MARATONA
(UMA
FORMIDÁVEL METÁFORA DA VIDA REAL.)
A Sede das Cias é uma das melhores coisas
surgidas no universo do TEATRO nos
últimos tempos, no Rio de Janeiro.
A partir de
agosto do ano passado, ocupa, fisicamente, um ótimo espaço no primeiro patamar
da Escadaria Selarón, um dos mais
badalados “points” da Lapa. O local onde
funcionava a Cia. dos Atores, há um
ano, vem abrigando uma reunião de três companhias, a própria Cia. dos Atores,
Os Dezequilibrados e a Pangeia Cia. de Teatro.
A administração
do espaço está a cargo da Nevaxca
Produções e da Cia. Os Dezequilibrados,
sob direção artística de Ivan Sugahara.
Além de
espetáculos teatrais, também oferece oficinas gratuitas das companhias
residentes e de outros coletivos. A
programação, com curadoria do próprio Ivan,
de Os Dezequilibrados, e de Diego
de Angeli, da Pangeia Cia. de Teatro,
e direção de produção de Tárik Puggina,
é intensiva, com espetáculos de segunda a segunda, sempre com ingressos a
preços populares.
Não
me arrependo de 99% do que assisti lá e, dentre tantos espetáculos de extrema
qualidade, destaco MARATONA, que
cumpriu temporada, naquele espaço, em junho e na primeira semana de julho, e
que, agora, volta ao cartaz, por apenas três semanas, em outro espaço, o ESPAÇO CULTURAL MUNICIPAL SÉRGIO PORTO,
que eu prefiro chamar apenas de TEATRO
SÉRGIO PORTO, no Humaitá.
A temporada irá da próxima amanhã, dia 29
de agosto até o dia 14 de setembro, de 6ª feira a domingo, sempre às 20h.
Fachada da Sede das Cias.
2014 está sendo um ano feliz para a Pangeia Cia. de Teatro, que comemora sete anos do grupo e um ano
como residente da Sede das Cias. Para festejar o evento, juntou-se às parceiras
Outra Cia. e Teatro Catapulta e desenvolveram um magnífico espetáculo: MARATONA.
A peça tem livre inspiração no
livro “MAS NÃO SE MATA CAVALO?”, de Horace McCoy, um romance que retrata as
maratonas americanas de dança, realizadas após a crise de 1929, quando a fome
levou milhares de pessoas à participação em competições de dança, que podiam
durar até quatro meses.
Considerando o contexto
brasileiro, os grupos se perguntaram, ao longo do processo, que tipo de fome ou
interesse levaria competidores à maratona realizada no ficcional Clube Oásis, na, também ficcional – mas
não tanto - cidade Quase-Maravilhosa.
Com bastante e bom humor, a
competição de dança revela personagens em busca do sonho de ganhar o Grande
Prêmio Final e, aos poucos, vai mostrando uma jornada nada animadora aos
participantes, uma vez que a realidade é bem mais dura do que aparenta ser e a
vida não se resume a uma pista de danças.
Há um ano, as três companhias
se reuniram para pesquisar o argumento do espetáculo e abriram os ensaios ao
público, criando maratonas abertas. O
espectador se inscrevia como competidor ou júri da maratona, que teve cinco
edições no Rio de Janeiro e uma em São Paulo e ajudava a criar a dramaturgia,
inspirando alguns dos personagens retratados na peça.
O texto falado (porque há o
que dispensa palavras), embora seja bom, é o que menos interessa no espetáculo,
no qual comportamentos e movimentos ganham destaque, vem assinado por DIEGO DE ANGELI, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, JÚLIA
ARIANI e LISA DIAS BORGES,
contando, ainda, com a colaboração do elenco, o que pode ser traduzido por uma
“criação coletiva”.
