“SRA. KLEIN”
OU
(UMA RELAÇÃO
DELICADA?
É POUCO.
É MUITO
POUCO.)
ou
(NO CENTRO
DE
UM PALCO,
TUDO QUEIMA
NA
FOGUEIRA DAS
VAIDADES.)
Esta
crítica já deveria ter sido escrita antes, uma vez que assisti à peça na primeira temporada, em agosto do
ano passado, no Teatro Prudential, e gostei muito do espetáculo, entretanto foi
às vésperas de uma viagem minha ao exterior e não tive condições de fazê-lo.
Quem não gosta
de um bom “TEATRÃO”, no melhor sentido da palavra? Um TEATRO feito “à moda antiga”, mas com
pinceladas de modernidade, que faz o público se divertir e refletir também,
como “SRA. KLEIN”, que, depois de
ter cumprido uma primeira, e vitoriosa, temporada, já mencionada, no Rio
de Janeiro, com lotações esgotadas, voltou ao cartaz e que acabei de
rever (VER SERVIÇO.).
Quando
se tem um texto como o de NICHOLAS
WRIGHT, adaptado por TEREZA FALCÃO,
dirigido por VICTOR GARCIA PERALTA e
interpretado por três ótimas atrizes –
ANA BEATRIZ NOGUEIRA, NATÁLIA LAGE e KIKA KALACHE -, e depois do sucesso
estrondoso que a peça atingiu em São Paulo, o desejo de ir ao Teatro,
para conhecer a montagem, se tornava imperioso, lá atrás. Todas essas
credenciais me fizeram aceitar, de pronto, o convite de LEANDRO GOMES, assessor de imprensa do Teatro Prudential, na
primeira temporada, para conferir o trabalho de tanta gente de talento reunida
numa só produção, e, agora, o de GUILHERME
SCARPA, assessor de imprensa da peça.
SINOPSE:
O texto conta a
história de uma família disfuncional, a relação tóxica entre mãe e filha, com
todas as dificuldades que há nesses vínculos familiares.
Um
estudo assombroso e comovente das relações mãe / filha.
Toda
a ação se passa no espaço de uma dia, na primavera londrina de 1934.
O
dramaturgo imaginou um encontro entre Melanie Klein (ANA BEATRIZ NOGUEIRA) e Melitta Klein (NATÁLIA LAGE), mãe e filha, duas grandes celebridades no universo
da psicanálise, que, na vida real, viveram uma relação assaz conturbada, pontuada por muitos
embates verbais, até por conta de uma rivalidade profissional não exposta de
forma tão explícita, mas quase chegando a isso.
Desse colóquio, também participa Paula
(KIKA KALACHE), uma das discípulas
da Sra.
Klein, sua mais nova assistente, uma jovem refugiada da Berlim
de Hitler.
A reunião acontece após o misterioso suicídio
do filho de Melanie, Hans, personagem que, obviamente,
não aparece na trama.
A
peça mostra o efeito dessa morte devastadora e inesperada, na Sra. Klein, na sua filha e na nova
assistente.
O fato serve de estopim para um cruel desfile de acusações e defesas.
Para se chegar à
dimensão dos reais conflitos entre mãe e filha, fora da ficção, sabe-se que,
por mais de uma vez, Melitta Klein chegou ao extremo de
adentrar os espaços em que Melanie estava proferindo uma palestra ou ministrando
aula, na tentativa de diminuí-la ou desdenhar (de) seus méritos, chegando mesmo
a dizer, alto e bom som, que as crianças utilizadas no primeiro estudo experimental
da mãe teriam sido ela e o irmão, culpando-a por isso, pelos prejuízos, no
campo emocional, para si e Hans. O suicídio do rapaz poderia
ser considerado o ápice dessa nefasta experiência. Ou, talvez, ainda haja muito
mais água a rolar por debaixo da ponte?
Melanie Klein havia ido, de Berlim,
para a Grã-Bretanha, com a determinada intenção
de estender a psicanálise às crianças, entretanto a utilização de seus próprios
filhos em suas pesquisas científicas prejudicou muito a sua relação com eles,
de forma quase irreparável, e a notícia da morte de Hans pôs combustível na
fogueira que regia um amargo confronto com a filha, já anterior ao referido
falecimento.
Pelo
teor da SINOPSE, pode-se perceber que a temática do texto é bastante universal e atemporal, permitindo aos
diretores, em cada época em que for encenado (Foi escrito há quase 90 anos.),
uma releitura voltada à realidade de cada momento. É quase impossível, a cada
espectador, mesmo aos homens, não se reconhecer em alguma das três personagens,
não se identificar com qualquer das três, ou deixar de enxergar nelas alguma
semelhança com alguma parenta, amiga ou conhecida.
O diretor do
espetáculo, VICTOR GARCIA PERALTA,
cujo trabalho tanto reverencio e que já havia assinado uma direção desse texto,
há 33
anos, na Argentina, seu país natal, percebeu, ao rever um vídeo daquela
montagem, que podia, e devia, fazer uma nova direção da peça, “refrescando-a”,
no todo, e, principalmente com uma releitura das três personagens.
Esta
é a primeira montagem da peça a que assisti, mas confesso que gostaria muito de
ter tido a oportunidade de ver, em 2003, a que foi dirigida por Eduardo
Tolentino, de quem também sou um grande admirador. Mas é sobre o
trabalho de PERALTA que me proponho
a discorrer. O diretor apostou numa ideia meio “kamikaze”, que poderia
levar a dois resultados totalmente opostos: tanto seria capaz de agradar muito
como, também, de merecer comentários desabonadores. Isso por conta de uma visão
mais contemporânea do tema que a peça carrega, representada pelas marcações incomuns e
pelos elementos de criação. Venceu a primeira hipótese,
felizmente.
A
proposta de PERALTA repousa numa
encenação menos realista, a qual, de início, pode parecer que será entediante,
visto que a direção impõe um ritmo não acelerado, cobrando, do trio de atrizes,
comedimento nos gestos, na postura corporal e nos deslocamentos em cena,
partindo para uma valorização maior do texto, magistralmente dito pelas três
intérpretes. Fiquei com a impressão de que uma das preocupações do dramaturgo,
respeitada pelo diretor, foi estabelecer um equilíbrio entre os dramas familiares da
consagrada Sra. Klein e sua filha e as discussões sobre o valor das
teorias do universo psicanalítico. Aproveito o gancho para registrar que o
texto do autor britânico NICHOLAS
WRIGHT, hoje com 83 anos, em determinados momentos,
reserva uma certa dose crítica, de forma meio cômica, a tais teorias. São
algumas alfinetadas que parecem ridicularizá-las. Assim pelo menos, foi como
elas chegaram a mim. Pode ser que isso seja coisa da minha cabeça, pelo tanto
de juízos críticos, negativos, que tenho sobre muitas dessas teorias, como foco maior nas
relacionadas a “transferências”. E por que "tudo é culpa das mães"? (Momento descontração.)
O
texto é muito denso, e assim é trabalhado pelo diretor e pelo elenco. Sinto que
a peça viaja em caminhos paralelos: um chegando mais claro aos profissionais da
saúde mental, os quais, certamente, devem se sentir atraídos aos locais onde a
peça é representada; outro que atinge, de mais perto, o grande público, o qual,
por falta de conhecimento técnico-científico, fica mais atento aos embates
familiares, os quais existem em todas as “melhores” famílias. Há uma posição,
porém, em que essas duas paralelas perdem a sua principal característica, de
correrem lado a lado, sem que se encontrem, e convergem para um ponto comum: é
o valor dramatúrgico da peça.
Quando não conhecemos o
original de um texto teatral de um autor estrangeiro, que passa a existir traduzido em outra língua ou
sofrendo algum tipo de adaptação, fica difícil fazer uma análise muito
criteriosa sobre sua nova formatação, com vestes de uma cultura local,
entretanto, conhecendo bastante o trabalho de TEREZA FALCÃO, penso que, mais ou menos próxima ao original, a versão brasileira e a adaptação estão bem ao nosso gosto.
Pode
causar uma certa estranheza, e confesso que, a princípio, foi assim que
enxerguei a cenografia, assinada por DINA
SALEM LEVY, a qual se resume a 18 cadeiras, dispostas no centro de
um palco bem grande, lado a lado e de costas umas para as outras, em dois
grupos de 9. No decorrer da encenação, as atrizes se ocupam em retirar
uma e outra, posicionando-as em outras pontos do palco, como se as três
estivessem tentando resolver um grande quebra-cabeças ou disputando uma partida
de xadrez (Será que “viajei” nessa decodificação?). Assim, pelo menos,
foi como entendi aquilo. Posteriormente, li, não me lembro onde, que aquela
movimentação poderia, também, representar “a obsessão de Melanie”, que vai sendo, aos
poucos, “desconstruída”. Sei lá, não sei! Não cheguei a tal “preciosismo”,
mas isso é um detalhe, a meu juízo, só possível de ser entendido por quem tem “olhos
de lince” ou é profundo conhecedor da personalidade da Sra.
Klein, o que, confesso, não domino. Na verdade, sinceramente, não
consegui enxergar nada de mais claro nesses deslocamentos das cadeiras, o que,
penso, não faz a menor diferença nem compromete meu trabalho de análise da
obra, como um todo.
KAREN BRUSTTOLIN criou figurinos
sóbrios e elegantes, em tons bem escuros, puxados para o preto, o cinza e o
azul-marinho, os quais combinam bem com o ambiente pesado, que gira em torno de
um suicídio, porém com características de época (década de 1930), com toques algumas concessões permitidas, relacionadas à moda hodierna, e o
resultado é muito bom, como tudo o que a consagrada figurista vem fazendo.
BERNARDO LORGA e MARCELLO H, responsáveis, respectivamente, pela iluminação
e pela trilha sonora, contribuem, com seus talentos profissionais,
para o somatório positivo do espetáculo. Luz e trilha sonora discretas e
congruentes; aquela, sem muita variação, acompanhando a intensidade requerida
por cada cena; esta, bem pontual e oportuna. LORGA não utiliza cores, no seu desenho de luz, além do clássico
branco. MARCELLO é assaz comedido em
suas poucas interferências de som, o que é mais um pormenor que comprova a
acertada supervalorização do texto.
