domingo, 31 de agosto de 2014


RETRATOS FALANTES

 

 

 

(DIRETO NA VEIA.)

 

 


 

 

            Para comemorar seus 35 anos de existĂȘncia, o GRUPO TAPA, um dos melhores do Brasil, sob a batuta de EDUARDO TOLENTINO DE ARAÚJO, montou um espetĂĄculo, no mĂ­nimo, instigante: RETRATOS FALANTES, que, para a sorte dos cariocas, estĂĄ em cartaz, na Arena do Espaço SESC, para uma curtĂ­ssima temporada.

 

            Na verdade, o espetĂĄculo se apresenta em duas versĂ”es: RETRATOS FALANTES – ELES e Retratos Falantes - Elas.  O que pode ser visto pelos cariocas Ă© a versĂŁo masculina e, a julgar pela qualidade desta, podemos imaginar a outra.

 

            Cada uma das versĂ”es apresenta dois monĂłlogos curtos, os quatro da autoria do consagrado autor inglĂȘs ALAN BENNETT, escritos para a BBC de Londres, os quais, em função do grande sucesso alcançado pelo programa em que eram radiofonizados, foram adaptados para o palco pelo prĂłprio autor.

 

            SĂł por curiosidade, aqui estĂĄ uma sinopse da versĂŁo feminina, que nĂŁo Ă© o motivo destes escritos:

 

 
Retratos Falantes – Elas apresenta os monĂłlogos A Sua Grande Chance, que conta a histĂłria de Lesley, uma atriz que sabe de todos os testes que acontecem na cidade, nĂŁo perde uma noite de estreia e sempre participa das festas do meio artĂ­stico, esperando ser convidada para o papel mais importante da sua vida; e Uma Cama Entre Lentilhas, que apresenta Susan, esposa de um reverendo anglicano, que vive entre cerimĂŽnias religiosas, quermesses beneficentes, corais vespertinos e arranjos florais, e refugia-se no ĂĄlcool, mas encontra sua salvação no fundo de um armazĂ©m, entre sacos de lentilhas.
 

 

 

 

 

 

 

Mas vamos ao que interessa.

 

 

 
RETRATOS FALANTES – ELES traz os monĂłlogos FRITAS NO AÇÚCAR, com tradução de CLARA CARVALHO, em que BRIAN PENIDO ROSS interpreta um homem solteirĂŁo, que vive com a mĂŁe esclerosada; e BRINCANDO COM SANDUÍCHE, traduzido por AUGUSTO CÉSAR, que apresenta o ator ZÉCARLOS MACHADO no papel de um funcionĂĄrio pĂșblico, zelador de um parque pĂșblico, o qual, sob a capa de um pacato homem de famĂ­lia, oculta uma vida escabrosa.  É preciso ver o espetĂĄculo para conhecer os mistĂ©rios que envolvem a vida desse homem, e nĂŁo serei eu a lhe tirar essa oportunidade.
 

 

A peça não faz caminhos complicados e sinuosos, para atingir o espectador; ao contrårio, pega o trajeto mais curto entre dois pontos, a reta, e vai direto à veia, expondo o universo de dois personagens que podem estar, até mesmo, dentro de nós (espero que não, em qualquer que seja a medida), mas, certamente, são figuras anÎnimas, que passam despercebidas e que, inclusive, podem ser encontradas nas nossas vizinhanças.

            O texto Ă© duro, muito denso, nĂŁo pelas palavras, em si, nele empregadas; acho, mesmo, que elas o tornam atĂ© menos pesado do que ele, verdadeiramente, Ă©.  Um pouco de humor, meio mĂłrbido, Ă© verdade, colabora para isso.  O que mexe com o espectador Ă© o que essas palavras representam, o que querem dizer, o que revelam. 

No primeiro monĂłlogo, FRITAS NO AÇÚCAR, interpretado por BRIAN, o humor revela-se mais cĂĄustico e, se nĂŁo chega a arrancar gargalhadas da plateia, provoca risos, mais pelo inusitado das situaçÔes que vĂŁo sendo contadas.  No segundo, BRINCANDO DE SANDUÍCHE, nĂŁo hĂĄ tanto motivo para o riso, ainda que ZÉCARLOS, com seu jeito particular de interpretar o personagem WILFRED, consiga que, vez por outra, relaxemos um pouco, jĂĄ que a tensĂŁo nĂŁo Ă© tĂŁo grande nos dois primeiros terços do trabalho.  Pelo contrĂĄrio, o personagem passa uma ingenuidade, atĂ© quase uma candura. 