Quando apresentado na Sede das Cias, o espetáculo tinha
início na Escadaria Selarón, onde se
misturavam espectadores, transeuntes (a maioria, turistas) e os atores/competidores,
os quais, “para poderem participar da maratona de danças”, teriam que, antes,
dar uma "prova de resistência”, subindo e descendo, correndo, os 215
degraus daquela Escadaria.
Escadaria Selarón: um dos cartões-postais
do Rio de Janeiro.
Retornando ao local de onde
fora dada a partida para a corrida, iniciava-se, então, não propriamente uma itinerância,
ao contrário de outros espetáculos que vêm sendo encenados ultimamente (nada
contra eles), mas apenas um único deslocamento, da porta da Sede para o seu interior, onde as
pessoas se instalavam, sentadas, numa grande sala, e apreciavam, durante duas
horas, a extenuante competição de quatro casais, dançando, como se estivessem
num “reality show”, comandado por um apresentador “silviossantiano” e sua
assistente de palco, JUAN MONTOYA e MARA, que funcionam como anfitriões do
espetáculo e condutores do público, dois personagens hilários, vividos,
respectivamente, por PEDRO FLORIM e NARA PAROLINI, os quais se encarregam
de “pôr pilha” na competição e interagir com o público, o que faz os 120
minutos correrem sem que a assistência disso se dê conta. Ele, histriônico, exagerado, um tanto
déspota, caricato; ela, por vezes, submissa e, em algumas ocasiões,
oportunista, tentando roubar o brilho da estrela do espetáculo. O casal de atores está excelente em seus
papéis.
Pedro Florim.
Pedro Florim e Nara Parolini.
Izadora Mosso Schettert, Daniel Kristensen,
Pedro Florim (à frente), Thiago Ristow (encoberto) e Gabriela Carneiro da Cunha.
A mistura do público aos atores, antes e
depois da corrida, e a aproximação entre ambos, já na sala do “Clube Oásis”, a pequena distância que
os separa, criam uma perfeita e indispensável cumplicidade entre ambos, o que
concede à montagem uma característica muito especial: pode-se dizer que se
trata de um espetáculo interativo, sendo que, pouquíssimas vezes, os atores se
dirigem diretamente à plateia, solicitando-lhe uma participação. Esta se dá, de forma indireta, mas espontânea
e muito ativa.
O público não se limita a ser um mero
espectador. Confesso que também “bailei”
com aqueles quatro pares, ora com um(a), ora com outro(a) “partner”, e, como
eles, fui chegando a exaustão, não física, é óbvio, mas psicológica. O espectador é alguém que não só acompanha uma
competição de dança, mas também a vive, e, praticamente, chega ao seu limite,
junto com os dançarinos.
Gabriela Carneiro da Cunha e Thiago Ristow.
Percebe-se, nos competidores, uma fome
de vencer, para o que, mesmo diante da iminência de não suportar prosseguir
naquela insana disputa, cada um vai buscar forças no infinito. Como na vida, ninguém aceita perder, ninguém
aceita ser derrotado, ninguém aceita entregar os pontos, morrer na praia.
É
a própria metáfora da luta pela sobrevivência, pela vida, uma luta que
enfrentamos todos os dias, duelando contra os mais diversos, mais que
adversários, inimigos, tendo de matar um leão a cada dia.
Vez por outra, tem-se a impressão de que
a disputa é meramente para erguer um troféu ou ganhar um prêmio em dinheiro,
pelo simples prazer de vencer, contudo, a ser considerado o baixo valor
material da premiação, chega-se à conclusão de que algo muito mais forte e
importante move cada uma daquelas pessoas a ser declarado o vencedor. Da maratona?
Não; da vida! Um sobrevivente!!!
