TRÁGICA.3
(O
QUE É BOM É PARA SEMPRE, E PODE FICAR AINDA MELHOR.)
Em março deste ano, mais
propriamente no dia 30, quando, pela segunda vez, assisti, na Arena do Espaço SESC Copacabana, ao
excelente espetáculo A Bala na Agulha,
em conversa com a atriz DENISE DEL
VECCHIO, após o espetáculo, ela me falou, com bastante entusiasmo, sobre o
projeto, que estava iniciando em São Paulo (ensaios), da montagem de um
espetáculo, reunindo três das mais conhecidas e apreciadas tragédias gregas: ANTÍGONA, ELECTRA e MEDEIA. Naquele dia, ela mexeu com a minha
curiosidade e conseguiu me deixar bastante interessado naquele espetáculo, até
então, um embrião.
Quando
estreou, em São Paulo, quase me mobilizei para ir até lá, entretanto, por ser
uma produção do Centro Cultural Banco do
Brasil, sabia que viria para o Rio e consegui dominar a minha grande
expectativa.
Finalmente,
fui conferir a peça e me vi diante de um espetáculo totalmente arrebatador:
três tragédias gregas, três clássicos da dramaturgia universal, ali, numa
releitura contemporânea, arrojada, desafiadora, contundente, expressiva, única,
do diretor GUILHERME LEME,
representadas, de forma magistral, por três grandes atrizes, coadjuvadas por
dois, eu diria, grandes multiartistas (atores, cantores, músicos,
sonoplastas...), que fazem de tudo, perfeitamente bem, no palco, para emoldurar
as três irretocáveis interpretações.
Miwa
Yanagizawa, Denise Del Vecchio e Letícia Sabatella.
Letícia /
Antígona e Fernando Alves Pinto.
Miwa / Electra.
Denise /
Medeia.
Não
se trata, evidentemente, do original dos três textos, mas de três peças curtas,
fragmentos poéticos, que se relacionam, através da experiência dramatúrgica,
sonora e visual, em torno da temática da morte, envolvendo as três grandes heroínas,
personagens que qualquer boa atriz gostaria de fazer, para deleite próprio e
enriquecimento de seu currículo: ANTÍGONA,
a que se mata (texto de CAIO DE ANDRADE);
ELECTRA, a que manda matar (texto de
FRANCISCO CARLOS); e MEDEIA, a que mata (texto de HEINER MÜLLER, com tradução de MONIQUE GARDENBERG e GUILHERME LEME).
A
estrutura do espetáculo é bem simples: cada uma das três atrizes se apresenta num
monólogo, com pequenas intervenções de texto de FERNANDO ALVES PINTO e MARCELLO
H. Estes ficam colocados, quase que durante
todo o tempo de duração do espetáculo (75 minutos), nas laterais do palco,
tocando instrumentos, cantando, dizendo seus pequenos textos e operando uma
parafernália, que produz sons, ruídos, vibrações, realçando o texto principal
das atrizes.
A
primeira a se apresentar é LETÍCIA
SABATELLA (ANTÍGONA), defendendo, com unhas e dentes, o direito de sepultar
seu irmão, Polinices. Ótimo o trabalho da atriz, pontuado por uma
plasticidade cênica exuberante e por solfejos, intercalando a fala, que se
avolumam à proporção que vai aumentando o seu lamento de dor. Predomina, na cena, uma belíssima luz
azul. É a participação mais longa, das
três, e penso que o final é um pouco longo, merecendo, talvez, um
enxugamento.
Letícia /
Antígona.
Letícia, com Fernando ao fundo.
Em
seguida, é a vez de MIWA YANAGIZAWA
dar vida à sua ELECTRA, numa
interpretação magnífica, da filha que implora aos deuses uma forma de vingar o
assassinato do pai, no que é atendida, com a volta do irmão Orestes. MIWA
imprime um ritmo intenso ao seu trabalho, que exige uma grande preparação
corporal, uma vez que atua, quase que o tempo inteiro, de joelhos e com os
braços abertos, numa posição, bastante incômoda, de súplica. Na iluminação da cena, uma forte luz
vermelha.
Miwa /
Electra.
Miwa / Electra.
Para
fechar a trilogia, nada melhor que MEDEIA
(DENISE DEL VECCHIO), aquela que, a despeito de seus poderes e de sua
fidelidade a Jasão, é traída, da
forma mais vil possível, e se despoja de qualquer pudor, para levar a cabo um plano de
vingança contra a filha de Creonte,
a mulher que lhe roubara o amado, e o próprio Jasão, culminando com o assassinato dos dois filhos. Atingir a vítima naquilo que ele mais
amava. A cena é toda vestida de verde e
o grande destaque vai para a projeção de um filme, em que dois meninos, em
câmera lenta, brincam, ingenuamente, numa praia; os dois filhos, que não sabiam
o triste e trágico destino que lhes fora reservado. É um elemento que provoca grande comoção no
público. Para mim, é a melhor das três
cenas, não por outro motivo que não seja a minha predileção por esta tragédia, brilhantemente adaptada, para os nossos dias, pelos gênios Oduvaldo Vianna Filho e Chico Buarque de Holanda,
transformando-se num ícone do TEATRO
MUSICAL BRASILEIRO: Gota d’Água.
Denise /
Medeia.
Denise / Medeia (e a imagem dos
filhos que vai assassinar).
