segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

“O DIABO NA RUA,

NO MEIO DO REDEMUNHO”

ou

(A ETERNA PELEJA

DO BEM CONTRA 

O MAL.)

ou

(UM "CADIM" DE PROSA DIALÉTICA.)

 



               Foi com enorme alegria e uma sensação de leveza na alma que deixei, na noite de ontem, a Sala Eletroacústica da Cidade das Artes, aonde, a convite de JÚLIO LUZ (Assessoria de Imprensa) fui levado a assistir o segundo espetáculo da “Trilogia Grande Sertão: Veredas”: “O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO”, com direção de AMIR HADDAD e uma visceral interpretação de GILSON DE BARROS. Trata-se de um espetáculo IN-DES-CRI-TÍ-VEL, principalmente para quem é um fervoroso admirador de João Guimarães Rosa e amante de um bom TEATRO, como eu. Na véspera, já havia revisto o primeiro solo da referida “Trilogia”, “Riobaldo”, cujo “link” das crítica que escrevi, e publiquei ontem, vai aqui transcrito: https://oteatromerepresenta.blogspot.com/2024/01/riobaldo-ou-um-aulao-de-talento-e.html(.)

 




             A proposta do primeiro dos três monólogos é dar voz a Riobaldo, o grande protagonista da icônica obra literária que dá título a este projeto, para que ele relembrasse seus três grandes amores: DiadorimNhorinhá e Otacília. O incompreendido amor por Diadorim, o amigo que lhe apresentou a vida de jagunço e lhe abriu as portas do conhecimento da natureza e do humano, levando-o a um pacto fáustico; o amor carnal e sem julgamentos pela prostituta Nhorinhá; e o amor purificador por Otacília, a esposa, que o resgatou daquele pacto e o converteu em “homem de bem”.  Neste segundo, de fundo filosófico, a prosa gira em torno daquele pacto.

 

 


 

 

 SINOPSE:

Riobaldo, um ex-jagunço, hoje um velho fazendeiro, conversa com um interlocutor (o público). 

Nesse encontro, cheio de filosofia, ele conta passagens de sua vida e reflete sobre a dialética: bem e mal, Deus / diabo.

Na juventude, por amor a Diadorim, e para conseguir coragem e força, fez o que julga ser um pacto fáustico. 

Durante a narrativa, o personagem se vale de várias histórias populares, para questionar: “o diabo existe?”.

 

 

 


        

              Tendo sido publicado em 1956, “Grande Sertão: Veredas” revolucionou a literatura brasileira, ao explorar a linguagem popular e oferecer uma perspectiva única do sertão. João Guimarães Rosa rompe com a estética da linguagem praticada até então. Na verdade, ele já o fazia desde suas primeiras publicações, anteriores à sua OBRA-PRIMA, com a qual conquistou o respeito e a admiração de todos. Rosa mergulha nas profundezas da alma humana, utilizando a riqueza e ousadia da língua, para discutir aspectos metafísicos do homem de forma universal. Considero Guimarães Rosa o autor regionalista mais universal da literatura mundial“Realismo mágico, regionalismo, liberdade de invenções linguísticas e neologismos são algumas das características fundamentais de sua literatura. (...) Ele prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática e vice-versa, uma potencializando a outra”. (Wikipédia)

 



            O livro que serviu de ponto de partida para a realização deste grandioso e importantíssimo projeto, obra que o autor classifica como uma “autobiografia irracional”, é marcado por elementos regionalistas, existencialistas e religiosos. A bem da verdade, as questões existenciais e religiosas sempre povoaram e impactaram a obra de Rosa.

 



            É tão bom quando forças e interesses comuns se juntam, para produzir espetáculos de TEATRO da estirpe dos que são agasalhados neste projeto. Aconteceu nos dois primeiros solos e tenho plena certeza de que se repetirá no terceiro, “O Julgamento de Zé Bebelo”, em fase de produção, para estrear em julho deste ano. Um feliz encontro este, do diretor AMIR HADDAD com o ator GILSO DE BARROS. AMIR, com mais de 60 anos de dedicação total ao TEATRO BRASILEIRO, sempre tem seu nome logo é associado ao “Grupo Tá na Rua”, uma trupe comandada por ele, o qual, desde 1980, leva, aos locais públicos, espetáculos que carregam a ideia de improviso e de simplicidade, em que a participação do público é parte da cena, tendo, como diretriz a valorização do contato direto entre a cena e o público.

 



               Fazendo uma dobradinha com AMIR, temos GILSON DE BARROS, que, além de um grande ator, também é dramaturgo e gestor teatral. Seu talento levou-o, na última edição do “Prêmio SHELL de Teatro” a ser indicado, pelo Rio de Janeiro, em duas categorias: “Melhor Dramaturgia” e “Melhor Ator”, por seu trabalho em “Riobaldo”. É um enorme privilégio vê-lo atuando, porque é um ator de múltiplas possibilidades, que se atira, de corpo inteiro, em cada novo trabalho, sendo que, neste, parece-me que o faz com mais propriedade, uma vez que é outro grande amante do acervo rosiano. Em sua trajetória artística, contabiliza mais de 25 peças, das quais trago excelentes recordações de sua atuação em “Murro em Ponta de Faca”, com texto e direção de Augusto Boal; “Ópera Turandot”, sob a direção de Amir Haddad; e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”, com texto e direção de Domingos de Oliveira.

 




              Apostando numa comunicação mais direta, imediata, com o público, com um texto pouco familiar aos ouvidos dos espectadores para ser dito e decodificado, AMIR, como diretor, se afasta, aqui, de qualquer vestígio de sofisticação e complexidade e orienta seu dirigido a se ocupar em, simplesmente, comportar-se como um contador de “causos”, à sombra de uma árvore, por exemplo. E assim a coisa flui, e com muita naturalidade. Por sua vez, GILSON, um, “operário do TEATRO”, disciplinado que é, segue, à risca, o comando do “maestro”, e mestre, prendendo toda a audiência pelo que diz e por olhar fixamente nos nossos olhos. Não dá para nos deixarmos divagar nem um minuto, durante os 60 de duração da peça, porque ele não o permite. Um “encantador de almas humanas”, “um bruxo da comunicação”.

 



              Como a estrutura da peça é análoga à de “Riobaldo”, fica difícil evitar ser repetitivo, na análise dos elementos da peça. Assim, peço desculpas e licença para “plagiar” a mim mesmo (Seria plágio ou pura reiteração?), quando digo, por exemplo, que O DIABO NA RUA, NO MEIO DO REDEMUNHO é uma prova, mais que concreta de que um TEATRO de altíssima qualidade pode abrir mão de recursos tecnológicos e plásticos e agradar profundamente a qualquer plateia. E seguindo no repeteco: Defendo uma teoria, aplicada a “shows” musicais, que também estendo às tábuas do TEATRO. Tanto me emociono assistindo a um “show” “pirotécnico”, uma superprodução, que utiliza os mais sofisticados recursos da mais moderna tecnologia, como das vezes em que estou diante de um grande artista que se apresenta na base do “um banquinho e um violão”. Sim, isso é possível e existe. No TEATRO, dá-se o mesmo; seja numa sofisticada produção, na “linha Broadway”, com um super elenco, orçada em muitos cifrões, ou numa modesta montagem de um solo, com mínimos recursos da tecnologia e da plasticidade; ou, praticamente, sem nenhum deles. Este solo é um espetáculo do tipo “um banquinho e um violão”, que arrebata e encanta o espectador, do primeiro ao último minuto, com embalagem do cotidiano, não “de presente”.





  GILSON e AMIR, nesta peça, se propõem a traçar um recorte dos questionamentos dialéticos de um personagem “de pouca sabença dos livros, mas um sábio da escola da vida”, com muita ingenuidade e pureza. Diretor e ator se atêm à originalidade do livro, mormente com relação à linguagem criativa e poética de Rosa, seus neologismos e estruturas sintáticas absurdamente interessantes.  E o conseguem, de forma brilhante, numa OBRA-PRIMA, na qual o banquinho é trocado por um modesto banco de jardim e o violão cede a vez a uma caneca. Durante 60 minutos, sentado nesse banco, o ator, num tom bem intimista, a poucos metros da plateia, dirige-se a esta, contando “causos”, falando de suas dúvidas, como se estivéssemos diante, de verdade, daquele personagem. Tudo muito naturalmente e sem deixar que se crie um minuto sequer de “barriga”. Ao contrário, o público se sente hipnotizado pelas mágicas palavras ditas pelo ex-jagunço.




            Não existe, praticamente, cenário, a não ser os objetos a que me referi no parágrafo acima. E eu pergunto: Precisaria de mais? Eu mesmo respondo: Não!!! JOSÉ DIAS responde pelo cenário e pela direção de arte. O figurino é simples, roupa do dia a dia, e um toque de regionalismo é marcado por um chapéu. Não há variações de luz; e nem era preciso. O “papa da luz”, AURÉLIO DE SIMONI, sabia disso. Luz branca, na mesma intensidade, da primeira à última cena. Um elemento surge nesta montagem, porém, não presente em “Riobaldo”: trata-se de uma “centelha”, muito breve, de sons de vozes humanas, no início e no final da encenação, que, a meu juízo, até poderiam não existir, que nem devem constituir uma “trilha sonora”. Ali, diante de nós, apenas um texto magnífico e um ATOR, com todas as maiúsculas, conduzindo um espetáculo inesquecível, poético, vibrante, lírico, engraçado... Um texto escrito em “linguagem de dia comum” com pinceladas de “falares de feriado”, na qual sobra espaço para regionalismos do “mineirês”, doce e brejeiro. O texto, ainda que tenha sido escrito por Guimarães Rosa, considerado, por muitos, um escritor “hermético”“nos desce fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”, dito, com muita propriedade e com total entrega, por GILSON DE BARROS. É muito comovente o seu trabalho. Ele se emociona com tudo o que diz e transfere ao público seus sentimentos. GILSON nos contagia até o mais profundo de nossas almas.



(Foto: Gilberto Bartholo.)

 

 





 FICHA TÉCNICA:

A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa 

Recorte: Gilson de Barros

Direção: Amir Haddad

 

Atuação: Gilson de Barros

 

Cenografia e Direção de Arte: José Dias

Iluminação: Aurélio de Simoni

Programação Visual: Guilherme Rocha, Mikey Vieira e Pedro Azamor

Assessoria de Imprensa: Júlio Luz

Técnicos: Mikey Vieira e Pedro Azamor

Fotos e Vídeos: Marcos Sobral

Realização: Barros Produções Artísticas Ltda.

 

 





 

 

 SERVIÇO:

Temporada: De 14 a 28 de janeiro (Aos domingos.).

Local: Cidade das Artes (Sala Eletroacústica).

Endereço: Avenida das Américas, nº 5300 - Barra da Tijuca – Rio de Janeiro.

Acessibilidade: SIM.

Amplo estacionamento, GRÁTIS, no local.

Informações: Telefone (21)3328-5300.

Ingressos: R$ 30 (meia-entrada) e R$ 60 (inteira).

Capacidade: 100 lugares.

Duração: 60 minutos.

Classificação Etária: 16 anos. 

Venda pela Sympla: https://bileto.sympla.com.br/event/89653/d/230977

Gênero: Monólogo.

 

 

 



             Ainda há duas semanas para que este magnífico espetáculo seja assistido, e afirmo que o ideal é ver os dois, este e “Riobaldo”, em dias seguidos.

 

 


 




FOTOS: MARCOS SOBRAL

 


 

GALERIA PARTICULAR:



Com Gilson de Barros.


 

 


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