sexta-feira, 26 de maio de 2023

 “KAFKA

E A BONECA”

ou

(CRIANÇAS TAMBÉM MERECEM

OBRAS-PRIMAS.)

 

 

 

       Não me lembro de ter assistido a nenhum espetáculo, no “Teatro do SESI – SP” (“Centro Cultural FIESP”), que não merecesse a classificação de MUITO BOM, ÓTIMO ou OBRA-PRIMA, observados os meus critérios. Todas as vezes que vou a São Paulo, reservo um dia para conferir o que está em cartaz naquele aprazível espaço cultural. Na última vez, fui ver a deliciosa COMÉDIA “DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL”. Mas não é sobre ela que estou escrevendo, o que só poderei fazer daqui a alguns dias. É que o “Teatro do SESI – SP” também serve de palco para espetáculos infantis e  infantojuvenis, apresentados, paralelamente às atrações para os adultos, nas tardes de sábado e domingo e nos finais das manhãs de 5ª e 6ª feira, para escolas. De um tempo para cá, passei a incluir, também, no meu roteiro, esses espetáculos, da mesma forma, produções de altíssimo nível, como é o caso de “KAFKA E A BONECA”, que tive o grato prazer de ver, numa sessão de 6ª feira, rodeado de crianças de escolas da capital paulista.




      Trata-se de um musical infantojuvenil, uma adaptação inédita, no Brasil, baseada numa história real (Será?), vivida pelo escritor austro-húngaro-tchecoslovaco FRANZ KAFKA, que “se propõe a resgatar valores e reflete sentimentos nobres e/ou importantes, como amor, a amizade, a confiança, a perda e o entendimento”. É a primeira adaptação da obra, para o palco, no formato de musical, gênero que agrada tanto aos pequenos, levada a estes numa produção da “Marcenaria de Cultura” e “Rega Início Produções”, em mais uma realização do SESI-SP.



      Muito me irrita e me deixa indignado, quando vejo uma montagem teatral voltada para os pequenos ser tão mal produzida, como, infelizmente, há muitas por aí, sem o menor cuidado e respeito aos espectadores, simplesmente “porque é para crianças”. Absurdo dos absurdos! A criança, como todos os que vão a um Teatro, tem que ser respeitada e merece que as produções se desdobrem, a fim de apresentar um produto de qualidade, exatamente como acontece nesta produção. Em “KAFKA E A BONECA”, tudo parece ter sido pensado, milimetricamente, com o objetivo de se aproximar, ao máximo, da perfeição. “Parece” não; foi! E o resultado é o melhor possível. Isso se aplica a tudo: ao texto, às canções, à direção, ao elenco e a todos os elementos de criação.



      A história original completa, no ano em curso, seu centenário e não há uma certeza “plena” (Olha o pleonasmo proposital, consciente, aí, gente!) de que os fatos, tidos como reais, de verdade, o são ou se a narrativa é fruto da imaginação criativa do autor, que foi, segundo seus biógrafos, um escritor de obras, em quase sua totalidade, escritas em língua alemã, romances e contos, considerado, pelos críticos literários, como “um dos escritores mais influentes doséculo XX”.



Bem diferente do que escreveu na história aqui analisada, a maior parte de sua obra, como “A Metamorfose“O Processo, as mais conhecidas, está calcada em “temas e arquétipos de alienação e brutalidade física e psicológica, conflitos entre pais e filhos, personagens com missões aterrorizantes, labirintos burocráticos e transformações místicas”.



Muita gente não leu suas obras, entretanto utiliza bastante o adjetivo “kafkiano”, criado em português, aplicado àquilo que é considerado “complicado, labiríntico e surreal”, como as situações encontradas na obra de KAFKA, que sempre adorou escrever, inclusive muitas cartas, a ponto de considerar o ato de escrever como uma “forma de oração”.



     Quanto à veracidade do encontro entre o escritor e a “Menina”, isso é o que menos importa (Muita gente diz que não houve.). O fato é que se trata de uma história belíssima, cheia de bons ensinamentos, com uma mensagem de otimismo e de crença na amizade, na alegria e na memória afetiva do que é bom e agradável.



      O encontro teria acontecido no Parque de Steglitz, em Berlim, em 1923, um ano antes da morte do escritor. KAKFA, que tinha uma saúde fragilizada, sofria de tuberculose e faleceu em 3 de junho de 1924, ainda jovem, aos 40 anos de idade.

 

 


 

SINOPSE:

“KAFKA E A BONECA” apresenta o encontro do célebre escritor FRANZ KAFKA (1883-1924) (MARCOS LANZA) com uma menina, Lia Hillel (ISA CAMARGO ou BIBI VALVERDADE), em uma praça de Berlim, Alemanha.

A pequena Lia, desolada, chora muito e procura por conforto e ajuda, por ter perdido sua boneca.

A história, baseada em fatos reais (?), mostra um lado doce e singelo, pouco conhecido, do consagrado autor. 

 

 


     O “gatilho” para essa linda narrativa teria sido um encontro casual, numa praça, do escritor com uma menina, que chorava, bem tristonha, por ter perdido sua boneca, o que deixou o homem bastante penalizado, sendo, então, compelido a ajudá-la e encontrar seu “tesouro perdido”, tarefa bastante difícil. Ele combinou, com a criança, um encontro para o dia seguinte, naquele mesmo lugar. Como não encontrou a boneca, naquela noite, em seu escritório domiciliar, lhe veio à mente uma “epifania”, partindo do princípio de que não lograria mesmo êxito em sua procura. Inventou (Ah! Os humanos inventam tantas coisas!) que a boneca teria feito uma viagem e que Lia Hillel, a menina, era uma garota de sorte, pois como “carteiro de bonecas” (Ah! Os humanos são bons mesmo nesse negócio de inventar!), ele lhe traria, diariamente, cartas da boneca, o que fez durante três semanas, ou o tempo necessário para fazer com que a criança se conformasse com o fato de que até as bonecas precisam de liberdade e têm o direito de traçar seus próprios caminhos.





   Nessas missivas, a “BONECA” narrava várias peripécias, aventuras vividas em vários cantos do mundo, como Itália, China e até o Deserto do Saara, que o homem inventava. Consciente de que jamais a boneca seria encontrada, antes de começar a levar, todos os dias, uma cartinha nova, o homem teve o cuidado de dizer à menina que sua amiguinha não estava perdida, mas se sentia muito feliz, sempre viajando.



      KAKFA era chegado a um estado abatido, melancólico. Alguns diziam que era bipolar (O primeiro diagnóstico de bipolaridade teria sido feito por pelo Dr. Carl Jung, em 1903.), como hoje as pessoas se referem àqueles que apresentam variações acentuadas de humor, alternando momentos de euforia com outros de depressão. “Condenado à morte”, por ter contraído uma doença incurável, à época (tuberculose), e vendo que se aproximava o fim de sua passagem pela Terra, ele vivia, então, um quase perene estado de tristeza e abatimento e viu, no ato de tentar fazer aquela criança feliz ou, pelo menos, conformada com o destino de sua BONECA, uma maneira de ter um resto de sobrevida menos cruel. É lindo tudo isso, tendo sido verdade ou não. A pequena Lia o fez redescobrir sentidos e motivações para voltar a escrever, dando mais cor aos meses que antecederam sua morte”.




       Louvo a iniciativa do SESI-SP, ao encampar essa ótima ideia de MARLLOS SILVA, que escreveu o roteiro da peça (Fez a adaptação para o palco, em forma de musical.) e a dirige, de forma irretocável e criativa. Não vou me cansar de dizer que a montagem é belíssima, uma das mais lindas a que já assisti no gênero, graças a um conjunto de fatores, ou melhor, de “gente de TEATRO”, que ama TEATRO e sabe como fazer TEATRO. Refiro-me aos artistas de criação e aos técnicos.



     São encantadoras as canções compostas por DANIEL ROCHA (As letras, ele as divide com MARLLOS.), que também acumula a função de diretor musical do espetáculo. Letras poéticas, melodias suaves e de fácil assimilação (A gente sai do Teatro cantarolando trechos de algumas músicas.).



      O elenco é deveras coeso. MARCOS LANZA nos comove com seu tom paternal e, por vezes, até meio angelical, na pele do escritor. Segue seus passos, com um ótimo trabalho, RENATA VILELA, que interpreta a enérgica e diligente mãe de Lia Hillel, esta personagem vivida pelas atrizes mirins ISA CAMARGO e BIBI VALVERDE, em alternância (Na sessão em que estive presente, o papel foi vivido, com muita graciosidade, por ISA.). MARCEL OCTAVIO, como sempre, abraçou seu personagem, o pai da criança, afetuoso e complacente, com seu enorme talento. GIOVANNA SASSI, além de aparecer em outros papéis coadjuvantes, é Dora Diamant, compassiva e vivaz, companheira de KAFKA, estabelecendo um contraponto com relação ao comportamento do parceiro. Vale o destaque de que todos, além de bons atores, são excelentes cantores. Ainda, em papéis variados, FERNANDO PALAZZA, LUIZA FRANCABANDIEIRA e RAFAEL ARAGÃO se encarregam, ainda que em papéis de menor relevância (Os personagens; não os atores.), de dar um excelente e necessário apoio às ações dos protagonistas.


