“SENHORA DOS
AFOGADOS”
ou
(UMA MONTAGEM
QUE VAI FICAR PARA
A HISTÓRIA DO
TEATRO BRASILEIRO.)
NELSON RODRIGUES é incensado e
considerado, por uma incomensurável legião de admiradores, como “o maior
dramaturgo brasileiro de todos os tempos”, opinião com a qual,
arriscando-me a ser apedrejado, tal como Maria Madalena, não
compactuo. Escreveu dezessete peças teatrais, das quais só gosto de seis, e “SENHORA DOS AFOGADOS”
é uma delas. Sua obra completa está dividida, segundo critérios do grande e
saudoso crítico Sábato Masgaldi, em três grupos, de acordo com
suas características, a saber: Peças Psicológicas, Peças Míticas
(A peça em tela está inserida nesse escaninho.) e Tragédias
Cariocas.
“SENHORA
DOS AFOGADOS” foi escrita em 1947, com base na peça “Electra
Enlutada”, de Eugene O'Neill (1931), que, por sua vez,
adaptara a “Orestíada”, de Ésquilo, trágico da
antiga Grécia. Estamos, pois, diante de um drama trágico.
SINOPSE:
“SENHORA DOS AFOGADOS” é uma peça trágica
sobre a família Drummond, mergulhada em segredos, incesto e
obsessões, em que o mar, como um personagem, age como palco e força mítica, levando as mulheres da
casa a se afogarem, tudo desencadeado por um assassinato de uma prostituta 19
anos antes, explorando temas de culpa, desejo reprimido e a tragédia
grega.
A filha mais velha, Moema (LARA
TREMOUROUX), deseja, incestuosa e obsessivamente, o pai, Misael
(MARCELO DRUMMOND), um juiz, à beira de uma nomeação, assombrado por segredos que emergem das profundezas
da própria história, e afoga as
irmãs, mas a culpa e a vingança de um noivo atormentam a família, resultando em
mortes e revelando a hipocrisia por trás da fachada de uma família
conservadora.
Por amor ao pai, Moema, a filha mais
velha de Misael e Dona Eduarda (LEONA CAVALLI),
resolveu afogar suas irmãs mais novas, Clarinha (LARISSA
SILVA) e Dora (CLARISSE JOHANSSON), no mar, para não
dividir a atenção do seu pai com elas.
A trama é cheia de mistérios, e Moema
consegue ser a única mulher na vida do seu pai, porém ele morre e ela fica só.
Após grande sucesso num palco italiano (SESC
Pompeia) e de uma vitoriosa primeira temporada no emblemático e “mágico”
Teatro Oficina, o espetáculo voltou ao cartaz, na pista deste,
numa icônica montagem que há de ficar marcada, na memória de quem ama o bom TEATRO,
como um dos melhores espetáculos da temporada de 2025, com lugar
conquistado e definido na história do TEATRO brasileiro.
Estamos diante de uma verdadeira “tragédia
grega temperada com dendê”, das boas, que nos mostra “um mergulho
denso no inconsciente familiar, uma tragédia brasileira em forma e espírito,
marcada por paixões, mortes, desejos incestuosos e pela atmosfera
fantasmagórica de uma sociedade à beira do colapso”, dirigida,
de forma magistral por MONIQUE GARDENBEREG.
Até hoje, esta é a terceira montagem da
peça a que assisti, todas originalíssimas e cada uma delas com suas
características próprias e, igualmente, genial. A primeira, em 2010,
dirigida por Ana Kfouri, foi encenada num restaurante de três
andares, no cais da Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro,
uma montagem itinerante que me deixou boquiaberto, com tanta criatividade e
talento de um jovem e quase desconhecido elenco. A segunda foi em 2018,
“na visão de Jorge Farjalla”, outra produção que explorava,
sobremaneira, o aspecto mítico do texto e, da mesma forma, deveras criativa e
desafiadora. A terceira é esta sobre a qual disserto e, de certo, me fez deixar
o Teatro “flutuando, nas nuvens”, em total “estado de
graça”, com vontade de me beliscar, para ter a certeza de que não
estava sonhando.
Ao assumir a direção do
espetáculo, MONIQUE GARDENBERG, consagrada cineasta brasileira,
conseguiu captar toda a essência da peça, além de agregar, ao seu trabalho, uma
linda e merecida homenagem ao “imortal Zé Celso”, por meio de
muitas pinceladas da estética “zecelsiana”, mormente no segundo
ato.
Os Drummond são, aparentemente,
uma família perfeita, à beira-mar, mas esconde desejos e segredos sombrios,
os quais, entrelaçados, dão o toque de tragédia na trama. Há 19
anos, o patriarca, Misael (MARCELO DRUMMOND) é
acusado de assassinar uma prostituta, crime que assombra a todos e desencadeia
os eventos da peça. Embora, no centro da trama, esteja ele, ao seu redor, giram personagens fortíssimas, tomadas por
impulsos inconfessáveis, como Moema (LARA TREMOUROUX), a
filha intensa e intuitiva, um poço de sensualidade e lascívia, e Dona Eduarda
(LEONA CAVALLI), idem, esposa e figura central de uma dinâmica familiar
marcada por silêncio, poder e ressentimento.
O
texto parece ter sido escrito para as mulheres, as atrizes, brilharem, e todas
não deixam escapar a oportunidade de registrar sua marca indelével nesta
produção, das que exercem o protagonismo àquelas que, para provarem que “não
existem pequenos papéis”, são profundamente notadas pelo público e, devidamente,
aplaudias, como é o caso de CRISTINA MUTARELLI, GIULIA GAM, MICHELE
MATALON e LÍGIA CORTÊZ, as quatro vizinhas “observadoras”,
um eufemismo para “fofoqueiras sarcásticas”, as quais fazem as
vezes do coro das tragédias gregas e que são formidáveis em suas falas e seus
silêncios expressivos, estes, por vezes, até mais expressivos que aquelas.
O trio feminino que divide o protagonismo da peça é formado por REGINA
BRAGA (Dona Marianinha, a avó), LEONA CAVALLI (Dona
Eduarda, a mãe) e LARA TREMOUROUX (Moema, a filha mais
velha), cada qual mais exuberante e incisiva em suas interpretações. REGINA
e LEONA, duas velhas conhecidas, de grandes trabalhos anteriores, me
proporcionaram momentos de intensa emoção em suas “performances”,
mormente LEONA, numa participação maior, embora a personagem de REGINA
me pareça ter encontrado, na consagrada intérprete, o “cavalo”
ideal, para “ganhar vida”. São duas atrizes intensas e muito cônscias
de como deve se comportar uma excelente atriz em cena. Causou-me, entretanto, um
prazer indescritível e uma gratíssima surpresa ver LARA TREMOUROUX, interpretando
a filha incestuosa. Essa estupenda jovem atriz se comporta como uma veterana
das tábuas, despertando-me o desejo de aplaudi-la em cena aberta, mais de uma
vez, o que só não fiz para não quebrar o ritmo e a dramaticidade das cenas.
No naipe masculino, a despeito da ótima atuação de MARCELO
DRUMMOND, como o “chefe de família”, destaco, com muito
prazer e assertivamente, dois jovens grandes atores, cujos trabalhos eu não conhecia e
que me agradaram sobremaneira. Refiro-me a KAEL STUDART (Paulo, o
único filho homem da família Drummond) e RODERICK HIMEROS, no
papel do Noivo de Moema e filho da prostituta
assassinada. Ambos me convenceram, com suas interpretações, e já me provocaram
o desejo de revê-los em novas produções.
Os elementos de criação, neste espetáculo, atendem,
totalmente, às necessidades e geniais ideias da direção. Aplaudo
a cenografia, assinada por MARÍLIA PIRAJU, cujo nome, na FICHA
TÉCNICA, aparece, pomposa e merecidamente, como “Arquitetura Cênica”,
ressaltando a felicíssima ideia de ter utilizado, no segundo ato, o gigantesco
painel que fez parte da cenografia da inesquecível peça “O Rei da
Vela”, em sua montagem mais recente, de 2017. Da mesma
forma, parabenizo CÁSSIO BRASIL pelo sensacionais figurinos, predominantemente sóbrios e escuros, no primeiro atoe, e coloridos e
criativos, seguindo da estética “carnavália” de Zé Celso.
Três artistas de criação, que, a meu juízo se viram, diante de dois
desafios, são Wagner Pinto e Sarah Salgado, que souberam, com maestria,
iluminar cada cena, num espaço cênico “diferente”, e Camila Fonseca, a
qual assumiu a difícil tarefa de criar um “desenho de som” que pudesse levar,
com perfeição e clareza audível, tudo o que era falado e cantado aos ouvidos de
todos os espectadores, quaisquer que fossem suas posições naquele “tempo sagrado”.
Como tudo, na peça, é superlativo, não posso omitir o belíssimo trabalho
de SONIA USHIYAMA SOUTO, responsável pelo visagismo; FELIPE
BOTELHO, que assina uma ótima direção musical; e os músicos CARLOS
EDUARDO SAMUEL, FELIPE BOTELHO e PEDRO GONGOM MANESCO, que também contribuem para o bom
funcionamento do espetáculo, fazendo parte da banda que atua acompanhando os atores.