Um
dos detalhes que mais me chamaram a atenção, nesta montagem, dentre tantos, foi
o fato de as atrizes se colocarem, em cena, quase estáticas, durante suas performances,
trabalhando pouco o corpo, entretanto abusando das máscaras. O drama vivido por cada uma das três personagens
está revelado, principalmente, na variação das expressões faciais, contando,
evidentemente, com as modulações de voz.
Por essa duas ferramentas de trabalho do ator, a plateia se deixa emocionar
e se envolver no sofrimento particular vivido por cada personagem. Confesso que, durante a encenação de MEDEIA, tive a sensação de ter minhas
energias sugadas e de que, a qualquer momento, iria me faltar o ar, tal foi o
meu grau de envolvimento com a cena.
Apenas por esse motivo, foi um alívio quando o pano se fechou.
Sobre
a ficha técnica:
TEXTOS: CAIO DE ANDRADE, FRANCISCO CARLOS e HEINER MÜLLER (com tradução de MONIQUE GARDENBERG e GUILHERME LEME), sobre as obras de Sófocles (Antígona e Electra) e
Eurípedes (Medeia). O de CAIO
é um poema; o de FRANCISCO prima por
um tom patético, de resistência; o de HEINER
traduz todo o ódio e desejo de vingança que um ser humano pode alimentar,
quando acuado e tocado no íntimo dos seus brios. Todos excelentes.
ELENCO: Como já aludi aos
excelentes trabalhos das três grandes atrizes, tenho de fazer justiça, ainda
que também já tenha dado uma pincelada no assunto, aos trabalhos de FERNANDO ALVES PINTO e MARCELLO H. Além de executarem músicas ao vivo, contando,
na primeira cena, com o auxílio luxuoso de LETÍCIA
SABATELLA, os dois ainda representam, respectivamente, Hêmon e Orestes. A participação coadjuvante dos dois é
fundamental na construção do espetáculo.
Fernando Alves Pinto e Marcello H.
CONCEPÇÃO e DIREÇÃO: GUILHERME LEME.
Magnífico trabalho, que já lhe rendeu, em São Paulo, indicações a
prêmios. Tem tudo para repetir a dose no
Rio de Janeiro. Depois de sua brilhante
direção (na verdade, co-direção), em Billdog,
valorizada pelo irretocável trabalho do ator Gustavo Rodrigues, repete a bem-sucedida ousadia experimentada em RockAntygona. GUILHERME
não abusou do trágico, que pode gerar incômodos ao público, e conseguiu fazer
com que as atrizes atingissem o ponto exato, ideal, para provocar compaixão,
sem cair no tom do pieguismo.
CENOGRAFIA: AURORA DOS CAMPOS. Na maioria das vezes, os trabalhos de AURORA se destacam por mil detalhes em
cena, todos indispensáveis, como ocorreu, por exemplo, no premiadíssimo Conselho de Classe, ainda em cartaz,
para citar apenas um. Desta vez, a cenografia é muito simples, discreta,
como que para não desviar a atenção do espectador para as atrizes,
principalmente para os detalhes de seus rostos.
Apenas duas enormes paredes, em dimensões diferentes, sobrepostas ao
fundo do palco, que servem, também, de tela para projeções, e um grande
instrumento de percussão, um tambor, no chão, ao fundo, além de um teclado e uma
mesa de som, um em cada uma das laterais do palco, que também podem ser
considerados elementos cenográficos.
ILUMINAÇÃO: TOMÁS RIBAS. Um dos pontos altos do espetáculo. TOMÁS
optou por marcar cada uma das três histórias com o predomínio de uma cor, que
oscila em intensidade, de acordo com o desenvolvimento da força dramática do texto.
FIGURINO: GLÓRIA COELHO. Parece-me que o parâmetro seguido na cenografia foi o mesmo que serviu para
a criação dos figurinos. São sóbrios, bem discretos, para não desviar
o foco do público do mais importante do espetáculo, o texto e o trabalho das
atrizes. Bom resultado.
VISAGISMO: LEOPOLDO PACHECO. O ator, que também vem se dedicando a este
importante elemento teatral, também faz um bom trabalho nesta montagem.
TRILHA ORIGINAL: FERNANDO ALVES PINTO, MARCELLO H e LETÍCIA SABATELLA. Executada
ao vivo, é como se fosse um outro personagem em cena. É impressionante o ótimo resultado que o trio
atingiu, com muita sensibilidade e criatividade. O som acústico que FERNANDO tira de um serrote e os ágeis dedos de MARCELLO, nas carrapetas e nos botões,
aliados aos cânticos, solfejos e uma espécie de vocalize, principalmente por parte
de LETÍCIA, são agregadores (não houve
a intenção de trocadilho) ao brilho do espetáculo.
PROGRAMAÇÃO VISUAL e FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO. De excelente qualidade.
ASSSITENTE DE DIREÇÃO: CECÍLIA DASSI.
Aplausos! BRAVO!!!
Posso
encerrar estes comentários, dizendo que se trata de um belíssimo espetáculo, ainda
que muito denso, preparado com um apuro de detalhes técnicos e uma exagerada
dose de profissionalismo, por parte de artistas e técnicos, resultando num
trabalho que vai marcar a temporada teatral do Rio de Janeiro em 2014.
Recomendo-o
com muito empenho e empolgação.
O espetáculo
ficará em temporada no Teatro I do
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, até o dia 14
de setembro, às sextas-feiras, às 19h, e,
aos sábados e domingos, às 17h e 19h.
(FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO e PÁGINA DA
PEÇA NO FACEBOOK.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário