RETRATOS
FALANTES
(DIRETO NA VEIA.)
Para
comemorar seus 35 anos de existĂȘncia, o GRUPO
TAPA, um dos melhores do Brasil, sob a batuta de EDUARDO TOLENTINO DE ARAĂJO, montou um espetĂĄculo, no mĂnimo,
instigante: RETRATOS FALANTES, que,
para a sorte dos cariocas, estĂĄ em cartaz, na Arena do Espaço SESC, para uma curtĂssima temporada.
Na
verdade, o espetĂĄculo se apresenta em duas versĂ”es: RETRATOS FALANTES â ELES e Retratos Falantes - Elas. O que pode ser visto pelos cariocas Ă© a
versĂŁo masculina e, a julgar pela qualidade desta, podemos imaginar a outra.
Cada
uma das versÔes apresenta dois monólogos curtos, os quatro da autoria do consagrado
autor inglĂȘs ALAN
BENNETT, escritos para a BBC de Londres, os quais, em função do grande
sucesso alcançado pelo programa em que eram radiofonizados, foram adaptados
para o palco pelo prĂłprio autor.
SĂł por curiosidade, aqui estĂĄ uma
sinopse da versĂŁo feminina, que nĂŁo Ă© o motivo destes escritos:
Retratos Falantes â Elas apresenta os monĂłlogos A Sua Grande Chance, que
conta a histĂłria de Lesley, uma
atriz que sabe de todos os testes que acontecem na cidade, nĂŁo perde uma noite
de estreia e sempre participa das festas do meio artĂstico, esperando ser
convidada para o papel mais importante da sua vida; e Uma Cama Entre Lentilhas,
que apresenta Susan, esposa de um
reverendo anglicano, que vive entre cerimĂŽnias religiosas, quermesses
beneficentes, corais vespertinos e arranjos florais, e refugia-se no ĂĄlcool,
mas encontra sua salvação no fundo de um armazém, entre sacos de lentilhas.
Mas vamos ao que interessa.
RETRATOS FALANTES â ELES traz os monĂłlogos FRITAS NO AĂĂCAR, com tradução de CLARA CARVALHO, em que BRIAN PENIDO ROSS interpreta um homem solteirĂŁo, que vive com a mĂŁe esclerosada;
e BRINCANDO COM SANDUĂCHE,
traduzido
por AUGUSTO CĂSAR, que apresenta
o ator ZĂCARLOS MACHADO no papel de
um funcionĂĄrio pĂșblico, zelador de um parque pĂșblico, o qual, sob a capa de um
pacato homem de famĂlia, oculta uma vida escabrosa. Ă preciso ver o espetĂĄculo para conhecer os
mistérios que envolvem a vida desse homem, e não serei eu a lhe tirar essa
oportunidade.
A peça não faz caminhos complicados e sinuosos, para
atingir o espectador; ao contrĂĄrio, pega o trajeto mais curto entre dois
pontos, a reta, e vai direto Ă veia, expondo o universo de dois personagens que
podem estar, até mesmo, dentro de nós (espero que não, em qualquer que seja a
medida), mas, certamente, sĂŁo figuras anĂŽnimas, que passam despercebidas e que,
inclusive, podem ser encontradas nas nossas vizinhanças.
O
texto Ă© duro, muito denso, nĂŁo pelas palavras, em si, nele empregadas; acho,
mesmo, que elas o tornam até menos pesado do que ele, verdadeiramente, é. Um pouco de humor, meio mórbido, é verdade,
colabora para isso. O que mexe com o
espectador Ă© o que essas palavras representam, o que querem dizer, o que
revelam.
No primeiro monĂłlogo, FRITAS NO AĂĂCAR, interpretado por BRIAN, o humor revela-se mais cĂĄustico
e, se nĂŁo chega a arrancar gargalhadas da plateia, provoca risos, mais pelo
inusitado das situaçÔes que vão sendo contadas.
No segundo, BRINCANDO DE
SANDUĂCHE, nĂŁo hĂĄ tanto motivo para o riso, ainda que ZĂCARLOS, com seu jeito particular de interpretar o personagem WILFRED, consiga que, vez por outra,
relaxemos um pouco, jå que a tensão não é tão grande nos dois primeiros terços
do trabalho. Pelo contrĂĄrio, o
personagem passa uma ingenuidade, até quase uma candura.
Nas palavras do ator ZĂCARLOS MACHADO, âWILFRED Ă© um homem pacato,
casado e funcionĂĄrio exemplar de um parque. Tem uma empatia e uma inocĂȘncia singulares,
porĂ©m Ă© vĂtima de compulsĂ”es irrefreĂĄveis que colocam em risco a si mesmo e
Ă queles que sĂŁo objetos do seu desejoâ.
Ambos os monĂłlogos pintam o
retrato de dois homens solitĂĄrios e reclusos, no sentido de dificuldade de
comunicação com seus semelhantes.
ALAN BENETT Ă© um autor inglĂȘs contemporĂąneo
(os textos da peça foram escritos em 1987 e 1997, mas são completamente
atemporais) e, ainda, segundo ZĂCARLOS,
em entrevista ao jornal O Globo, âcom um
poder de sĂntese e uma dramaturgia aberta e provocante. Estabelecer uma atuação e uma linguagem cĂȘnica
para sua obra Ă© um desafio estimulante, uma vez que esses monĂłlogos sĂŁo
escritos em forma de contos. SĂŁo
personagens do cotidiano, de fĂĄcil reconhecimento, risĂveis e comoventes. Despertam compaixĂŁo, mas ocultam açÔes surpreendentes
e, por vezes, aterrorizantesâ.
Falar da
atuação dos dois atores é muito fåcil e pode ser resumido em um simples
adjetivo: FANTĂSTICAS! NĂŁo hĂĄ como estabelecer uma comparação entre
os dois trabalhos, jĂĄ que ambos atingem um nĂvel de excelĂȘncia tĂŁo notĂĄvel, que
os coloca no alto de qualquer pĂłdio que tenha por objetivo premiar atores por
seus trabalhos. ZĂCARLOS MACHADO, inclusive,
foi indicado ao prĂȘmio de Melhor Ator
da APCA (Associação Paulista de CrĂticos de Arte), em 2013, por sua atuação
neste espetĂĄculo.
BRIAN PENIDO ROSS, com bastante
maestria, interpreta um indivĂduo que deixa, para o espectador, uma dĂșvida
sobre sua sanidade mental e sua sexualidade.
à muito sutil esse detalhe, o que enriquece muito sua atuação.
Brian Penido Ross, em trĂȘs tempos.
Quanto a ZĂCARLOS MACHADO, com cujo trabalho, no
palco, tenho contatos mais amiĂșde, interpreta seu personagem de forma muito
delicada, com um tom de voz paternal, que vĂŁo pĂŽ-lo em evidĂȘncia, numa atitude
contrastante, quando da grande surpresa, revelada ao final do seu texto. Utiliza as mĂŁos de uma forma especial, para
interpretar; brinca com o tato.
ZĂ©carlos Machado, em trĂȘs tempos.
A direção de TOLENTINO dispensa qualquer comentårio, além de FABULOSA.
NĂŁo hĂĄ
destaques para os demais elementos da montagem, como cenårio, figurino e iluminação, jå que o texto e o trabalho
dos atores, de tĂŁo grandiosos, seriam suficientes para tocar o pĂșblico, atĂ©
mesmo numa sala sem nenhum mĂłvel e com uma luz de serviço. Mas, mesmo assim, hĂĄ de se mencionar a bela luz, de NĂLSON FERREIRA, e o simples cenĂĄrio
e os figurinos, de LOLA TOLENTINO.
Completam a
curta ficha técnica:
Operação de luz: ADRIANO BEDIN;
Designer grĂĄfico: DANIEL VOLPI;
Produção: GRUPO TAPA;
Realização: ESPAĂO SESC
Assessoria de Imprensa: JSPONTES
COMUNICAĂĂO (JOĂO PONTES e STELLA STEPHANY);
Administração: CĂSAR BACCAN.
SERVIĂO:
ESPAĂO SESC (RUA DOMINGOS FERREIRA, 160 - COPACABANA)
TEMPORADA DE 28 DE AGOSTO A 14 DE SETEMBRO
DE 5ÂȘ FEIRA A SĂBADO, ĂS 20h30min; DOMINGO, ĂS 19h
ESPAĂO SESC (RUA DOMINGOS FERREIRA, 160 - COPACABANA)
TEMPORADA DE 28 DE AGOSTO A 14 DE SETEMBRO
DE 5ÂȘ FEIRA A SĂBADO, ĂS 20h30min; DOMINGO, ĂS 19h
(FOTOS:
FLĂVIO MORAES e CLAUDINEI NAKASONE.)
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