“32º FESTIVAL DE CURITIBA”
“TÁ – SOBRE
SER GRANDE!”
ou
(UM
ESPETÁCULO “GRANDE”,
EM TODOS OS
SENTIDOS.)
Numa das publicações que já
fiz sobre o “Festival de Curitiba”, prometi que diria por que, por falta de
conhecimento, antes, eu me referia a ele como “Festival de Teatro de Curitiba”, porém que, a partir de um
determinado momento, passei a omitir o vocábulo “Teatro”.
Isso se deu depois de eu ter ouvido, durante uma das coletivas de imprensa (Participei de todas.) o Coordenador de Imprensa e
Notícias, Maximilian Santos, explicar que o evento não se restringia
apenas ao TEATRO. Na verdade, ele abraça outras atividades artísticas, em
múltiplas linguagens, bem como traz, no seu bojo, uma série de outros eventos
paralelos e afins. Também disse eu que publicaria críticas sobre os espetáculos
que me tocaram, mas que isso se daria aos poucos, por conta de outras críticas,
que ocupam uma grande fila, sobre peças que ainda estão em cartaz, no Rio
e em São
Paulo. Aqui, proponho-me a escrever sobre um espetáculo de dança,
que me deixou totalmente encantado, por sua estupenda qualidade. Essa bela obra
foi levada de Manaus até Curitiba, pelo curadores da “Mostra
Lúcia Camargo”, a principal do “Festival”, os quais merecem os meus
aplausos e agradecimentos, pelo acerto na escolha das atrações. O nome do
espetáculo é “TA – SOBRE SER GRANDE!”,
apresentado pelo “CORPO DE DANÇA DO
AMAZONAS”, trabalho que conheci na noite do dia 31 de março, no Teatro da Reitoria, onde
o grupo já fizera a primeira récita, no dia anterior, ambas com estrondoso
sucesso, de público e de crítica. E não era para menos.
Rondavam-me duas grandes curiosidades
acerca do evento, muito bem incluído na programação do “Festival de Curitiba”.
Uma era sobre os artistas que fariam a apresentação, a companhia. A outra era a
respeito do título do espetáculo em tela. Faço logo questão de deixar bem claro
que, sendo
eu apenas um devotado amante da dança, do balé, sem ter autoridade para fazer
qualquer julgamento técnico, coloco-me, aqui, como um mero espectador, sensível
à beleza de um bom espetáculo de dança. Como acontece, quase sempre,
ficamos ligados à ARTE produzida nos grandes centros urbanos, com um destaque
maior para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. E quando o
assunto é dança contemporânea, os nomes de algumas companhias nacionais ganham
relevo e são logo lembradas: No Rio, a “Cia. de Dança Deborah Colker”,
que também se apresentou nesta edição do “Festival”, e a “Focus Cia. De Dança”,
dirigida por Alex Neoral; em São Paulo, os focos de luz iluminam a
“São Paulo Companhia de Dança (SPCD)”, um corpo artístico estatal, dirigido por Inês Bogéa, e o “Balé Stagium”, fundado e dirigido pelo
casal Marika Gidali e Décio Otero (Já tive a honra de ter sido coreografado por Marika, na primeira versão brasileira do musical "Hair".); em Belo
Horizonte, todos os aplausos são dirigidos ao “Grupo Corpo”, fundado por Paulo
Pederneiras, tendo à sua frente, Rodrigo Pederneiras. Essas
são as nossas maiores referências. E não sobra mais nada?! É claro que existem
muitas outras ótimas companhias de dança, Brasil afora, que não são muito conhecidas,
por falta de divulgação, as quais também se apresentam com grande maestria e
precisam de espaço na mídia, para que possam chegar a plateias do país inteiro.
E o “Festival
de Curitiba” tem o grande mérito de lançar luz sobre elas, como fez, em
sua mais recente edição, com um relevo para a região norte do Brasil,
a Amazônia, abrindo espaço para o “CORPO DE DANÇA DO AMAZONAS” representando
a região e arrancando prolongados aplausos de quem teve o privilégio ímpar e o
imenso prazer de assistir a uma de suas duas apresentações.
O
“CDA” foi criado em 1998
e também deve ser considerado uma referência em dança contemporânea, com um
repertório que conta com mais de 60 obras criadas com a
colaboração de artistas brasileiros e do exterior. Já participou de eventos
nacionais e internacionais importantes, ganhou vários prêmios e foi contemplado
em muitos editais. Eu não sabia nada disso. E quantos dos que lotavam aquele auditório
tinham conhecimento dessas informações? Creio que todos, ou quase todos,
estávamos ali “pagando para ver”. Ver o quê? Que o “CDA” também é grande.
Tem como diretor artístico MÁRIO
NASCIMENTO, responsável pela concepção e coreografia do espetáculo
aqui comentado, do qual participam 23 bailarinos, a saber: ADAILTON SANTOS, ADRIANA GOES, CLÉIA SANTOS, FRANK WILLIAN, FELIPE CASSIANO, GABRIELA
LIMA, HELEN ROJAS, HUANA VIANA, IAN QUEIROZ, JÚLIO GALÚCIO, LARISSA CAVALCANTE, LIENE NEVES, LUAN CRISTIAN, MARCOS
FELIPE, PAMMELA FERNANDES, RODRIGO VIEIRA, ROSI ROSA, SUMAIA FARIAS, TALITA TORRES, THAÍS CAMILLO, VALDO MALAQ, VICTOR VENÂNCIO e WELLINGTON ALVES. A julgar pelo biotipo dos bailarinos, que pude
ver bem de perto, por estar acomodado na primeira fila, percebi que alguns
deles são de etnia indígena.
A segunda curiosidade era sobre o título
do espetáculo: “TA – SOBRE SER
GRANDE”. Depois de ter lido a publicação oficial do “Festival de Curitiba” e
de ter participado da coletiva de imprensa, concedida pelo diretor artístico do
grupo e alguns bailarinos, consegui entender o porquê do referido título, que
vai explicado na SINOPSE abaixo:
SINOPSE:
“TA” significa “Grande,
para os Tikunas, povo originário do Amazonas, que ocupa uma
vasta área.
Expressão curta, carregada de sentidos.
A língua, para esses povos, é parte deles.
Os sons do ambiente fazem parte do idioma que se
fala, sejam pardos, roncos, chiados e tantos quantos conseguem escutar, definem
onde vivem como “TA”.
Um território que abriga, acolhe, alimenta e
precisa, também, de cuidados.
Carrega nos corpos e expressa toda força de um
povo que vive nessa amplitude – o Amazonas, a trilha sonora é do DJ MARCOS TUBARÃO.
Em poucas
vezes, senti-me tão vivo e participante, como plateia, de um espetáculo de
dança como aquele. Do palco, emanava uma energia tão contagiante, que a plateia
não conseguia piscar, tão atenta que estava a um grupo de excelentes artistas,
que ocupavam o palco com um talento descomunal e numa entrega total ao seu
trabalho. Não sei muito o que dizer, já que, repito, não tenho
gabarito para me expressar sobre técnica de dança, entretanto posso
fazê-lo, levando em conta o quanto de emoção aquelas pessoas me passaram, com
sua ARTE. O grupo se
apresentou com uma vitalidade robusta, executando um desenho coreográfico, que me pareceu exigir muito, fisicamente,
dos bailarinos. E todos, sem exceção, “rezaram
segundo a bíblia” do coreógrafo. Os passos propostos por MÁRIO
NASCIMENTO primam pelo vigor, pela força, e, até mesmo, por um toque de “agressividade”, como se quisesse
mostrar a permanente luta destemida, corajosa, dos povos originários, na
batalha por sua sobrevivência. Percebi que os bailarinos estão quase sempre em
movimento; pouco tempo descansam nas coxias, estas expostas ao público. Mal um
deles se retira do espaço cênico, logo pode ser visto, de novo, em ação. Que
preparo físico e resistência demonstram aqueles artistas!