Não poderia negar o reconhecimento ao trabalho de todos os técnicos
e funcionários do Teatro Oficina, os quais garantem
aquele fazer teatral, bem como os responsáveis pela produção.
Particularmente, agradeço a duas pessoas: TATI ROMMEL (direção de
produção), pela gentileza e fidalguia como me recebeu no Teatro,
inclusive facultando-me a primazia de ter sido o primeiro a adentrar aquele
espaço, cerca de 40 minutos antes do início da peça,
permitindo-me, entre os atores, assistir a uma passagem de som e acertos
técnicos, e ADRIANA MONTEIRO, a assessora de imprensa da peça e do
Teatro, que me fez o gentil convite para assistir à peça.
Sim, quase que me esqueço de mencionar dois outros nomes: os de IGOR
MAROTTI DUMONT e CIÇA LUCCHESIN, na direção de vídeo,
responsáveis pelas imagens que são exibidas, em gravação ou em tempo real,
sendo que, para que estas existam, é fantástico o trabalho de IGOR, o
qual, operando, habilmente, uma câmera, não mede esforços para captar os
melhores ângulos das cenas, durante todo o espetáculo.
Destacando o acerto total de MONIQUE GARDENBERG, como diretora
desta estupenda montagem, transcrevo um trecho extraído de um formidável “release”
que me foi enviado pela assessoria de imprensa: “Nesta encenação, o espaço cênico
é atravessado por elementos audiovisuais, trilha original e ambientações
sensoriais. Um coro de ‘putas do cais’, evoca Zé Celso, reforça o clima onírico
e alucinatório da narrativa. Ambientada
em uma casa à beira-mar, onde o oceano é mais que cenário — é extensão
simbólica da psique familiar — a peça propõe um mergulho nos limites entre
realidade e delírio, desejo e culpa. A casa, impregnada de sal, luto e memória,
torna-se um organismo vivo: respira com as marés, ecoa as vozes silenciadas, e
revela as camadas subterrâneas de uma família dilacerada. (...) Um espetáculo
que convida o público a encarar seus próprios abismos.”.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: Monique Gardenberg
Elenco: FAMÍLIA DRUMMOND: Misael Drummond = Marcelo Drummond, Dona
Marianinha = Regina Braga, Dona Eduarda = Leona Cavalli, Moema = Lara
Tremouroux, Paulo = Kael Studart, Dora = Clarisse Johansson, Clarinha - Larissa
Silva; VIZINHAS: Cristina Mutarelli, Giulia Gam, Michele Matalon e Lígia
Cortêz; CAIS: Noivo = Roderick Himeros, Mãe do Noivo = Sylvia
Prado, Dona = Vick Nefertiti, Vendedor de Pentes = Marcelo Dalourzi e Sabiá =
Alexandre Paz; MULHERES DA VIDA: Danielle Rosa, Kelly Campêllo, Mariana de Moraes, Selma Paiva e Zizi Yndio do Brasil; MICHÊS: Tony
Reis e Victor Rosa
Banda: Carlos Eduardo Samuel, Felipe Botelho e Pedro Gongom
Manesco
Direção de Vídeo: Igor Marotti Dumont e Ciça Lucchesi
Arquitetura Cênica: Marília Piraju
Figurino: Cássio Brasil
Visagismo: Sonia Ushiyama Souto
Desenho de Luz: Wagner Pinto e Sarah Salgado
Direção Musical: Felipe Botelho
Direção de Cena: Elisete Jeremias e Rafael Bicudo
Desenho e Operação de Som: Camila Fonseca
Adereços e Objetos: Abmael Henrique
Máscaras Vizinhas: Ricardo Costa
Direção de Produção: Tati Rommel
Produção: Ana Sette e Filipe Fonseca
Produção Executiva: Anderson Puchetti
Assistência de Direção: Maria Borba
2ª Assistência de Direção: Anderson Moreira Sales, Giovanna
Parra e Vinícius Tardite
Câmera ao Vivo: Igor Marotti Dumont
Operação de Vídeo: Diego Avarte
"Storyboard": Renato Blaschi
Produção de Luz: Carina Tavares
Operação de Luz: Victoria Pedrosa e Pedro Felizes
Assistente de Som: Clevinho Ferreira
Microfonista: Julia Ávila e Nick Guaraná
Técnico de Palco: Guira Bará
Assistencia de Produção: Sofia Rommel
Assistente de Figurino: Danni Tocci
Estagiárias de Figurino: Ana Flávia Manfredini e Mariana Rosim
Assistente de Visagismo: Érica Gabi
Camareira: Cida Melo
Assistente de Camareira: Dan Salas
Cenotécnicos: Cássio Omae, Bruno Ramon, Brenda Stephanie, Cléber
Martins, Deoclécio Alexandre, João Tadeu e Rivaldo Trevor
Contrarregas Areia: Alex Augusto e Diego Monte
Identidade Visual e Programa: Igor Marotti Dumont
Fotografias Programa: Igor Marotti e Roseane Moura
Assessoria de Imprensa: Adriana Monteiro
Fotos: Pedro Martins, Paula Caldas, Laura Carvalho, João Maria, Guilherme Gnipper e Antônio Simas Barbosa
Coordenação Acervo Oficina: Elisete Jeremias
Guardiã Figurinos / Acervo Oficina: Cida Melo
Arquivo Acervo Oficina: Thais Sandri
Apoio Cultural: Salão 1838 Estados Unidos, Cantina e Pizzaria Piolin,
Rancho Nordestino, Nou Restaurante e Restaurante Plantaria
Realização: Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona
SERVIÇO:
Temporada: De 17 de outubro e 21 de dezembro de 2025.
