domingo, 17 de agosto de 2014


TRÁGICA.3

 

 

 

(O QUE É BOM É PARA SEMPRE, E PODE FICAR AINDA MELHOR.)

 

 


 

 

            Em março deste ano, mais propriamente no dia 30, quando, pela segunda vez, assisti, na Arena do Espaço SESC Copacabana, ao excelente espetáculo A Bala na Agulha, em conversa com a atriz DENISE DEL VECCHIO, após o espetáculo, ela me falou, com bastante entusiasmo, sobre o projeto, que estava iniciando em São Paulo (ensaios), da montagem de um espetáculo, reunindo três das mais conhecidas e apreciadas tragédias gregas: ANTÍGONA, ELECTRA e MEDEIA.  Naquele dia, ela mexeu com a minha curiosidade e conseguiu me deixar bastante interessado naquele espetáculo, até então, um embrião.

Quando estreou, em São Paulo, quase me mobilizei para ir até lá, entretanto, por ser uma produção do Centro Cultural Banco do Brasil, sabia que viria para o Rio e consegui dominar a minha grande expectativa.

            Finalmente, fui conferir a peça e me vi diante de um espetáculo totalmente arrebatador: três tragédias gregas, três clássicos da dramaturgia universal, ali, numa releitura contemporânea, arrojada, desafiadora, contundente, expressiva, única, do diretor GUILHERME LEME, representadas, de forma magistral, por três grandes atrizes, coadjuvadas por dois, eu diria, grandes multiartistas (atores, cantores, músicos, sonoplastas...), que fazem de tudo, perfeitamente bem, no palco, para emoldurar as três irretocáveis interpretações.

 

 


Miwa Yanagizawa, Denise Del Vecchio e Letícia Sabatella.

 

 


Letícia / Antígona e Fernando Alves Pinto.

 

 


Miwa / Electra.

  

 


Denise / Medeia.

 

  

            Não se trata, evidentemente, do original dos três textos, mas de três peças curtas, fragmentos poéticos, que se relacionam, através da experiência dramatúrgica, sonora e visual, em torno da temática da morte, envolvendo as três grandes heroínas, personagens que qualquer boa atriz gostaria de fazer, para deleite próprio e enriquecimento de seu currículo: ANTÍGONA, a que se mata (texto de CAIO DE ANDRADE); ELECTRA, a que manda matar (texto de FRANCISCO CARLOS); e MEDEIA, a que mata (texto de HEINER MÜLLER, com tradução de MONIQUE GARDENBERG e GUILHERME LEME).

            A estrutura do espetáculo é bem simples: cada uma das três atrizes se apresenta num monólogo, com pequenas intervenções de texto de FERNANDO ALVES PINTO e MARCELLO H.  Estes ficam colocados, quase que durante todo o tempo de duração do espetáculo (75 minutos), nas laterais do palco, tocando instrumentos, cantando, dizendo seus pequenos textos e operando uma parafernália, que produz sons, ruídos, vibrações, realçando o texto principal das atrizes.

            A primeira a se apresentar é LETÍCIA SABATELLA (ANTÍGONA), defendendo, com unhas e dentes, o direito de sepultar seu irmão, Polinices.  Ótimo o trabalho da atriz, pontuado por uma plasticidade cênica exuberante e por solfejos, intercalando a fala, que se avolumam à proporção que vai aumentando o seu lamento de dor.  Predomina, na cena, uma belíssima luz azul.  É a participação mais longa, das três, e penso que o final é um pouco longo, merecendo, talvez, um enxugamento.

 

 


Letícia / Antígona.

 

 

fotos mariana vianna/divulgaçÃo

Letícia, com Fernando ao fundo.

 

 

            Em seguida, é a vez de MIWA YANAGIZAWA dar vida à sua ELECTRA, numa interpretação magnífica, da filha que implora aos deuses uma forma de vingar o assassinato do pai, no que é atendida, com a volta do irmão Orestes.  MIWA imprime um ritmo intenso ao seu trabalho, que exige uma grande preparação corporal, uma vez que atua, quase que o tempo inteiro, de joelhos e com os braços abertos, numa posição, bastante incômoda, de súplica.  Na iluminação da cena, uma forte luz vermelha.

 

 


Miwa / Electra.

 

 

gustavo leme/divulgaçÃo

Miwa / Electra.

 

 

            Para fechar a trilogia, nada melhor que MEDEIA (DENISE DEL VECCHIO), aquela que, a despeito de seus poderes e de sua fidelidade a Jasão, é traída, da forma mais vil possível, e se despoja de qualquer pudor, para levar a cabo um plano de vingança contra a filha de Creonte, a mulher que lhe roubara o amado, e o próprio Jasão, culminando com o assassinato dos dois filhos.  Atingir a vítima naquilo que ele mais amava.  A cena é toda vestida de verde e o grande destaque vai para a projeção de um filme, em que dois meninos, em câmera lenta, brincam, ingenuamente, numa praia; os dois filhos, que não sabiam o triste e trágico destino que lhes fora reservado.  É um elemento que provoca grande comoção no público.  Para mim, é a melhor das três cenas, não por outro motivo que não seja a minha predileção por esta tragédia, brilhantemente adaptada, para os nossos dias, pelos gênios Oduvaldo Vianna Filho e Chico Buarque de Holanda, transformando-se num ícone do TEATRO MUSICAL BRASILEIRO: Gota d’Água.

 

 

 


Denise / Medeia.

 

 

fotos mariana vianna/divulgaçÃo

Denise / Medeia (e a imagem dos filhos que vai assassinar).

