda vou voltar,
outras mais, ao Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, onde o espetáculo está
em cartaz (VER SERVIÇO.)
Continuando,
outro aviso: Se você é daquelas pessoas que têm o hábito de ir ao TEATRO, por lazer, principalmente, ou por
qualquer outro motivo, sempre planejando uma pizza e uns chopes com seu(sua)
companheiro(a) e/ou amigos, após a sessão, não vá assistir a este espetáculo,
pensando nisso. Faça uma coisa em cada dia, porque os dois não combinam. Dificilmente,
a pizza e o chope vão descer e cair bem no seu estômago. Este há de
rejeitá-los. Não é um texto, uma peça,
de fácil e rápida “digestão”.
Dando
sequência às “recomendações”, já que o espetáculo é escrito pelo genial dramaturgo WAJDI MOUAWAD, que,
também, nos encantou com o magnífico e inesquecível “Incêndios”, esqueça a infeliz e desnecessária ideia de estabelecer
comparações, no nível do “Gostei mais
deste que daquele”, não importam as “justificativas”. É perda de tempo. Uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa; mas ambas as coisas são “de
arrepiar”, cada uma por seus elementos próprios e genuínos.
Não
vou fazer, obviamente, comparações entre os dois espetáculos mencionados, porém,
de certa forma, vez por outra, poderei traçar um ligeiro paralelo entre aspectos
contidos, e observados, nas duas peças, já que ambas fazem parte de um conjunto
de obras, uma tetralogia. Quem
desejar conhecer o que escrevi sobre “Incêndios”
(21 de setembro de 2013), farte-se
com este “link”, lendo-o, com o
máximo de sua atenção:
Digo-lhes,
porém, que aquele “soco na boca do
estômago”, que todos os espectadores recebiam, nos cinco últimos minutos de
“Incêndios”, por conta de uma
bombástica revelação, senti-o, agora, potencializado,
também ao final do espetáculo, nas duas vezes em que já tive o imenso prazer e o
privilégio de assistir a “CÉUS”. E
acrescento que muitas pessoas, muitas mesmo, com as quais conversei comungam da
mesma opinião.
Mais
uma vez, independentemente dos incontestes laços afetivos que nos unem, rendo-me
à coragem e ao bom gosto de FELIPE DE
CAROLIS, idealizador e um dos produtores do projeto, pela coragem de montar outro espetacular texto do dramaturgo líbano-franco-canadense WAJDI
MOUAWAD, reconhecidamente um dos maiores da atualidade, no mundo.
“CÉUS”, escrita em 2009, é o último texto
de uma tetralogia do autor, à qual
ele chamou de “Sangue das Promessas”,
de que fazem parte, ainda, além de “Incêndios”
e “CÉUS”, “Litoral”, datada de 1999,
e “Florestas”, de 2006, ainda desconhecidas do público
brasileiro, porém temos grandes esperanças de que também venham a ser encenadas,
no Brasil, sob a intercessão de FELIPE ou de outro qualquer produtor,
corajoso como ele.
“CÉUS” não é para os fracos.
Apesar de ser
um texto muito denso, hermético,
pontilhado por palavras e expressões de difícil compreensão, para um leigo em
assuntos tecnológicos, ligados à informática e à espionagem, é bastante curioso
perceber que é um daqueles textos em
que é possível, a qualquer espectador de cultura média, entender o “plot”. Qualquer pessoa, atenta e de
inteligência normal, consegue compreender a história, o enredo, quem são os
personagens e o seu objetivo, a sua missão, o que estão fazendo naquele lugar,
meio indefinido, geograficamente falando, mas parecendo ser uma espécie de
“fortaleza” inatingível, como um “bunker”,
situado num ponto do território francês (Ou
não?), já que se trata de uma “célula
francófona”. E por que as coisas não saem como esperavam (Não considerem
isto um “spoiler”.).
Mas fica o
espectador comum (acredito que quase 100% da plateia) “no ar”, quando os personagens desfilam uma série de enigmas e
raciocínios físico-matemático-filosófico-existenciais, incapazes de serem decodificados
pelo público, o qual, na verdade, de uma maneira geral, deseja é “entender tudo”, da primeira à última
fala, tudo “bem explicadinho”. Isso
não acontecendo, poderia, até, tornar o texto
um pouco incômodo, desinteressante (ouvi um “meio chato”, da boca de três ou quatro pessoas). Poderia provocar,
no espectador, uma posição um pouco desconfortável, porém nada disso é capaz de
fazê-lo perder o interesse pela história, de fácil compreensão, repito.
SINOPSE:
Isolados em uma espécie de “bunker”,
cinco personagens precisam desvendar um iminente atentado terrorista.
Especialistas no assunto,
cada um experto numa área, também são confrontados com o misterioso
desaparecimento de um membro da equipe, VALÉRY
MASSON.
Que maior desconforto
poderia existir, para cinco pessoas que não se conheciam, antes de designadas
para uma missão, e que, durante todo o tempo em que estão juntas,
compulsoriamente, demonstram descontentamento com o projeto a que foram
integradas e divergências na sua execução, além de viverem uma imensa ansiedade
pelo retorno às suas casas, às vésperas das festas de fim de ano, todos com
seus planos de férias, que acabam indo por água abaixo?
Atravessado por temas de
extrema atualidade, o texto caminha para uma profunda discussão
sobre o Terror e o mundo
contemporâneo.
O autor propõe um gigantesco “puzzle”
de milhares de micro peças, um quebra-cabeças,
a ser montado, com o objetivo de se chegar a uma elucidação; ou duas; saber
quem está por trás de um (ou mais) iminente atentado terrorista de grande porte,
para evitá-lo(s), e tentar entender as causas da morte inesperada, por suicídio
(Ou não?) de um membro da “célula”, VALÉRY MASSON (ADERBAL FREIRE-FILHO), que só aparece, de forma
brilhante, como ator, em vídeos.
Ainda
que escrita há sete anos, a peça é de uma contemporaneidade total, pois trata
de um tema que, infelizmente, faz parte, diariamente, dos noticiários, no mundo
inteiro, o terrorismo, e mostra o
quanto todos nós, em qualquer rincão dos mais distantes, no planeta Terra, somos frágeis, impotentes e estamos
à mercê de pessoas que, por qualquer que seja o motivo ou convicção, resolvem
destruir, destruir, destruir... Não conseguem conjugar outro verbo.
O
texto nos mostra que o perigo de um atentado terrorista, com suas trágicas
consequências e com os quais, infelizmente, temos nos acostumado a conviver
intensamente, nos últimos anos, está ali, na próxima esquina; ou dentro de uma
sala de aula, enquanto alguém tenta passar ensinamentos a futuros cidadãos; ou
no interior de uma loja de “fast-food”,
enquanto saboreamos as gorduras saturadas de um hambúrguer; ou aqui, ou ali, ou
acolá... Sim, somos vulneráveis e não nos damos conta disso (Ou é mais confortável ignorar?). “CÉUS” incomoda, sim – e muito –,
porque nos revela a fragilidade do ser humano, o quanto nos enganamos, com
relação ao nosso poder de seres “racionais”.
Durante
a realização da recentíssima Olimpíada
Rio-2016, no Rio de Janeiro,
todos ficamos preocupados com a nossa segurança e sabemos quanto foi gasto e
quantos profissionais trabalharam, para evitar, ou melhor, prevenir “o pior”.
Isso num país reconhecidamente pacífico. Mas o perigo não éramos nós; eram
eles. O perigo era para nós. E quem
são eles? Quem?
Bem nos lembra o diretor da peça, ADERBAL
FREIRE-FILHO, que “A questão atual do terrorismo não é mais
vista como um conflito entre Oriente e Ocidente. Na
verdade, a peça caminha para uma discussão mais profunda, que vai muito além
das divisões territoriais, muito além de questões religiosas. ‘CÉUS’ traz uma discussão sobre as revoltas e
a insatisfação da juventude, em um mundo que a castigou sempre. Após receberem
uma civilização construída por interesses que não são seus, os representantes
dessa juventude ainda veem guerras – motivadas por estes interesses – os
destruírem, tanto no exército, que os recruta, como, indiretamente, nas
rupturas de gerações. É uma peça nova, no sentido de ter uma dramaturgia
contemporânea, aberta, que dialoga com a poética ilimitada da cena. Estamos
diante de um texto que reconhece o poder da cena ilimitada.