O que o grupo leva para o palco não é apenas uma exibição de passos e
movimentos. Como nas danças dos povos originários, em todas elas, há um propósito,
como, por exemplo, ocorre no “Kuarup”,
um ritual praticado pelos povos indígenas da região do Xingu, para homenagear os mortos ilustres, aqui
não é diferente. O “Kuarup” ocorre sempre um ano após a
morte dos parentes indígenas. Troncos de madeira, pintados e ornados de penas,
representam cada homenageado e são colocados no centro do pátio da aldeia, da taba. Em torno deles, a família faz uma homenagem aos mortos. Em sua origem, ele, na verdade, teria sido um rito que objetivava trazer
os mortos de novo à vida. No caso de “TA”,
o espetáculo funciona como um grito de socorro, de alerta e de denúncia contra
toda a sorte de vilipêndio, exploração e desrespeito de que os povos originários
vêm sendo vítima, desde a chegada do colonizador, e se agrava, a cada dia,
principalmente como ocorreu durante o período de 1º de
janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022, quando, contando com o
aval de um (DES)governo que parecia
incentivar o extermínio dos remanescentes indígenas, o sofrimento daquela gente
se fez mais visível e cruel. Nesse sentido, “TA” chega no momento certo, tendo, como pano de fundo, as questões
de demarcação de terras; as lutas em defesa do território que sempre pertenceu
aos primitivos habitantes da “Terra Brasilis”, e não lhes pode
ser roubado; a devastação ambiental da Amazônia; o envenenamento das águas
dos rios, provocado pela mineração selvagem, desmedida... Tudo isso está
representado naqueles magníficos movimentos no palco. É a ARTE pura, retratando a
dura realidade do dia a dia de uma gente cujas vidas valem tanto quanto as de
quaisquer outros brasileiros.
O desenho coreográfico e aquelas belas figuras humanas,
com seus figurinos, criados por IAN
QUEIROZ, e maquiagem – pinturas de rostos e corpos (Não há, na FICHA TÉCNICA,
referência a alguém responsável pelo visagismo. Creio que cada um do elenco deva
ter criado a sua própria identidade visual.) -, são capazes de transformar
em poética a dureza de uma realidade que jamais deveria, nem poderia, estar
acontecendo. Tudo isso nos é revelado sob um excelente “design” de luz, assinado
por JOÃO FERNANDES NETO.
Paradoxalmente, o “CDA” consegue amalgamar, num só espetáculo, dor e sofrimento com
beleza e poesia. E o resultado disso é um espetáculo que me surpreendeu
imensamente.
Além da “performance”
irretocável de todo o corpo de dança, do qual não consigo extrair um único protagonista,
porque
todos o são, o outro grande destaque desta montagem é o trabalho do DJ MARCOS TUBARÃO, responsável pela
criação de uma trilha sonora exuberante, que mistura sons naturais da floresta
(cantos de pássaros e sons de outros animais) com melodias e ruídos de um outro
tipo de selva, a “de pedra”.
FICHA
TÉCNICA:
Direção Artística:
Mário Nascimento
Concepção: Mário
Nascimento
Coreografia: Mário
Nascimento
Elenco: Adailton
Santos, Adriana Goes, Cléia Santos, Frank Willian, Felipe Cassiano, Gabriela
Lima, Helen Rojas, Huana Viana, Ian Queiroz, Júlio Galúcio,
Larissa Cavalcante, Liene Neves, Luan Cristian, Marcos Felipe, Pammela
Fernandes, Rodrigo Vieira, Rosi Rosa, Sumaia Farias, Talita
Torres, Thaís Camillo, Valdo Malaq, Victor Venâncio e Wellington Alves
Trilha Sonora
Original: DJ Marcos Tubarão
Produtor Artístico
e Operador de Luz: Wallace Heldon
“Design” de Figurino: Ian
Queiroz
“Design” de Luz: João
Fernandes Neto
Inspetor: Eduardo
Klinsmann
Professor de Balé
e Assistente de Coreografia: Paulo Chamone
Assistente de
Coreografia: Helen Rojas
Professora de
Condicionamento Físico: Liene Neves
Fisioterapeuta:
Danilo Mattos
Fotos: Lina
Sumizono (Fotógrafa Oficial do “32º
Festival de Curitiba”)
A participação do “CORPO DE DANÇA DO AMAZONAS”, no “32º Festival de Curitiba”, foi, sem dúvida, uma das melhores e emocionantes atrações e serviu como um sinal de alerta e uma esperança de que é mister, e urgente, que devemos olhar, com mais atenção e empatia, para a causa dos nossos povos originários.
(Conversa, após o espetáculo, com o elenco e o diretor artístico, Mário Nascimento.)
FOTOS: LINA
SUMIZONO
(Fotógrafa
Oficial do
“32º Festival
de Curitiba”)
GALERIA PARTICULAR
(Fotos Gilberto Bartholo.)
(Mário Nascimento.)
(Mário Nascimento e DJ Marcos Tubarão.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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