 

 

            Um dos detalhes que mais me chamaram a atenção, nesta montagem, dentre tantos, foi o fato de as atrizes se colocarem, em cena, quase estáticas, durante suas performances, trabalhando pouco o corpo, entretanto abusando das máscaras.  O drama vivido por cada uma das três personagens está revelado, principalmente, na variação das expressões faciais, contando, evidentemente, com as modulações de voz.  Por essa duas ferramentas de trabalho do ator, a plateia se deixa emocionar e se envolver no sofrimento particular vivido por cada personagem.  Confesso que, durante a encenação de MEDEIA, tive a sensação de ter minhas energias sugadas e de que, a qualquer momento, iria me faltar o ar, tal foi o meu grau de envolvimento com a cena.  Apenas por esse motivo, foi um alívio quando o pano se fechou.

 

            Sobre a ficha técnica:

 

            TEXTOS: CAIO DE ANDRADE, FRANCISCO CARLOS e HEINER MÜLLER (com tradução de MONIQUE GARDENBERG e GUILHERME LEME), sobre as obras de Sófocles (Antígona e Electra) e Eurípedes (Medeia).  O de CAIO é um poema; o de FRANCISCO prima por um tom patético, de resistência; o de HEINER traduz todo o ódio e desejo de vingança que um ser humano pode alimentar, quando acuado e tocado no íntimo dos seus brios.  Todos excelentes.

 

ELENCO: Como já aludi aos excelentes trabalhos das três grandes atrizes, tenho de fazer justiça, ainda que também já tenha dado uma pincelada no assunto, aos trabalhos de FERNANDO ALVES PINTO e MARCELLO H.  Além de executarem músicas ao vivo, contando, na primeira cena, com o auxílio luxuoso de LETÍCIA SABATELLA, os dois ainda representam, respectivamente, Hêmon e Orestes.  A participação coadjuvante dos dois é fundamental na construção do espetáculo.

 

 


Fernando Alves Pinto e Marcello H.

 

           

CONCEPÇÃO e DIREÇÃO: GUILHERME LEME.  Magnífico trabalho, que já lhe rendeu, em São Paulo, indicações a prêmios.  Tem tudo para repetir a dose no Rio de Janeiro.  Depois de sua brilhante direção (na verdade, co-direção), em Billdog, valorizada pelo irretocável trabalho do ator Gustavo Rodrigues, repete a bem-sucedida ousadia experimentada em RockAntygona.  GUILHERME não abusou do trágico, que pode gerar incômodos ao público, e conseguiu fazer com que as atrizes atingissem o ponto exato, ideal, para provocar compaixão, sem cair no tom do pieguismo.

 

            CENOGRAFIA: AURORA DOS CAMPOS.  Na maioria das vezes, os trabalhos de AURORA se destacam por mil detalhes em cena, todos indispensáveis, como ocorreu, por exemplo, no premiadíssimo Conselho de Classe, ainda em cartaz, para citar apenas um.  Desta vez, a cenografia é muito simples, discreta, como que para não desviar a atenção do espectador para as atrizes, principalmente para os detalhes de seus rostos.  Apenas duas enormes paredes, em dimensões diferentes, sobrepostas ao fundo do palco, que servem, também, de tela para projeções, e um grande instrumento de percussão, um tambor, no chão, ao fundo, além de um teclado e uma mesa de som, um em cada uma das laterais do palco, que também podem ser considerados elementos cenográficos.

 

            ILUMINAÇÃO: TOMÁS RIBAS.  Um dos pontos altos do espetáculo.  TOMÁS optou por marcar cada uma das três histórias com o predomínio de uma cor, que oscila em intensidade, de acordo com o desenvolvimento da força dramática do texto.

 

            FIGURINO: GLÓRIA COELHO.  Parece-me que o parâmetro seguido na cenografia foi o mesmo que serviu para a criação dos figurinos.  São sóbrios, bem discretos, para não desviar o foco do público do mais importante do espetáculo, o texto e o trabalho das atrizes.  Bom resultado.

 

            VISAGISMO: LEOPOLDO PACHECO.  O ator, que também vem se dedicando a este importante elemento teatral, também faz um bom trabalho nesta montagem.

 

            TRILHA ORIGINAL: FERNANDO ALVES PINTO, MARCELLO H e LETÍCIA SABATELLA.  Executada ao vivo, é como se fosse um outro personagem em cena.  É impressionante o ótimo resultado que o trio atingiu, com muita sensibilidade e criatividade.  O som acústico que FERNANDO tira de um serrote e os ágeis dedos de MARCELLO, nas carrapetas e nos botões, aliados aos cânticos, solfejos e uma espécie de vocalize, principalmente por parte de LETÍCIA, são agregadores (não houve a intenção de trocadilho) ao brilho do espetáculo.

 

            PROGRAMAÇÃO VISUAL e FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO.  De excelente qualidade.

 

            ASSSITENTE DE DIREÇÃO: CECÍLIA DASSI.

 

 


Aplausos!  BRAVO!!!

  

 

            Posso encerrar estes comentários, dizendo que se trata de um belíssimo espetáculo, ainda que muito denso, preparado com um apuro de detalhes técnicos e uma exagerada dose de profissionalismo, por parte de artistas e técnicos, resultando num trabalho que vai marcar a temporada teatral do Rio de Janeiro em 2014. 

 

Recomendo-o com muito empenho e empolgação. 

 

O espetáculo ficará em temporada no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, até o dia 14 de setembro, às sextas-feiras, às 19h, e, aos sábados e domingos, às 17h e 19h.

 

 

 

(FOTOS: VICTOR HUGO CECATTO e PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 





 

 

 

 

 

 

 

 





 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário