domingo, 30 de junho de 2024

 

“PRIMEIRO HAMLET.”

ou

(PRIMEIRO, EM HAMLET?)

ou

(EM PRIMEIRO, HAMLET!)






       No TEATRO, o diretor é o responsável por “supervisionar e dirigir a montagem de uma peça, trabalhando, diretamente, a representação, decidindo a melhor forma de conjugar os diversos esforços da equipe de trabalho, em todos os aspectos da produção. A sua função é assegurar a qualidade e integridade do produto teatral (a peça)”. Em resumo, é o “maestro” que comanda seus artistas: os do elenco e os de criação. Sendo assim, ele chama a si a responsabilidade por funcionar ou não o produto de um trabalho coletivo. Cabe a ele fazer uma leitura pessoal de um texto e encontrar o caminho para fazer com que o espectador, da melhor forma possível, possa atingir as intenções do autor, segundo a sua leitura pessoal. Destarte, um mesmo texto teatral pode chegar ao público de “n” maneiras diferentes, vestido de formas e cores diversas. E o espetáculo passa a ser conhecido da seguinte forma: “o ‘Hamlet’ do Aderbal (Freire-Filho)”, “o ‘Hamlet” do Armazém (Grupo de Teatro de Belo Horizonte)” ou “o ‘Hamlet’ do Gabriel (Villela)”. É sobre o último que estou escrevendo.

 

 


 

        O que os difere? A estética e a ênfase que cada diretor impõe à sua montagem, ainda que existam pontos em comum entre eles, além do “fio da meada”. E não há por que dizer que este é melhor que aquele ou que um me emocionou mais que o outro. Asseguro-lhes que, tendo assistido às três montagens citadas, além de outras, “menos votadas”, encantei-me, de igual forma, por todas. Enquanto, nos dois primeiros, a direção optou por um tom mais épico e até “futurista”, GABRIEL VILLELA nos presenteia com um espetáculo repleto de pinceladas de poesia, lirismo e humor ingênuo, a despeito de a tragédia tratar de temas “satélites”, como a traição, o incesto, a corrupção, a moralidade e a usurpação de um trono, o que gera um sentimento de vingança, sendo este o mote principal da peça. Deste, tiramos a conclusão de que um espírito vingativo é tão destrutivo quanto o motivo da vingança”. Pelas palavras de SHAKESPEARE, entendemos que existe, sem a menor dúvida, a presença do mal no universo humano e que esse sentimento é inato, ao mesmo tempo que o autor explora a nossa reação para com essa deformidade.

 

 



          Tudo isso justifica o trabalho de GABRIEL VILLELA, na direção de seu mais recente espetáculo, “PRIMEIRO HAMLET”, o qual, infelizmente, cumpriu uma curta temporada, no SESC Vila Mariana, em São Paulo, espetáculo que me levou, exclusivamente, à capital paulista, para conhecê-lo e ao qual só consegui assistir em seu último dia em cartaz (16/06/2024). A tragédia é a mesma que todos conhecemos e já vimos encenada sob óticas diversas, porém o que, de muito contundente, mais diferencia a montagem em tela das demais, além da conhecida e personalíssima estética de VILLELA, é o fato de ser esta a primeira versão conhecida de “HAMLET”, escrito, ao que deduzem os estudiosos do bardo inglês, entre 1599 e 1601, a mais célebre tragédia de WILLIAM SHAKESPEARE, versão trazida a público apenas em 2014, graças à tradução do doutor em literatura inglesa e norte-americana JOSÉ ROBERTO O´SHEA.

 

 


 

           O título da peça, como ela é apresentada em qualquer lugar, é “A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca” (The Tragedie of Hamlet, Prince of Denmarke”), abreviada para apenas “Hamlet”. A ação se passa na Dinamarca e conta a história de como o Príncipe Hamlet tenta vingar a morte de seu pai, também chamado de Hamlet, o Rei, executado por Cláudio, seu irmão, que o envenenou e, em seguida, tomou o trono, casando-se com a rainha. “A peça traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida, do sofrimento opressivo à raiva fervorosa.”.




 

SINOPSE (bem resumida):

        O jovem Príncipe Hamlet da Dinamarca (CHICO CARVALHO), depara-se com o espectro de seu pai, que lhe revela que seu irmão, Cláudio (CLAUDIO FONTANA), tio do jovem e, agora, casado com Gertred (Gertrudes, nas outras versões – LUCIANA CARNIELI), mãe do Príncipe, o envenenara.

Atormentado com essa macabra revelação, Hamlet organiza um plano, valendo-se de uma trupe de atores, os quais se apresentariam no palácio, com o objetivo de mostrar sua arte, para testar a veracidade do crime narrado pelo fantasma de seu pai e, assim, vingar seu assassinato.

 

 

 


 


SINOPSE (bem completa):

O protagonista é o Príncipe Hamlet da Dinamarca (CHICO CARVALHO), filho do recentemente morto Rei Hamlet e sobrinho do Rei Cláudio (CLAUDIO FONTANA), irmão e sucessor de seu pai.

Após a morte do Rei Hamlet, Cláudio casa-se, apressadamente, com a, então, viúva Gertrede (LUCIANA CARNIELI), mãe do Príncipe.

Naquele momento, a Dinamarca está em disputa com a vizinha Noruega Noruega, e paira no ar a expectativa de uma suposta e iminente invasão, liderada pelo príncipe norueguês Fórtinbras (JOÃO ATTUY).

A peça inicia-se numa noite fria, no Castelo de Elsinore, o Castelo Real Dinamarquês.

Os sentinelas tentam convencer Horácio (IVAN VELLAME), o melhor amigo do Príncipe Hamlet, que eles têm visto o fantasma do rei morto, quando este aparece novamente.

Depois do encontro de Horácio com o Fantasma, Hamlet resolve vê-lo com seus próprios olhos.

À noite, o Fantasma aparece para Hamlet.

O espectro diz ao Príncipe que é o espírito de seu pai morto, e revela que Cláudio o matou com um frasco de veneno, despejando o líquido em seu ouvido, e pede que Hamlet vingue sua morte, com o que este concorda, com pena do espectro, decidindo fingir-se de louco, para não levantar suspeitas, ainda que o rapaz duvide da “identidade” do Fantasma.

Ocupados com os assuntos de Estado, Cláudio e Gertrudes tentam evitar a invasão de Fórtinbras.

Um tanto preocupados com o comportamento solitário e errático de Hamlet, acrescido de seu luto profundo, diante da morte do pai, os dois convidam dois amigos do príncipe – Rosencraft (GABRIEL SOBREIRO) e Guilderstone (BRENO MANFREDINI) - para descobrirem a causa da mudança de comportamento de Hamlet, o qual recebe os companheiros calorosamente, todavia logo discerne que eles estão contra si.

Corambis (ELIAS ANDREATO) é o conselheiro-chefe de Cláudio, e seu filho, Laertes (ANDRÉ HENDGES) está indo de viagem à França, enquanto sua irmã, Ofélia (CIÇA DE CARVALHO), é cortejada por Hamlet.

Nem Polônio nem Laertes acreditam que Hamlet nutra desejos sinceros com Ofélia, e ambos alertam-na para esquecê-lo.

Pouco depois, Ofélia fica alarmada pelo comportamento estranho de Hamlet e confessa ao pai que o Príncipe irá ter com ela num dos aposentos do Castelo.

Polônio assume que o “êxtase do amor” é o responsável pela loucura de Hamlet e informa isso a Cláudio e Gertrudes.

Mais tarde, Hamlet discute com Ofélia e insiste para que ela vá para um convento.

Hamlet continua sem saber se o espírito lhe contou a verdade, mas a chegada de uma trupe de atores a Elsinore apresenta-se como uma solução para a dúvida.

Ele vai montar uma peça, encenando o assassinato do pai - assim como o espectro lhe relatou - e determinar, com a ajuda de Horácio, a culpa ou a inocência de Cláudio, observando sua reação.

Toda a Corte é convocada para assistir ao espetáculo, durante o qual Hamlet faz comentários, no decorrer da encenação.

Quando a cena do assassinato acontece, Cláudio, muito pálido e visivelmente perturbado, ergue-se cambaleante, fazendo com que Hamlet veja nisso uma prova de sua culpabilidade.

O Rei, temendo pela própria vida, decide banir Hamlet para a Inglaterra, com um pretexto, vigiado por Rosencraft e Guilderstone, com uma carta na qual há a orientação de que seu portador seja assassinado tão logo lá chegue.

Gertrede, aflita e preocupada com o comportamento do filho, chama-o à sua câmara e pede-lhe uma explicação sensata sobre a conduta que resultou no mal-estar do Rei.

Durante o caminho, Hamlet encontra-se com Cláudio rezando, distraído.

O jovem hesita em matá-lo, pois raciocina que enviaria o Rei ao céu, por ele estar orando.

No quarto da Rainha, mãe e filho têm um debate fervoroso.

Corambis, que espia tudo por detrás das cortinas, denuncia-se, ao fazer um barulho, e Hamlet, acreditando ser Cláudio, dá-lhe uma estocada certeira, furando o tecido que o encobria, e percebe o erro cometido.

O Fantasma aparece, dizendo que Hamlet deve acolher sua mãe suavemente, embora volte a pedir vingança.

Atormentada, em luto, pela morte do pai, Ofélia caminha por Elsinore, cantando libertinagens.

Laertes retorna da França, enfurecido pela morte do pai e melancólico pela loucura da irmã.

Cláudio convence Laertes de que Hamlet é o único responsável pelo acontecido.

Chega, então, a notícia de que o Príncipe voltara à Dinamarca, porque seu barco foi atacado por piratas, quando estava a caminho da Inglaterra.

Rapidamente, Cláudio propõe a Laertes uma luta de espadas, “de reparação”, entre ele e Hamlet, durante a qual o primeiro dos dois utilizaria uma espada envenenada, sendo que, na ocasião, seria oferecido ao Príncipe uma taça de vinho com veneno, para o caso de o plano da luta falhar.

Gertrede interrompe o local da luta, com a notícia de que Ofélia se afogara, em “suicídio”.

No regresso a Elsinore, Hamlet conta a Horácio como escapou do destino mortal, quando foi confiado a Rosenccraft e Guilderstone.

Nesse momento, Laertes interrompe a conversa e convida o Príncipe para um combate de armas brancas, proposto pelo Rei.

Enquanto isso, o exército de Fórtinbras cerca Elsinore.

A competição começa e ambos os cavalheiros tomam posição.

O Rei, como planejou anteriormente, separa a taça envenenada e deposita veneno dentro do líquido, oferecendo-a a Hamlet, que deixa a bebida para depois da luta.

O Príncipe vence a contenda nos primeiro e segundo assaltos, o que leva a Rainha a tomar a taça com o vinho envenenado, para “beber à sorte do filho”.

Enquanto a mãe enxuga a face de Hamlet, Laertes decide feri-lo com a arma envenenada, mas Hamlet, fazendo uso de sua força, atraca-se com o inimigo e, no corpo a corpo, as espadas são trocadas e o Príncipe atinge Laertes com a lâmina envenenada.

A Rainha confessa que morre por conta do veneno, enquanto Laertes revela que o Rei é o culpado de toda a infâmia.

A Rainha morre envenenada.

Hamlet, então, fere o Rei com a espada envenenada, mas este diz estar apenas machucado.

Furioso, o sobrinho, à força, obriga Cláudio a beber a taça com veneno e o mata, vingando a morte de seu pai.

Laertes, morrendo aos poucos, despede-se de Hamlet, e ambos se perdoam.

Horácio diz que será fiel ao Príncipe, morrendo junto com ele.

Hamlet morre, dizendo “O resto é silêncio.”.

Fórtinbras invade o Castelo com seu exército e ordena que quatro capitães conduzam o corpo de Hamlet.

Os soldados carregam o corpo do Príncipe.

Soa a marcha fúnebre, e, depois, uma salva de canhões.