Nas palavras do ator ZÉCARLOS MACHADO, “WILFRED Ă© um homem pacato, casado e funcionĂĄrio exemplar de um parque.  Tem uma empatia e uma inocĂȘncia singulares, porĂ©m Ă© vĂ­tima de compulsĂ”es irrefreĂĄveis que colocam em risco a si mesmo e Ă queles que sĂŁo objetos do seu desejo”.

Ambos os monólogos pintam o retrato de dois homens solitårios e reclusos, no sentido de dificuldade de comunicação com seus semelhantes.

ALAN BENETT Ă© um autor inglĂȘs contemporĂąneo (os textos da peça foram escritos em 1987 e 1997, mas sĂŁo completamente atemporais) e, ainda, segundo ZÉCARLOS, em entrevista ao jornal O Globo, “com um poder de sĂ­ntese e uma dramaturgia aberta e provocante.  Estabelecer uma atuação e uma linguagem cĂȘnica para sua obra Ă© um desafio estimulante, uma vez que esses monĂłlogos sĂŁo escritos em forma de contos.  SĂŁo personagens do cotidiano, de fĂĄcil reconhecimento, risĂ­veis e comoventes.  Despertam compaixĂŁo, mas ocultam açÔes surpreendentes e, por vezes, aterrorizantes”.

 

Falar da atuação dos dois atores Ă© muito fĂĄcil e pode ser resumido em um simples adjetivo: FANTÁSTICAS!  NĂŁo hĂĄ como estabelecer uma comparação entre os dois trabalhos, jĂĄ que ambos atingem um nĂ­vel de excelĂȘncia tĂŁo notĂĄvel, que os coloca no alto de qualquer pĂłdio que tenha por objetivo premiar atores por seus trabalhos.  ZÉCARLOS MACHADO, inclusive, foi indicado ao prĂȘmio de Melhor Ator da APCA (Associação Paulista de CrĂ­ticos de Arte), em 2013, por sua atuação neste espetĂĄculo.

 

BRIAN PENIDO ROSS, com bastante maestria, interpreta um indivĂ­duo que deixa, para o espectador, uma dĂșvida sobre sua sanidade mental e sua sexualidade.  É muito sutil esse detalhe, o que enriquece muito sua atuação.

 

 

Brian Penido Ross: monĂłlogos escritos por Alan Bennett para a BBC de Londres                                                                                 

 

Brian Penido Ross, em trĂȘs tempos.

 


 

 

Quanto a ZÉCARLOS MACHADO, com cujo trabalho, no palco, tenho contatos mais amiĂșde, interpreta seu personagem de forma muito delicada, com um tom de voz paternal, que vĂŁo pĂŽ-lo em evidĂȘncia, numa atitude contrastante, quando da grande surpresa, revelada ao final do seu texto.  Utiliza as mĂŁos de uma forma especial, para interpretar; brinca com o tato.

 

ZĂ©carlos Machado: monĂłlogos escritos por Alan Bennett para a BBC de Londres                                                  

 

ZĂ©carlos Machado, em trĂȘs tempos.

 


 

 

 

A direção de TOLENTINO dispensa qualquer comentårio, além de FABULOSA.

 

NĂŁo hĂĄ destaques para os demais elementos da montagem, como cenĂĄrio, figurino e iluminação, jĂĄ que o texto e o trabalho dos atores, de tĂŁo grandiosos, seriam suficientes para tocar o pĂșblico, atĂ© mesmo numa sala sem nenhum mĂłvel e com uma luz de serviço.  Mas, mesmo assim, hĂĄ de se mencionar a bela luz, de NÉLSON FERREIRA, e o simples cenĂĄrio e os figurinos, de LOLA TOLENTINO.

 

 

Completam a curta ficha técnica:

Operação de luz: ADRIANO BEDIN;

Designer grĂĄfico: DANIEL VOLPI;

Produção: GRUPO TAPA;

Realização: ESPAÇO SESC

Assessoria de Imprensa: JSPONTES COMUNICAÇÃO (JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY);

Administração: CÉSAR BACCAN.

 






SERVIÇO:


ESPAÇO SESC (RUA DOMINGOS FERREIRA, 160 - COPACABANA)
TEMPORADA DE 28 DE AGOSTO A 14 DE SETEMBRO
DE 5ÂȘ FEIRA A SÁBADO, ÀS 20h30min; DOMINGO, ÀS 19h




 

(FOTOS: FLÁVIO MORAES e CLAUDINEI NAKASONE.)

 
 

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