O elenco.



       São infinitamente lindos, e muito bem construídos, os cenários, de MARCO LIMA, assim como os refinados figurinos, de KLEBER MONTANHEIRO. A iluminação, assinada por TULIO PEZZONI, é outra atração à parte, criando momentos de extrema beleza plástica, transportando a plateia ao “planeta dos sonhos”. E, dentro dos elementos de criação, não me furto a elogiar, também, os ótimos préstimos de TOCKO MICHELAZZO (desenho de som) e ANDERSON BUENO (visagismo).

         

 




 

FICHA TÉCNICA: 

Roteiro: Marllos Silva

Direção: Marllos Silva

Assistência de Direção: Marcelo Soldá

Músicas e Direção Musical: Daniel Rocha

Assistência de Direção Musical: Diego Salles

 

Elenco: Marcos Lanza (Kafka), Isa Camargo e Bibi Valverdade (Lia Hillel), Marcel Octavio (Pai de Lia), Renata Vilela (Mãe de Lia), Giovanna Sassi (Dora Diamant), Fernando Palazza, Luiza Francabandieira e Rafael Aragão

 

Cenários: Marco Lima

Figurinos: Kleber Montanheiro

“Designer” de Luz: Tulio Pezzoni

“Designer” de Som: Tocko Michelazzo

Visagismo: Anderson Bueno

Direção de Movimento: Fabrício Licursi

Preparação de Manipulação de Bonecos: Lenita Ponce

Produção Executiva: Renata Alvim e Marllos Silva

Assistência de Produção: Luiza Tabet e Fábio Campos

Produção: Marcenaria de Cultura, Rega Início Produções 

Assessoria de Imprensa: GPress Comunicação (Grazy Pisacane)

Fotos: Caio Gallucci

Realização: SESI-SP

 

 



 

SERVIÇO:

Temporada: De 05 de março a 18 de junho de 2023.

Local: Teatro do SESI-SP.

Endereço: Avenida Paulista, nº 1313 – Jardins - São Paulo (Centro Cultural FIESP).

Dias e Horários: 5ªs e 6ªs feiras, às 11h (Sessões exclusivas para escolas e grupos.), sábados e domingos, às 15h.

*Sessões com tradução e interpretação em Libras: Todos os domingos, a partir de 12 de março.

*Sessões com Audiodescrição: Dias 19/03, 23/04, 19/05 (escola) e 18/06.

Valor dos Ingressos: Gratuitos. Reservas, antecipadas, pelo “site” sesisp.org.br/eventos

OBSERVAÇÃO: As reservas abrem todas as segundas-feiras, a partir das 8h, para as apresentações que acontecem na mesma semana. Acesse a página de eventos e verifique a disponibilidade.

Classificação Etária: Livre.

Duração: 70 minutos.

Gênero: Musical. 

 




     “KAFKA E A BONECA” é uma “luz no fim do túnel”, um “oásis”, no “deserto” do cartaz teatral infantil e infantojuvenil (Falo de São Paulo e do Rio de Janeiro também.), um dos raríssimos exemplos de como se deve produzir um espetáculo destinado a uma plateia de hoje, mas que será a de amanhã (Espera-se.). É um trabalho muito lindo e importante porque “aborda relações humanas, o mundo da imaginação e a forma com a qual se deve lidar com a perda e o luto”.



      Dessa história, podemos tirar duas grandes lições: a de que “a tristeza e a perda são presentes, mesmo para uma pequena criança”, e é preciso saber administrar isso, e a de que “o caminho para a cura é ver como o amor volta em outra forma”.



     Soube, muito recentemente, que o diretor João Fonseca está ensaiando, com um elenco "de peso", no Rio de Janeiro, uma versão desta hisatória para adultos, a ser encenada no "Centro Cultural Banco do Brasilo (CCBB) - Rio". Já ansioso aqui. Por último, porém não menos interessante, o nome da BONECA é Marielle. Achei oportuníssima e merecida a homenagem feita à vereadora carioca Marielle Franco, brutalmente assassinada, a tiros, em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, ao lado de seu motorista Anderson Gomes. Por oportuno: já se sabe quem atirou, QUEM MANDOU MATAR MARIELLE FRANCO?



      Recomendo muito este espetáculo, ao qual classifico como OBRA-PRIMA do TEATRO para os pequenos.


  


FOTOS: CAIO GALLUCCI

(Observação minha: um dos melhores fotógrafos de TEATRO do Brasil.)



GALERIA PARTICULAR:


Com Fernando Pallazza, Luiza Francabandieira 

e Marcel Octavio.


Com Fernando Pallazza, Luiza Francabandieira, 

Marcel Octavio e Isa Camargo.



 

 

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