 




 

    Embora muitas pessoas não saibam – eu me incluía nelas -, comprovadamente, há três versões da mais famosa tragédia shakespeariana, provavelmente o texto teatral mais encenado no mundo inteiro, sobre o qual se fazem, até hoje, muitas investigações, inclusive para se tentar chegar ao ano “certo” de sua escritsa. As citadas três primeiras versões da peça são conhecidas como o Primeiro Quarto (Q1), o Segundo Quarto (Q2) e o First Folio (F1). Q1 (de 1603), de Q2 (de 1604) e de Fólio (de 1623), todas autênticas, conforme atestado pelos estudiosos da área.  A versão abraçada por GABRIEL VILLELA é a primeira, que acabou por gerar o título do espetáculo. O detalhe de haver mais de uma versão para um mesmo texto era, de certa forma, comum na época de SHAKESPEARE. Diz o tradutor do texto: “A convivência de múltiplas versões era comum no período Elisabetano-Jaimesco.”, enquanto o diretor justifica a sua escolha “não por ser menos conhecida e inédita em São Paulo, mas porque é a fonte primordial, de onde nasce água pura, capaz de purificar, hidratar o rosto das almas, Hamlet!”.

 

 



 

           Saio sempre das encenações de GABRIEL VILLELA com a impressão de que muitas pessoas que não conhecem as histórias encenadas entram nos Teatros assim e saem deles da mesma forma, não porque seja difícil entender as tramas, mas porque ficam de tal modo fascinadas com o visual, que acabam se fixando mais nisso e abandonam o fio condutor das tramas. Parece-me que tudo o que se enxerga no palco se torna superlativado, sobrepondo-se à história. Isso não é difícil de acontecer, dadas as provocações estéticas propostas pelo encenador. GABRIEL é um grande esteta, que reúne, em si, muita sensibilidade, bom gosto e inteligência cênica, esta abrangendo todos os elementos de criação envolvidos numa representação teatral, além, obviamente, de sempre encontrar o tom na medida para desenvolver uma narrativa. E com um detalhe: é um multiartista, mas, para as áreas em que não atua ou resolve delegar a outrem alguma função, sempre tem, ao pé de si, expoentes em cada ofício. GABRIEL VILLELA é conhecido por sua teatralidade barroca e fortes traços de brasilidade, com mais de 50 espetáculos encenados, na grande maioria das vezes, misturando sua formação acadêmica erudita com a estética popular. Vencedor de dezenas de prêmios, seu ecletismo levou-o a encenar autores clássicos, como Pirandello, Camus, Heiner Muller, Calderón de La Barca, Schiller, Shakespeare, Strindberg e Eurípides, sem deixar de lado os dramaturgos brasileiros, como Nelson Rodrigues, Arthur Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Luís Alberto de Abreu, Ariano Suassuna e Alcides Nogueira, além de dirigir “shows” musicais, óperas, companhias de dança e especiais para a TV.



Gabriel Villela

(Foto: O Globo.)

 

 



 

          Um erro imperdoável, em dramaturgia, que, infelizmente, se pode encontrar, com bastante frequência, em muitos textos teatrais, diz respeito à distorção de linguagem colocada na boca de determinados personagens. Se temos, por exemplo, numa cena de audiência pública, em que um monarca proporciona, a seus súditos, uma oportunidade para apresentarem seus anseios, sugestões e reclamações, é óbvio que cabe ao dramaturgo colocar, na boca do representante do regente, palavras e construções frasais corretas e, até mesmo, empoladas, ao passo que tem que mostrar um alfaiate ou um pescador, por exemplo, falando num nível de linguagem que comporte incorreções linguísticas de todos os tipos, por serem representante do povo. Se não o fizer, soará falso. Nesta obra, como nas suas demais, Shakespeare presta muita atenção a esse detalhe. É só reparar na diferença de nível de linguagem que há entre os nobres e Horácio, os dois guardas e outros personagens de linhagens subalternas. Hamlet, por exemplo, ao contrário, fala com um linguajar mais qualificado, usando figuras de retórica altamente desenvolvidas, em forma de metáforas, eufemismos e hipérboles. Na já citada leitura da tragédia, feita por Aderbal Freire-Filho (2008 / 2009), pelo fato de o diretor ter destacado a vertente cômica da peça, foi utilizada uma versão, linguisticamente, mais despojada para a fala de todos os atores em cena, incluindo a nobreza. Uma outra característica bem marcante, no universo dramatúrgico de Shakespeare, é a utilização de solilóquios, muito expressivos, como, julgo eu, se para auxiliar o público no entendimento da narrativa.

 

 



 

            Inicio os comentários sobre os artistas de criação pelo fabuloso trabalho de J. C. SERRONI, nome sempre associado às montagens villelianas. SERRONI assina uma cenografia extraordinária, cheia de pontos e aspectos de uma significação extrema, que pode passar despercebida aos olhos de muitos espectadores mais leigos, mas que chamam a atenção deles, mesmo que não atinjam o motivo da presença de alguns elementos cênicos. Aqui, os atores narram e dramatizam o ardiloso enredo sobre um palco coberto por troncos de árvores carbonizadas, ou o que sobrou de uma floresta queimada, simbolizando uma deterioração, um “status quo” indesejável. Esses elementos remetem, certamente, a uma paixão do bardo pela Natureza, por florestas e jardins, “facilmente identificada no protagonismo que exercem em ‘Sonho de Uma Noite de Verão’”; e em outras obras, acrescento eu, nas quais fazem parte do ambiente em que se passam as ações. Aqui, talvez fruto de uma “viagem” de minha parte (A culpa é do GABRIEL. Ele nos dá, de presente, a passagem para que possamos “viajar” bastante. Momento descontração!), também enxergo uma velada crítica à destruição da Natureza, mormente no Brasil, principalmente no período compreendido entre 2019 e 2022, quando as queimadas eram incentivadas, por um maldito (DES)governo, perverso e estúpido, para a “passagem da boiada”. Também pode ser vista em cena, como grande detalhe, uma cama, também carbonizada, que se presta a sugerir diferentes ambientes, chegando a funcionar como um pequeno palco dentro de um maior, para acolher cenas emblemáticas da tragédia. Esse móvel, semidestruído, chegou até mim como um símbolo do deplorável incesto entre Cláudio e Gertred, cunhados entre si, talvez mais “imoral e intolerável” do que um assassinato e uma usurpação do trono. A cenografia de SERRONI é sempre um grande destaque nas encenações de GABRIEL VILLELA e seus trabalhos já foram expostos até no exterior. Oxalá essa parceria ainda possa ser vista em muitos outros trabalhos da dupla!

 

 



 

       Em todas as peças de GABRIEL VILLELA, os figurinos também representam um dos mais importantes detalhes das encenações, com um peso muito grande, sempre desenhados por ele (Pode ser que a afirmação não esteja correta, entretanto, sem pesquisar, não me lembro de nenhum espetáculo assinado por VILLELA em que o elenco vista alguma peça desenhada por outra pessoa.) e confeccionados por uma equipe de profissionais sob seu comando direto: alfaiates, costureiras, bordadeiras e aderecistas. Isso quando não é o próprio a “colocar a mão na massa”. Nesses figurinos, abundam, e andam de braços dados, a beleza, a criatividade, o bom gosto, o colorido, a diversidade de texturas e materiais, além do fino acabamento, sem falar nos mínimos detalhes de bordados. Tudo isso transforma as peças dos figurinos de GABRIEL em verdadeiras obras de artes, prontas a serem exibidas em museus. Não foi diferente desta vez. Um dos meus sonhos, confessado, pela primeira vez, agora, é conhecer o acervo do artista.

 

 


 

         A riqueza plástica de uma cenografia e de um conjunto de figurinos - expressivos, ímpares e exuberantes - que nos deixam “de queixo caído”, precisa de uma luz que os faça realçar mais ainda. Para completar esse belíssimo conjunto estético, chega WAGNER FREIRE, com um desenho de luz agregador e envolvente, combinando um mar de cores e matizes, intensidades, brilhos, e sombras também, enriquecendo cada cena. Contrastes entre luzes e penumbras, para expor ou ocultar o que deve, e pode, ser visto, e o que precisa ser encobertado está lá, na corretíssima luz de um grande artistas como FREIRE.

 

 


 

         A maquiagem é outro detalhe que caracteriza os trabalhos de GABRIEL VILLELA. São sempre rebuscadas e cheias de detalhes expressivos, quase uma “marca registrada” na suas obras. Neste espetáculo, CLAUDINEI HIDALGO é o artista criador responsável por ela.