Um
dos aspectos mais interessantes do texto
é a intenção do autor, ao mostrar
que, embora reunidos, por um só ideal, os cinco “mosqueteiros”, vivem, também,
como humanos que são, seus dramas pessoais, ampliados pela pressão e pelo
confinamento, que podem interferir no cumprimento da missão.
Todos,
evidentemente, se sentem muitos desconfortáveis, pela “clausura” e também pela
consciência do quanto a humanidade, sem exageros, espera deles, depende deles,
entretanto cada um se deixa envolver – e não poderia ser diferente – pelos
problemas, conflitos e situações embaraçosas em que estão, particularmente,
envolvidos; seus problemas familiares, domiciliares...
Cada
um deles representa o que há de mais competente numa determinada habilidade. “Todos, juntos, somos fortes”. Deveria
ser o lema dos membros daquela “célula”
e o que deveriam pôr em prática. Mas, em se tratando de seres humanos...
CHARLIE ELIOT JOHNS (CHARLES FRICKS),
em atuação antológica, vive uma relação, praticamente, virtual com o filho, VICTOR, com o qual mantém algumas
conversas, pelo computador, durante a peça. Como a mãe do menino não é citada,
supõe-se que os pais sejam separados, o que gera uma perceptível sensação de
frustração e de culpa, por parte do pai, pela pouca atenção e presença física
na vida do pré-adolescente.
Dos
atores de sua geração, ele, oriundo da excelente companhia “Atores de Laura”, um de seus fundadores, é um dos mais aplaudidos,
por sua dedicação e técnica aplicadas aos trabalhos que realiza. Tantas vezes
premiado, por sua irretocável interpretação no monólogo “O Filho Eterno”, há cinco anos em cartaz (estreou em junho de 2011, no Oi Futuro Flamengo),
tendo passado por vários palcos e lonas culturais cariocas e rodado o Brasil,
de um extremo ao outro, assistido por milhares de espectadores, nos momentos
finais da peça, a atuação de CHARLES
FRICKS é comovente, causada por seu
desespero, em relação ao destino de VICTOR,
papel representado, em vídeo, com muita graça e naturalidade, pelo jovem ANTÔNIO RABELO (Sem “spoiler”.)
ISAAC BERNAT (BLAISE CENTER), mais uma
vez, prova que é um grande ator, dando vida ao chefe da missão. Ele tenta impor
um equilíbrio emocional, entre os demais companheiros de missão, entretanto não
consegue o seu intento, uma vez que não aplaca nem a instabilidade do seu
interior, revelada pelo conflito gerado em função de uma separação, a caminho,
do rompimento do casamento, que lhe parece ser perturbador, em função da filha
do casal, com quem conversa, ao telefone, porém livra-se daquele “peso”, quando
esta lhe demonstra um alívio pela decisão dos pais.
A
princípio, demonstra certa hostilidade para com o personagem de FELIPE DE CAROLIS, que é integrado ao
grupo, para substituir o falecido VALÉRY,
por indicação do próprio, antes de morrer, por ter sido o seu aluno mais
brilhante na “arte” da descriptografia,
entretanto, aos poucos, vai reconhecendo o talento do rapaz, aliando-se a ele,
depois de um pouco fragilizado, por perder o posto de chefe, e se aproxima de
suas teorias.