São inúmeros dias seguidos de
competição, com mínimos intervalos, e as horas, em números absurdos e
surrealistas, vão sendo computadas e exibidas num cartaz, que ocupa o fundo do
interessante cenário de JOANA PASSI, cafona, como não poderia
deixar de ser, para os nossos dias, entretanto perfeitamente incorporado ao
espírito da peça. Quem, como eu, já foi
a alguns salões de dança do Rio de Janeiro, numa época em que as pessoas saíam
de suas casas para dançar nas gafieiras, há de reconhecer, no ótimo cenário,
alguns dos célebres endereços onde se praticava o lazer por meio da dança.
Durante o processo de escritura do
roteiro e de ensaios, além da transformação do espaço da Sede das Cias em Clube Oásis,
a companhia trabalhou na própria Escadaria
Selarón, interagindo com os transeuntes e não abrindo mão de suas
intervenções. Acho fantástica essa ideia
e o resultado, excelente, está lá, nas sessões do espetáculo.
Ramon de Angeli e Gabriel Salabert.
Ramon e Gabriel (em primeiro plano) e João Marcelo Iglesias e Diana
Behrens (ao lado e ao fundo).
A direção,
brilhante, da peça é assinada a quatro mãos, por DIEGO DE ANGELI e GABRIELA
CARNEIRO DA CUNHA.
No elenco, todos os atores apresentam um excelente
nível de interpretação (e de resistência física também), não sendo possível
destacar algum nome. Não seria
justo. Além de PEDRO FLORIM, que faz o apresentador, e de NARA PAROLINI, sua assistente, formam os casais de dançarinos, RAMON DE ANGELI (travesti ou mulher?) e
GABRIEL SALABERT; DANIEL KRISTENSEN e IZADORA MOSSO SCHETTERT; THIAGO RISTOW e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA; JOÃO
MARCELO IGLESIAS e DIANA BEHRENS.
O espectador
vai, aos poucos, nem tanto pelo texto, mas pelo comportamento dos personagens,
identificando as características de cada um e, até mesmo, se identificando com
alguns. Brilhante trabalho de todos!
Dois detalhes
de suma importância para um espetáculo deste tipo, e de impecável aplicação,
dizem respeito à direção de movimento,
de MAÍRA MANESCHY, e à preparação corporal, de DIANA BEHRENS e RAMON DE ANGELI.
Também é muito
importante, na peça, e igualmente de excelente execução, a iluminação, da dupla JOÃO
GIOIA e WAGNER AZEVEDO.
Outro ponto
alto da peça são os figurinos, de TARSILA TAKAHASHI, assim como a ótima consultoria de visagismo, de DIEGO NARDES.
Daniel Kristensen e Izadora Mosso Schettert.
Diana Behrens e João Marcelo Iglesias.
Detalhe da ótima iluminação.
Não se pode
conceber um espetáculo como MARATONA
sem uma boa trilha sonora. A pesquisa
para a excelente, variada, versátil e exótica trilha foi feita por LETTO
e a trilha sonora, propriamente, e a
direção musical são de DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA.
Ao longo do
espetáculo, a plateia se delicia, ao som de vários “hits” de épocas distintas e
dos mais variados ritmos, passeando dos mais calmos aos mais frenéticos, indo
do samba ao “rock”, passando por chorinhos, boleros, mambos, “blues”, baladas,
melodias suaves e românticas, do tipo “mela-cueca’, como se dizia no meu tempo,
até mesmo música erudita.