Local: Teatro Oficina.
Endereço: Rua Jaceguai, nº 520 - Bela Vista – São Paulo.
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 18h.
SESSÃO EXTRA: 23 de
dezembro, às 14h30min (Celebração à eternidade de Luis Antônio Martinez Corrêa).
Valor dos Ingressos: Inteira: R$ 120; Meia-Entrada: R$ 60.
Morador do Bixiga: R$ 50 (Compra presencial, na bilheteria, mediante
comprovante de endereço em próprio nome; um ingresso por comprovante).
Vendas “on-line”: Plataforma Sympla (com taxa de serviço) ou na
Bilheteria do Teatro (sem taxa de conveniência).
*A bilheteria do Teatro abre com uma
hora de antecedência ao espetáculo.
**Sujeito à lotação da casa.
***O Teatro não dispõe de estacionamento nas proximidades.
****Os lugares não são numerados. O ingresso ao Teatro será feito
mediante a ordem de chegada.
****Acessibilidade.
Duração: 150 minutos, com intervalo.
Classificação Indicativa: 16 anos.
Informações à imprensa: Ofício das Letras - Adriana
Monteiro (11) 99481-7953
adriana@oficiodasletras.com.br
Gênero: Drama.
Mesmo tendo sido escrita em 1947,
a peça foi considerada bastante “polêmica”, interditada pela
famigerada censura e só foi encenada, pela primeira vez, em 1954, tendo sido
considerada um “teatro desagradável”, “por perturbar o
público com seus temas”. Creio que, até hoje, ainda é um pouco isso.
Depois de não sei quantos anos, voltei a pisar o chão do Teatro
Oficina, a primeira vez após a trágica passagem do Zé Celso. Foi indescritível a minha alegria e emoção. No primeiro pé que coloquei naquele
espaço, fui acometido por uma pequena taquicardia e meus olhos ficaram
marejados. Agradeço aos DEUSES DO TEATRO, pela oportunidade de
voltar àquele TEMPLO SAGRADO. VIVA ZÉ CELSO!!! ZÉ CELSO VIVE!!!
“SENHORA DOS AFOGADOS” é uma celebração dionisíaca, um espetáculo que convida o público a encarar
seus próprios abismos e é um trabalho tão bem executado, que o RECOMENDO, COM TODO O VIGOR DA MINHA ALMA, aguardando sua vinda para o Rio de Janeiro,
o que parece que vai acontecer, talvez após o carnaval, segundo apurei no local.
É claro que irei rever mais de
uma vez!!!
OBSERVAÇÕES: Porquanto, oficialmente, o final da atual
temporada esteja marcado para o próximo dia 21 de dezembro, na verdade, haverá
mais algumas sessões ainda este ano: sessão dupla, no dia 23, em memória
de Luís Antônio Martinez Corrêa, irmão de Zé Celso, e
voltará ao cartaz, no mesmo Teatro Oficina, em janeiro de 2016, após
as festas de final de ano, nos dias 16, 18 30 e 31 de janeiro e 01, 06, 07, 08 e 09 de fevereiro, sempre às 20 horas.
FOTOS: PEDRO MARTINS, PAULA CALDAS, LAURA CARVALHO, JOÃO MARIA, GUILHERME GNIPPER e ANTÔNIO SIMAS BARBOSA.
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto
que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre
mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que
há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!
Ansiosa pra assistir essa maravilha no Rio! Adorei a resenha 🥰
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