FELIPE DE CAROLIS (CLÉMENT SZYMANOWISKI), idealizador do projeto (da peça), é um
dos melhores atores de sua jovem geração, além de grande empreendedor. Tendo sido revelado num musical, “O Despertar da Primavera”, obra-prima de Charles Möeller e Cláudio
Botelho, como o perturbado e enrustido Ernest,
participou de vários outros, sempre com ótimo rendimento, mas surpreendeu muita
gente (não a mim), quando viveu o
personagem Sam, na novela “Verdades Secretas”, que o catapultou
ao estrelato, a partir de quando se tornou conhecido do grande público, isso
depois de ter vivido um dos gêmeos de “INCÊNDIOS,
o jovem Simon. Em ambos os
trabalhos, FELIPE deu mostras de seu
imenso talento para o drama, o que ratifica, agora, em “CÉUS”. Seu personagem seria a única pessoa capaz de decifrar as
mensagens codificadas, criptografadas, deixadas pelo suicida VALÉRY, com o objetivo de descobrir o
que o morto sabia e, propositalmente (Ou
não?), ocultou de todos. CLÉMENT
é muito seguro de suas convicções e competência, para a missão a que fora
enviado, muito ao contrário do personagem vivido por RODRIGO PANDOFO, a ser analisado. Transmite uma grave introversão,
necessária ao seu trabalho, quase ininterrupto, de “decifrar chaves”, aliada a
uma dose de doçura. Durante certo tempo da trama, pesam, sobre ele, suspeitas
de ser um inimigo, infiltrado na “célula”
e, em função disso, enfrenta uma situação hostil, principalmente porque sua
teoria, que está mais para o “fantasioso”, choca-se com a do personagem de PANDOLFO, mais “concreta, de maior
probabilidade”; é a guerra do saber; mais, ainda, do poder. Em função de seu
talento e da importância que o personagem vai adquirindo, no decorrer da trama,
assistimos a um desempenho perfeito e gradativo, qualitativamente, no seu
trabalho, discreto, porém profundo, já que é capaz de persuadir a todos de sua “teoria do Tintoretto”, até mesmo ao
arredio CHEF-CHEF, embora tarde
demais, revelada por VALÉRY, com
base na obra “Anunciação”, de um dos
maiores pintores renascentistas, Jacopo
Robusti Tintoretto.
RODRIGO
PANDOLFO (VINCENT CHEF-CHEF) é uma das maiores preciosidades e unanimidades
do TEATRO BRASILEIRO dos últimos
tempos, a ponto de, logo no início da carreira, ter sido indicado a um prêmio
de TEATRO, ao lado de Sérgio Brito e de mais três grandes atores.
Sérgio foi o vencedor. Um ano
depois, sentado ao meu lado, no intervalo do já referido “O Despertar da Primavera”, em que PANDA brilhava, como o destemido, “anarquista” e desafiador Moritz, Sérgio, visivelmente emocionado, me confidenciou, ao pé do ouvido: “E
pensar que eu ganhei deste menino!”. Jamais deixei de assistir a um de
seus trabalhos no palco e, em cada um deles, percebo um crescimento, a olhos
vistos, e uma potencialidade para prêmios, aos quais ele já foi indicado várias
vezes. É um dos atores mais intensos que já conheci, em minha longa trajetória
pelos palcos da vida. Qualquer um de seus trabalhos é, no mínimo, excelente. Parece
ter sido escolhido, a dedo, para compor o seu personagem, em “CÉUS”, aquele que é ambicioso ao
extremo, histriônico, ao expor suas opiniões e divergências, que luta pelo
poder – faz de tudo para ser o chefe da missão – e defende, com garras e
dentes, sua “teoria islâmica”,
parece-nos que muito mais por teimosia, por vaidade, do que por pura crença em
sua “verdade”. Extremamente extrovertido, agressivo, sarcástico, irônico,
debochado, astuto, cruel, o personagem domina determinadas cenas, mesmo quando
em silêncio. RODRIGO contracena até com
ele mesmo. Parece neurótico. E o é!!!”
SÍLVIA
BUARQUE (DOLOROSA HACHÉ) honra a única presença feminina no palco, com seu
talento e técnica de interpretação, capaz de alternar momentos de doçura e
calma com outros, de desespero e grande dor. Sua função, na “célula” é a de traduzir as mensagens
captadas, em diversos idiomas (ela fala muito mais de uma dezena deles,
incluindo alguns dos menos falados no mundo). Demonstra ser uma superdotada
para a missão. DOLOROSA também não
poderia passar incólume, sem travar uma batalha consigo mesma. Funciona como
uma espécie de mediadora dos conflitos alheios, mas vive dois, internamente,
que a consomem, no dia a dia. O primeiro seria um “certo” remorso, por ter
assassinado, a tiros, as três filhas e o próprio marido, por uma “causa justa”.