 

 


 

          Os espetáculos assinados por GABRIEL não são musicais, no entanto a música é um elemento que interessa e agrada muito ao renomado encenador, motivo pelo qual ele sempre a inclui nas suas direções. Tudo me leva a crer que é ele mesmo quem escolhe as canções que compõem suas trilhas sonoras, sempre belas e pertinentes, a maior parte das vezes tocadas e cantadas ao vivo, com acompanhamento de músicos, aos oilhos do público ou fora deles. Desta vez é apenas a DANIEL MAIA que cabe a função de tocar órgão e outros instrumentos musicais, acumulando a direção musical e os arranjos instrumentais, além de colaborar nos vocais. Coassina a direção musical e assina os arranjos vocais BABAYA MORAIS, outra grande artista, sempre presente nos trabalhos do diretor. Chamaram-me muito a atenção dois solos, para o hino religioso “Panis Angelicus” (“Pão dos Anjos”), interpretado, separadamente, pelos atores BRENO MANFREDINI e IVAN VELLAME, donos de vozes de uma beleza indescritível, assim como a interpretação de “Agnus Dei” (“Cordeirode Deus”) na maviosa voz de GABRIEL SOBREIRO. “A maior parte das músicas é cantada em latim, ao vivo, pelos atores. O ponto de partida é o cantochão gregoriano, que vai ganhando polifonia ao longo da tragédia.”. Fazem parte da trilha sonora, além de “Panis Angelicus” (César Franck e São Tomás de Aquino) e “Agnus Dei” (Domínio Público), “Canto da Verônica” (Domínio Público), “Tantum Ergo Sacramentum” (“Sacramento Tão Sublime”) (Domínio Público), “Ave Maria da Natureza” (Franz Schubert) e “Amanhã É Dia de São Valentim” (William Shakespeare).

 

 




  Formam o elenco dez atores, sendo alguns presenças constantes em peças dirigidas por GABRIEL, como CHICO CARVALHO, pela sexta vez dirigido por ele, sendo a segunda montagem de um texto de Shakespeare; a primeira foi “A Tempestade”, em 2015. CHICO, um dos maiores atores de sua geração, um “ator de TEATRO”, interpreta o protagonista, o atormentado jovem Hamlet, cuja existência conhece o que são e representam traição, assassinatos, intrigas e vingança, mas, acima de tudo, passa por uma profunda reflexão sobre o papel das decisões pessoais no destino de qualquer homem. O personagem é levado a vingar a morte de seu pai em meio a suas próprias dúvidas sobre sua sanidade e sobre seus dilemas morais. Hamlet é o protótipo do humanismo, no sentido de que ganha, ao longo da peça, a clara percepção de que o seu destino é moldado, unicamente, por suas decisões e que a liberdade de agir é seu maior prêmio e sua maior maldição. É sua esta fala: “Acima de tudo, sê fiel a ti mesmo. O protagonista da peça é o grande "sonho de consumo" de qualquer ator, embora poucos consigam interpretá-lo à altura de sua psiquê, e CHICO CARVALHO faz parte dessa restrita "confraria"São palavras do ator: “O Hamlet aqui não é uma versão minha, mas, principalmente, produto da linguagem do GABRIEL. Estamos a favor de uma maquinaria, de uma linguagem. Com essa premissa, a gente se livra um pouco dessa enrascada de tentar definir o personagem, porque ele é indefinível.”. Gostei disso e concordo.

 

 



 

  Na opinião do ator, as personagens do dramaturgo inglês são como “um prisma cujas diversas faces são iluminadas por seus versos, daí sua riqueza imensurável”. O elenco também conta com outros grandes atores, todos em sua maturidade e "performances' extremas. ELIAS ANDREATO interpreta Corambis (chamado de Polônio, nas outras versões.), CLAUDIO FONTANA faz o Rei Cláudio e, ao seu lado, como Rainha Gertred (Gertrudes, nas outras versões.), LUCIANA CARNIELICIÇA DE CARVALHO é OféliaIVAN VELLAME faz o melhor amigo do protagonista, Horácio; ANDRÉ HENDGES, o irmão de Ofélia, Laertes; GABRIEL SOBREIRO e BRENO MANFREDINI são os colegas de Hamlet, aqui chamados de Rosencraft e Gilderstone. Por fim, JOÃO ATTUY interpreta tanto o Coveiro quanto o invasor norueguês, Fortimbrás. Não menos importante, visto que o diretor tem especial apreço pela musicalidade em todos os seus trabalhos, DANIEL MAIA executa a trilha sonora ao vivo, com meteóricas participações em cena. 

