sexta-feira, 26 de abril de 2024

 

“QUEM TEM 

MEDO DE 

OLGA DEL VOLGA?”

ou

(QUEM SE LEMBRA

DE PATRÍCIO BISSO?)


 

      Fico bastante contrariado quando deixo de assistir a algum espetáculo que me interessava ver, por qualquer que seja o motivo. Um deles é a dificuldade de acesso, para mim, ao local onde a peça está sendo apresentada, como aconteceu na primeira temporada de “QUEM TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA?”, um monólogo que foi encenado num espaço alternativo, no Centro do Rio de Janeiro, cuja acessibilidade não me favorecia. Como a peça voltou a ser mostrada, ainda que, infelizmente, em curtíssima temporada, de apenas duas semanas – seis apresentações -, no Teatro Municipal Café Pequeno, no Leblon, consegui encaixá-la na minha agenda e assisti ao solo no seu último dia em cartaz, 14 de abril próximo passado. Ainda que não esteja mais à disposição do público, com esperanças de que consigam emplacar uma terceira temporada, e por ter gostado do que vi, resolvi registrar minhas impressões sobre ele.


 


SINOPSE:

GUSTAVO KLEIN se apresenta numa COMÉDIA que gira em torno da obra de Patrício Bisso, multiartista argentino, que rompeu barreiras, enfrentou a censura e se consagrou, nacionalmente, com a personagem Olga del Volga, sexóloga e conselheira sentimental russa, na TV e no cinema.


No monólogo, GUSTAVO, o ator, recebe uma ligação de um produtor de elenco, que o convida para fazer parte do elenco de um filme sobre a vida de Hebe Camargo, no qual ele representaria a personagem Olga del Volga, uma criação de Bisso, ferina nos comentários, sempre presente no sofá da apresentadora, a partir da década de 1980.


Patrício Bisso era um artista de múltiplas facetas: ator, figurinista de TEATRO e cinema, ilustrador e colunista.


Ao aceitar a oportunidade, o ator sente o peso do papel, e sua preparação é retratada no palco, mostrando as dúvidas, anseios, insegurança, medo, ansiedade e nervosismo; tudo com muito humor e proposital escracho.

 

 


 

 




 

Para começar, devo dizer que “QUEM TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA?”, com texto de TONY GOES, direção de GILBERTO GAWRONSKI e atuação de GUSTAVO KEIN, que se apresenta com o “auxílio luxuoso” de WLADIMIR PINHEIRO, dando-lhe suporte no teclado, alcançou um grande sucesso de público, na primeira temporada, com casas lotadas, em todas as sessões, o que lhe rendeu a segunda, a qual pode reforçar a possibilidade de uma terceira, com as bênçãos dos DEUSES DO TEATRO.




 

Não vi nada a menos ou a mais do que eu pensava encontrar, do que a produção do espetáculo prometia: uma comédia leve, para divertir um público eclético, de todas as idades. A proposta do espetáculo estava lá, naquele palco, para quem quisesse espairecer. Conhecendo a personalidade e a obra do homenageado, o talento de GUSTAVO KLEIN e a criatividade de GILBERTO GAWRONSKI, tinha a certeza de que iria me entreter bastante; e nada mais. E isso não é pouco; muito pelo contrário. É bastante desagradável ir a um Teatro, para assistir a uma COMÉDIA e voltar para casa decepcionado, sem ter conseguido rir, como era desejado. Nada pior do que piadas sem graça ou de mau gosto, texto débil e atores que não reúnem os pré-requisitos necessários a um bom ator cômico, como, infelizmente, já vi muitas vezes. É por isso, e por não aceitar a opinião daqueles que não entendem nada de TEATRO e vivem “arrotando” bobagens, como “a comédia é uma arte menor”, que sempre prestigio espetáculos de COMÉDIA, com todas as maiúsculas.

 

 



 

Em “QUEM TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA?”, a obra do argentino Patrício Bisso e a personagem que o consagrou, e que dá título a este solo, OLGA DEL VOLPE, dão o tom do espetáculo. O autor do texto, TONY GOES, que, infelizmente, faleceu pouco tempo depois da estreia da peça, foi muito feliz na sua pesquisa e na transferência do que garimpou e armazenou de informações para o papel. A estrutura do texto não é nada sofisticada e, muito menos, não apresenta nenhuma grande novidade; é, entretanto muito bem costurada, misturando as jornadas de PatrícioOlga e GUSTAVO, tudo muito bem embalado, com doses expressivas de um humor ácido – características do criador (Patricio) e da criatura (Olga), e números musicais, com um considerável foco direcionado à riqueza do universo LGBTQIAPN+, criativo e vasto, naquilo que ele tem de mais “performático”. O texto ganha maior importância ainda, quando joga luz sobre a discussão acerca da homofobia: a explícita e a estrutural. Esta é a primeira peça de TONY GOES (1960-2024), que foi colega de Patrício Bisso, na redação do jornal Folha de São Paulo.

 

 

 


(Tony Goes - Foto: Carta Capital.)






 

 

Sobre Patrício Bisso, pode-se dizer que ele foi um dos pioneiros na luta pela exigência de respeito à população LGBTQIAPN+ e pela dignidade que lhe é devida. Não teve medo de dar sua cara a tapa e, em rede nacional, rompeu barreiras inimagináveis, para a época. Foi um “subversivo”, no sentido daquele que vai contra a ordem social estabelecida. Nascido em Buenos Aires, em 1º de janeiro de 1957, era radicado no Brasil e, por conta de seu talento e criatividade, conseguia espaço, simultaneamente, em espetáculos “underground”, que atingiam um público restrito e específico, e em veículos de comunicação de massa, o que lhe dava maior visibilidade. Foi famoso, em sua época, embora, hoje, poucos se lembrem dele e de seu trabalho. Durante um tempo, frequentou o prestigiado e tão cobiçado “sofá da Hebe”, com divertidíssimas participações semanais. De lá, foi alçado a ator de novela, na TV Globo, já líder de audiência, à época. Lutou, com muita garra, contra o preconceito, em seu país e também no Brasil. Tendo sido flagrado, em praça pública, cometendo um “ato libidinoso”, que ia “contra os bons costumes” e era um “atentado ao pudor”, foi preso, em 1994, e, em função disso, sentiu as luzes que o iluminavam se apagando, paulatinamente. O “incidente” fez com que sofresse preconceito e perseguição, até entre os seus pares, e retornasse à Argentina, para nunca mais voltar ao Brasil. Faleceu em 14 de outubro de 2019, aos 62 anos, vítima de um infarto fulminante.

  

 










(Fotos de Patrício Bisso, garimpadas na internet.)

 

Ainda que o monólogo seja uma montagem simples, todos os artistas e técnicos que fazem parte de sua FICHA TÉCNICA demonstraram dar o melhor de si, para ajudar a erguer um espetáculo que chamo de “muito honesto”: sem maiores pretensões, mas que atinge seus objetivos, entrega tudo o que promete e agrada até aos espectadores mais exigentes. A cenografia, de GILBERTO GAWRONSKI, comporta um telão, ao fundo, no qual são projetadas excelentes imagens, creio que algumas raras, de Bisso, principalmente, em momentos importantes da sua carreira. Completam-na alguns pequenos móveis e objetos, já que o espaço cênico daquele “palquinho” é bem diminuto.

 

 

 







 

 

Patrício e Olga eram excêntricos, exóticos, com relação a seus figurinos, os quais primavam pela ousadia e o humor. Era preciso, pois, que se encontrasse alguém muito “especial”, com uma identificação pessoal com os dois personagens, para desenhar os figurinos da peça. Ainda bem que o nome de CLAUDIO TOVAR foi lembrado. As muitas peças de vestuário usadas por GUSTAVO, Patrício e Olga, incluindo uma variedade de adereços e cabeças, são todos muito bem engajados na proposta maior do espetáculo. Anderson Ratto foi preciso no desenho de luz. Contando com poucos recursos técnicos de que o Teatro dispõe, o iluminador soube “fazer uma saborosa limonada com os limões que tinha à sua disposição”. A maquiagem, que entra, com bastante peso, na execução do visagismo, é fiel às imagens que guardo de Patrício e Olga e é obra de TEDDY ZANY.

 

 

 




















 

 

 

Embora já conhecesse o trabalho e o talento de GUSTAVO KLEIN, desde 15 anos atrás, quando ele atuava no musical “Avenida Q”, um dos melhores montados por Charles Möeller e Claudio Botelho, na pele de um dos “Ursinhos do Mal”, espetáculo ao qual assisti cerca de vinte vezes (“Assinava o ponto” todas as sextas-feiras, na mesma poltrona da primeira fila: A2. Exagerado, eu?!), queria comprovar a perfeição de seu trabalho, neste solo, como era comentado por todos os que já haviam assistido à montagem. Fui, não me arrependo e ratifico todos os elogios a ele feitos por outrem. Voltei ao passado e fui transportado, sim, aos momentos de “reinado” de Patrício Bisso, quando “a gente era feliz e não sabia”. (Saudosista, eu?!), graças ao excelente trabalho de GUSTAVO KLEIN. Cônscio da irreverência de Bisso e Olga, esperava ver números de plateia, com, no mínimo, o ator se sentando no colo de alguém, o que me deixava meio apreensivo, por detestar esse tipo de comportamento. Há números de plateia? Sim; apenas um, todavia GUSTAVO age com muita naturalidade e, acima de tudo, respeito ao espectador. É um número rápido, sem ofender ou constranger ninguém. Eu fui um dos alvos da brincadeira e só me diverti com a intervenção.    

 

 







 

 

WLADMIR PINHEIRO assina a direção musical e está em cena, como ator e músico, acompanhando, num teclado, os números musicais, divertidos e cheios de duplo sentido, como “Meus Russos”, “Louca pelo Saxofone”, “Picasso” e “Pare, Repare, Espere, Desespere”. E ainda reforça, com sua bela e possante voz, trechos de algumas canções. Uma outra participação especial é do(a) transformista REGINE DE MÔNACO, que se apresenta, como “cover” de Rita Lee, dublando uma de suas canções.



 













 

GILBERTO GAWRONSKI, que, além de excelente ator, não merece outro adjetivo, como diretor, levou para o palco tudo o que existia no universo de Patrício e Olga, com bastante inventividade e bom gosto estético, sempre puxando para o lado caricatural e leve dos dois. Percebi uma correta parceria, uma total sintonia, entre ele e GUSTAVO, o que é fundamental no TEATRO, entre direção e elenco.


 

 




 







 


Louvo, por fim, o empenho de MARCELO AOUILA, na direção de produção, o qual suou, sua e ainda suará mais a camisa, para ter o espetáculo em cartaz.






 






 

 

FICHA TÉCNICA:

 

Idealização: Gustavo Klein
Dramaturgia: Tony Goes
Direção Geral: Gilberto Gawronski
Direção Musical: Wladmir Pinheiro

Atuação: Gustavo Klein

 

Cenografia: Gilberto Gawronski

Figurino: Claudio Tovar
Iluminação: Anderson Ratto
Sonorização: Branco Ferreira
Participação Especial: Regine De Mônaco
Vídeos: Marcelo Aouila
“Design” Gráfico, Operadora de Vídeo e Assistente: Marião
Fotos: Mari Marques e Ana Varella
Maquiagem: Teddy Zany
Costureira: Nany Moreira
Assessoria de Imprensa: Carlos Pinho
Assistência de Produção: Kaio Farias
Apoio Cultural: Café Arte Manuedu
Direção de Produção – Marcelo Aouila
Realização: Klein Artes e Essegaroto Aouila Produções

Patrocínio: Prefeitura do Rio de Janeiro, através do edital FOCA 2022

 

 









 

 

 

      Quando penso em que assisto a tantos espetáculos de “qualidade duvidosa” – eufemismo para “RUIM” -, os quais, por caminhos cuja origem desconheço, conseguem ótimas pautas, inclusive em espaços públicos e alguns privados cobiçadíssimos, uma das grandes dificuldades, no Rio de Janeiro, para os produtores, fico me perguntando por que uma excelente COMÉDIA, como “QUEM TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA” não logra cumprir uma temporada “decente” e merecida, de, no mínimo, um mês, e num Teatro que ofereça condições de conforto e segurança aos espectadores? Mistério...









 

 

 

Havendo uma terceira temporada, vou rever a peça, que RECOMENDO MUITO.


 




 






 



 

 

 


FOTOS: MARI MARQUES

e

ANA VARELLA

 


 

GALERIA PARTICULAR

(Fotos: João Pedro Bartholo.)

 

 

(Com Gustavo Klein.)




(Com Gilberto Gawronski.)





(Com Wladimir Pinheiro.)

 



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