O segundo é o fato de carregar, no ventre, um filho, inesperado e não
planejado, do falecido VALÉRY. SÍLVIA é uma atriz de grandes recursos técnicos, de uma luz própria, e defende
sua personagem com muita dignidade e competência, angariando a simpatia do
público, ainda que seja uma assassina confessa.
Não tenho o menor receio de dizer
que, poucas vezes, num palco, tive a oportunidade de ver, reunido, um naipe de
atores de primeiríssimo nível e, mais do que isso, no apogeu de suas carreiras,
em trabalhos magníficos, que, certamente, serão lembrados, para sempre, na memória
do amante do bom TEATRO. No futuro,
as pessoas, como fazem hoje (o Ricardo
III, do Fulano; a Medeia, da Sicrana; o Édipo, do Beltrano...), farão
referências tais como o personagem “X”,
do/a ator/atriz “Y”, com relação aos personagens e ao elenco de “CÉUS”. Num Prêmio de TEATRO em que haja a categoria
Melhor Elenco, será difícil encontrar outro que possa competir, em 2016, até o presente momento, com o de “CÉUS”, embora eu tenha testemunhado
excelentes trabalhos coletivos, desde o início do ano, e ainda espero ver
outros, até o final da temporada 2016.
O elenco: Rodrigo Pandolfo, Isaac Bernat,
Sílvia Buarque, Felipe de Carolis e Charles Fricks.
É muito interessante quando travamos
contato com uma obra de valor tão inestimável, que chegamos a nos dizer que o
seu autor jamais será capaz de se superar. Foi o que me ocorreu, com “Incêndios”. Embora soubesse que o dramaturgo escrevera outros, aquele texto me impressionou tanto, apaixonei-me
pela ideia e, mais ainda, pela carpintaria, pela estrutura do texto, que julguei ser a obra-prima de MOUAWAD. “CÉUS” é, igualmente, magnífico. E não
vejo a hora de conhecer os outros, principalmente os da tetralogia.
Pensando já ter esgotado a minha
cota de elogios com relação ao dramaturgo
WAJDI MOUAWAD, parto para comentar o estupendo trabalho de direção, de ADERBAL FREIRE-FILHO. Acompanho, de longa data, a sua brilhante
carreira e já assisti a espetáculos de todos os tipos dirigidos por ele. Todo diretor parece dialogar melhor com
determinados autores, e um mesmo texto, dirigido por diretores diferentes pode se apresentar
com roupagens completamente distintas, fruto das diferentes leituras de cada
encenador. Embora eu esteja falando por apenas dois espetáculos, o que me
parece é que há uma simbiose total entre MOUAWAD
e ADERBAL. Posso ser criticado pelo
que vou dizer, mas não consigo ver “Incêndios”
e “CÉUS” conduzidos por outra batuta,
que não a do maestro ADERBAL, que
sabe compreender os meandros do texto
de MOUAWAD, conhece cada intenção
contida nas entrelinhas e transporta isso para a cena, num trabalho de fino
acabamento, sabendo explorar todo o potencial criativo e interpretativo de seus
atores.
O foco principal do texto é a questão do terrorismo, mas, como já disse, cada
personagem parece ser um terrorista de
si mesmo, e isso poderia ser passado com menor importância, durante a
narrativa, mas a direção soube como
pôr em evidência os dramas pessoais, permitindo, a cada um dos cinco atores,
seus momentos de solo, aquela hora em que surgem os aplausos em cena aberta.
ADERBAL
atua com um técnico de box, ou outra barbárie do gênero, que sabe orientar seus
pupilos, com socos leves, durante a “luta”, que nada mais são que “aperitivos”,
para o soco final, o golpe de misericórdia.