O
elenco se comporta de forma impecável, capitaneado por uma experiente e
sensível atriz, como ANA BEATRIZ NOGUEIRA,
a qual, desde quando assistiu à montagem de 2003, que trazia Nathália
Timberg no papel da protagonista, se sentiu atraída pela riqueza da
personagem, a ponto de desejar interpretá-la, quando atingisse mais idade e
experiência de palco, exatamente o que se dá agora. É certo que o autor do
texto escreveu uma obra de ficção, imaginando aquele encontro e aquelas
conversas, entretanto deve ter pesquisado “à vera” sobre a “tsunâmica
e erupcional” relação mãe e filha, para construir duas grandes
personagens, magnificamente vividas por duas conceituadas atrizes. ANA BEATRIZ, agindo com muita
naturalidade, parece não estar representando e compôs uma Melanie Klein sarcástica,
irônica e, por isso mesmo, engraçada, “até a página 5” (Rimos de
coisas absurdas que ela diz e nas quais acredita piamente, mas não
deveríamos.), que beira à sandice; uma mulher “seca”, cruel, desprovida
do menor sentido de empatia, arraigada às suas convicções científicas, as quais
ela julga estarem acima de todas. Ela se considera o suprassumo da “verdade”.
Personagem e atriz inteligentes formam um corpo uníssono, indissolúvel.
NATÁLIA LAGE é uma atriz que sempre é
lembrada por mim em personagens mais “leves”, até explorando bem sua veia
cômica, bem diferentes de sua Melitta Klein. Não me recordo de
tê-la visto revestida de tanta dramaticidade numa personagem. É excelente,
também, sua atuação nesta trama. Ao mesmo tempo que Melitta reconhece o peso
e a importância de sua mãe, no campo da psicanálise, não a respeita tanto e
guarda até um meio velado desejo de vingança pelo fato de Melanie não ter tido o
menor pudor, em seus experimentos, misturando a vida profissional com a pessoal, da família. As investidas e as graves e pesadas acusações de Melitta contra a mãe deixam bem à mostra que é como se ela se sentisse, de certa forma, ou
totalmente, violentada, invadida na sua infância, tendo sua privacidade
exposta. Aliás, a sua e a do irmão, e o suicídio deste me soa como “atirar
gasolina a uma fogueira”.
Se
o volume maior de tensão dramática recai sobre as personagens de mãe e filha, Paula,
a nova assistente da Dra. Melanie, vivida por KIKA KALACHE não deixa de ter, também,
uma relevância nesse encontro. A personagem, também psicanalista e precisando
se firmar na profissão, se apresenta robusta, por conta da ótima interpretação
da atriz. Paula, discípula da consagrada psicanalista, se vê “entre
a cruz e a espada”, sendo obrigada a agir como um elemento de neutralidade,
uma vez que depende do emprego, o que a faz relevar certas palavras e atitudes
da Sra.
Klein, e é amiga de Melitta, simpática ao comportamento
desta.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Ana Beatriz Nogueira e Eduardo
Barata
Texto: Nicholas Wright
Tradução e Adaptação: Thereza Falcão
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Ana Beatriz Nogueira, Natália Lage
e Kika Kalache
Cenário: Dina Salem Levy
Figurinos: Karen Brusttolin
Iluminação: Bernardo Lorga
Trilha Sonora: Marcello H
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Visagismo: Fernando Ocazione
Produção Executiva: Marcia Andrade
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Assessoria de imprensa: Dobbs Scarpa
Fotos: Ricardo Brajterman
Realização: Trocadilhos 1000 Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada: de 05 de janeiro a 04 de fevereiro de 2024.
Local: Teatro das Artes (Shopping da Gávea).
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, nª 52 / 2º piso, Gávea / Rio de Janeiro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 20h; domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: 5ª feira: R$ 100 e R$ 50 (meia-entrada); 6ª feira,
sábado e domingo: R$ 140 e R$ 70 (meia-entrada).
Horário de funcionamento da bilheteria: De 5ª feira a domingo, a partir das 15h.
Vendas “on-line”: Divertix
Classificação Etária: 14 anos.
Duração: 90 minutos.
Capacidade: 418 lugares.
Acessibilidade: SIM.
GÊNERO: Drama (Suspense)
“SRA. KLEIN” não é um espetáculo superficial nem "digestivo"; ao contrário, é o que muitos chamam de uma “peça cabeça”, pelo peso de sua temática e, também, pela densidade do texto. Trata-se de uma produção muito bem cuidada, que pode suscitar profícuas reflexões, em conversas pós-sessões. É uma peça que merece ser vista pela maior quantidade de pessoas que amam o bom TEATRO. Para concluir, nada mais a dizer, além de recomendar, com entusiasmo, o espetáculo.
FOTOS:
RICARDO BRAJTERMAN.
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