 


  


 

 

FICHA TÉCNICA:

Autor: William Shakespeare

Tradução: José Roberto O´Shea

Direção: Gabriel Villela

Diretor-Adjunto: Ivan Andrade 


Elenco: Chico Carvalho (Hamlet), Elias Andreato (Corambis), Claudio Fontana (Rei Cláudio), Luciana Carnieli (Gertred), Ciça de Carvalho (Ofélia), Ivan Vellame (Horácio), André Hendges (Laertes), Gabriel Sobreiro (Rosencraft), Breno Manfredini (Gilderstone) e João Attuy (Coveiro / Fortimbrás)

 

Cenografia: J. C. Serroni

Figurino: Gabriel Villela

Iluminação: Wagner Freire

Direção Musical, Canto e Arranjos Vocais: Babaya Morais

Direção Musical, Órgão, Viola e Arranjos Instrumentais e Vocais: Daniel Maia

Assistente de Cenografia: Débora Ferreira

Adereços de Cenário e Pintura de Arte: Beatriz Leandro, Gonzalo Michel, Lis Macedo, Nayara Andrade, Matheus Rondelli e Viviana León

“Designer” Gráfico de Cenografia:  Paula dia Paoli

Produção de Cenografia: Matheus Muniz

Cenotécnico: Wagner de Almeida

Marcenaria Cenográfica: Douglas Vendramini

Maquinistas de Montagem: Benilson Alves, Bruno Torato, Douglas Vendramini e Gonzalo Michel

Assistentes de Figurinos: Nour Koeder, Emme Toniolo e Nayara Andrade

Costureira: Zilda Peres

Pintura e Texturização: Cirqueira e Priscila Chagas

Maquiagem: Claudinei Hidalgo

Assistente de Maquiagem: Patrícia Barbosa

Fotografia: João Caldas Fº

Assistente de Fotografia: Andréia Machado

Diretor de Palco: Márcio Félix

Operador de Luz: Rodrigo Sawl

Camareira: Ana Lucia Laurino

Produção Executiva: Augusto Vieira

Direção de Produção: Claudio Fontana

Apoio: Marcelo Araújo Hair

 


 



 






  “PRIMEIRO HAMLET” é, inquestionavelmente, uma das melhores peças a que assisti neste ano, até agora, e – Por que não? – nos últimos tempos, o que não chega a ser nenhuma novidade, não fosse um espetáculo com a “grife” GABRIAL VILLELA. É uma lástima muito grande ver uma montagem tão correta, perfeita, em todos os sentidos, ser mostrada a público restritíssimo, até porque só cabem 620 espectadores no Teatro do SESC Vila Mariana – E não há quem não quisesse conhecer a obra. -, em tão poucas sessões e sem a perspectiva de viajar a outras praças, como já ocorreu com espetáculos anteriores do grande diretor, alguns dos quais, como este em tela, me levaram, propositalmente, a São Paulo, apenas para poder dizer, como muito orgulho e alegria: “Eu assisti a este espetáculo do Gabriel.”. O mesmo não posso dizer com relação à sua versão para “O Auto das Compadecida” (2019), o clássico de Ariano Suassuna, quando GABRIEL dirigiu o “Grupo Maria Cutia”, de Belo Horizonte, e “Cordel do Amor sem Fim ou A Flor do Chico”, de Cláudia Barral, encenado pelo grupo “Os Geraldos” (2021), de Campinas. Esta ainda consegui ver por vídeo; aquela, nem assim. Se eu RECOMENDO este “...HAMLET”, caso volte ao cartaz? Tão certo é isso quanto o meu desejo de contar com o trabalho de GABRIEL VILLELA e seus “pupilos” por muitos e muitos anos. Por motivos óbvios, deixo de publicar o SERVIÇO da peça.

 

 

 






 

 

 

FOTOS: JOÃO CALDAS Fº.

 

 

 

 

 

GALERIA PARTICULAR

(Fotógrafos diversos.)



 








Com Gabriel Villela, Nanda Rovere e Eliane Rovere.





Com Claudio Fontana.




Com Daniel Maia.



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