Podem ser
ouvidos, além de outros, sucessos como:
Na Cadência do Samba (Luiz Antônio);
Tu Vuò Fa’ L’americano (Renato Carosone);
Naquela Mesa (Jacob do Bandolim);
Djobi
Djoba (Gipsy Kings);
Estúpido Cupido (de Fred Jorge, na doce voz
de Celly Campello – Ah! Meus tempos!);
Datemi Um Martello (na voz personalíssima
de Rita Pavone);
Meu Sangue Ferve por Você (na voz fervente
de Sidney Magal);
La Bamba (Ritchie Valens);
Maniac (Michael Sembello);
Kung Fu Fighting (Carl Douglas);
Who Run The World (Beyonce);
Rock Around The Clock (Bill Haley & His
Comets – Voltei à adolescência.);
My Way (Frank Sinatra – Aí, eu choro.);
Love me Tender – instrumental (Elvis
Presley – Para cortar os pulsos.);
Dos Gardenias (Buena Vista Social Club – Quase
perco o fôlego.);
Réquiem (Mozart);
Ne Me Quitte Pas (Na inigualável
interpretação de Maysa, que só não é melhor que a da Piaf – Serviu para
provar que meu coração não está negando fogo.);
The End (The Doors);
Twist and Shout (The Beatles – Esta é
para derrubar, de vez, o eterno jovem que, em mim, habita.);
Monólogo ao Pé do Ouvido (Nação Zumbi);
Un Bel di Vedremo (Giacomo Puccini).
Que cardápio musical de bom gosto e excelência,
não acham?
Nesta nova
temporada, estou curioso para ver as novidades, uma vez que, por necessidade de
adaptação ao novo espaço, o espetáculo sofrerá algumas alterações, entretanto
tenho certeza de que jamais será para torná-lo menos excelente do que já
é. Vou revê-lo, na certeza de que, mais
uma vez, vou aplaudi-lo de pé, ao som de “Bravos”,
motivo pelo qual o recomendo, de coração.
Dançando, para não “dançar”.
Prossegue a competição.
Enfim, o “grand finale”!!!
SERVIÇO:
ESPAÇO CULTURAL MUNICIPAL SÉRGIO PORTO (TEATRO SÉRGIO PORTO)
Dias e horários: 6ªs, sábados e domingos,
às 20h.
Duração: 120 minutos.
Temporada: De 29/08/2014 até 14/09/2014.
Classificação: 14 anos - menores somente acompanhados dos
pais.
Gêneros: Comédia / Drama
FICHA
TÉCNICA:
DIREÇÃO: DIEGO DE ANGELI e GABRIELA
CARNEIRO DA CUNHA
DRAMATURGIA: DIEGO DE ANGELI, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, JULIA ARIANI, LISA DIAS
BORGES, em colaboração com o elenco.
ELENCO (por ordem alfabética): DANIEL KRISTENSEN, DIANA BEHRENS, GABRIEL
SALABERT, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, IZADORA MOSSO SCHETTERT, JOÃO MARCELO
IGLESIAS, NARA PAROLINI, PEDRO FLORIM, RAMON DE ANGELI e THIAGO RISTOW.
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: MAÍRA MANESCHY
PREPARAÇÃO CORPORAL: DIANA BEHRENS E RAMON DE ANGELI
OFICINA DE DANÇA DE SALÃO: ANTÔNIO ALBERTO JÚNIOR
ILUMINAÇÃO: JOÃO GIOIA E WAGNER AZEVEDO
CENÁRIO: JOANA PASSI
FIGURINO: TARSILA TAKAHASHI
CONSULTORIA DE VISAGISMO: DIEGO NARDES
PESQUISA MUSICAL: LETTO
DIREÇÃO MUSICAL:
DIEGO DE ANGELI e GABRIELA CARNEIRO
DA CUNHA
OPERAÇÃO DE LUZ: PABLO CARDOSO
PROGRAMAÇÃO VISUAL: THIAGO RISTOW
REGISTROS DO PROCESSO: CLAYTON LEITE, SÔNIA BASCH E TOMÁS FAGE
PRODUÇÃO EXECUTIVA: PANGEIA CIA. DETEATRO
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: GABRIEL SALABERT
REALIZAÇÃO: PANGEIA CIA. DETEATRO, OUTRA CIA. E TEATRO CATAPULTA
(FOTOS:
CLAYTON LEITE, SÔNIA BASCH, TOMÁS FAGE, PAULA MELLO, ALINE MACEDO e DIANA
ALMEIDA.)
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