É fantástica a ideia de os atores
convidarem cinco espectadores para que se sentem, por cinco minutos, no máximo,
nas cadeiras em cena, não para interagirem, mas para representarem uma
metáfora, estendida às demais pessoas da plateia. O personagem de ISAAC BERNAT se dirige a elas, e a
todos os presentes, como sendo estátuas, num jardim, que não observam nada, que
estão alheias a tudo, que não têm vida, não têm alma, não sabem o que são
sentimentos, não agem nem reagem. Num outro momento, é a personagem de SÍLVIA quem convida três mulheres para
a cena, e fala a elas, como se fossem as três filhas que DOLOROSA, barbaramente, assassinara.
O tempo para as marcações de
mudanças de cenas, é muito rápido e instigante.
O cenário de peça foi concebido por um dos melhores
profissionais do ramo, presença constante na equipe de ADERBAL. Falo de FERNANDO
MELLO DA COSTA, sempre nos surpreendendo com “novidades que não são novas”. É para explicar? Então, vamos à
explicação: que novidade há em mesas, cadeiras, um pequeno frigobar e uma cama
em cena? Parece que nenhuma, porém a “novidade”
existe. Na sala de trabalho dos cinco personagens, cada um com seu “laptop”,
seria de se esperar que houvesse cinco mesas, individuais, de trabalho. Mas as
tarefas não são individuais; ou melhor, são e não são. Ninguém, ali, é mais ou menos
importante que o outro. Ninguém conseguirá, sozinho, resolver o problema.
Então, surge FERNANDO, com uma
enorme mesa, compartilhada pelos
cinco personagens, e cinco cadeiras de escritório, nem todas iguais, com
rodinhas, o que permite o deslocamento dos atores, pelo palco, nelas sentados,
provocando um interessante efeito cênico.
O frigobar
entra em cena, e sai, sempre pelas mãos de VINCENT
CHEF-CHEF (PANDOLFO), que se serve, várias vezes de uma latinha de Coca-Cola. Haveria, aí, alguma
metáfora? O pequeno refrigerador também guarda o champanha para o brinde de Ano-Novo. Brindar o quê?
A
cama também entra e sai, várias vezes, em/de cena, conduzida pelos atores, a
mesma peça, indicando o quarto de cada um, naquele inóspito lugar. É ali, na
sua privacidade, que cada um luta contra os seus fantasmas e tenta encontrar um
meio de diminuir o martírio que aquela empreitada representa para eles. Todos
esperavam sair dali em quatro dias, mas, com a morte de VALÉRY, teriam de ficar por um tempo indeterminado.
Compõe, ainda, o interessantíssimo cenário, um telão, que ocupa todo o fundo do palco, com uma tela menor sobreposta, centralizada, onde se vislumbra um desfile de cores e imagens, de vídeos e projeções diversas, com a assinatura de uma empresa, a RADIOGRÁFICO, que não poderia ser, aqui, apresentada de forma impessoal. Trata-se de um fantástico trabalho, produzido, em equipe, por OLÍVIA FERREIRA, PEDRO GARAVAGLIA, CELINA KUSHNIR, LEANDRO DAS NEVES, JOÃO PARENTE, RODRIGO BARJA e NINA AMARANT
Compõe, ainda, o interessantíssimo cenário, um telão, que ocupa todo o fundo do palco, com uma tela menor sobreposta, centralizada, onde se vislumbra um desfile de cores e imagens, de vídeos e projeções diversas, com a assinatura de uma empresa, a RADIOGRÁFICO, que não poderia ser, aqui, apresentada de forma impessoal. Trata-se de um fantástico trabalho, produzido, em equipe, por OLÍVIA FERREIRA, PEDRO GARAVAGLIA, CELINA KUSHNIR, LEANDRO DAS NEVES, JOÃO PARENTE, RODRIGO BARJA e NINA AMARANT
O trabalho
de videografismo, executado por essa
equipe, é de suma importância, no espetáculo, uma vez que um erro poderia
acabar com a peça. Tudo é acionado com uma precisão cirúrgica. Não seria exagero
dizer que todo o trabalho de projeção pode ser considerado um personagem atípico
no espetáculo.
É impressionante
a sincronia que há entre os diálogos dos personagens em vídeo com os
presenciais, dando a nítida impressão de que tudo está sendo feito em tempo
real.
Tão importante, ou quase, quanto as
projeções, é a profusão de sons, já no início, antes, propriamente, do começo
da peça, identificados ou não, geralmente em altíssimo volume, misturando vozes
humanas a outros ruídos, fruto da direção
musical, ou desenho sonoro, a
cargo de outro grande profissional: TATO
TABORDA.
Os figurinos, de ANTÔNIO
MEDEIROS, são adequados aos personagens, revelando-lhes, de certa forma, um
pouco de suas personalidades, e à época em que se passam os fatos, e não apresentam
nada de especial a ser comentado, a não ser o fato da já referida adequação à
montagem.
Que excelente trabalho de iluminação fez MANECO QUINDERÉ! Acentua um ar claustrofóbico e sombrio, em alguns
momentos, e é intensa e frenética, quando se faz necessário, para realçar os
conflitos, as dores, os medos, as confusões mentais...
FICHA TÉCNICA:
Texto: Wajdi Mouawad
Tradução: Ângela Leite Lopes
Tradução: Ângela Leite Lopes
Direção: Aderbal Freire-Filho
Assistente de Direção: Fernando Philbert
Idealização do Projeto: Felipe de Carolis
Elenco (por ordem alfabética): CHARLES FRICKS, ISAAC BERNAT, FELIPE DE CAROLIS, RODRIGO PANDOLFO e SÍLVIA BUARQUE
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Antônio Medeiros
Direção Musical (Desenho Sonoro): Tato Taborda
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Antônio Medeiros
Direção Musical (Desenho Sonoro): Tato Taborda
Visagismo: Érica Monteiro
Vídeos e Projeto Gráfico: Radiográfico
Vídeos e Projeto Gráfico: Radiográfico
Fotos: Leo Aversa
Mídias Sociais: Leo ladeira
Produtores Associados: Felipe de Carolis, Maria Ângela Menezes, Amanda
Menezes e Maria Fernanda Mello
Direção de Produção: Amanda Menezes
Produção Executiva: Juliana Cabral
Coordenação Geral: Maria Ângela Menezes
Realização: Tema Eventos Culturais e E-MERGE
Direção de Produção: Amanda Menezes
Produção Executiva: Juliana Cabral
Coordenação Geral: Maria Ângela Menezes
Realização: Tema Eventos Culturais e E-MERGE
"Anunciação" - tela de Tintoretto.
SERVIÇO:
Temporada: De 15 de setembro até 30 de outubro
Local: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro
Dias e Horários; De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h
Telefone (21) 2537-8053
Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h;
aos domingos, das 15h às 19h
Valor do Ingresso: R$80,00.
Duração: 100 minutos
Classificação Etária: 14 anos.
Ninguém
haverá de sair do aprazível Teatro
Poeira desesperado, querendo construir o seu próprio “bunker” e passar a vegetar num mundo já fracassado e condenado a
um iminente desaparecimento, mas o fato é que todos saímos muito assustados,
mexidos, distantes de nossas zonas de conforto, dos mais abastados aos mais
humildes espectadores, dos mais esclarecidos aos mais leigos, até os alienados.
E não poderia ser de outra forma. Isso, porque a peça abre um leque de
questionamentos, dos quais, queiramos ou não, não nos é dado o direito de
fugir.
Eu
poderia, agora sim, me utilizar de um “spoiler”
(um não; dois) e dizer o que levou VALÉRY
ao suicídio e a razão do desespero do personagem de CHARLES FRICKS, no final da peça, que é parte do já citado “socão na boca do estômago”, mas não
quero perder nenhum leitor. Assistam à peça e saberão de tudo. E muito mais.
"O Grito" - tela de Edvard Munch.
(FOTOS DE CENA:
LEO AVERSA)
Com Sílvia Buarque.
Com Charles Fricks.
Com Isaac Bernat.
Com Rodrigo Pandolfo e Felipe de Carolis.
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